Redação

Relatório (Parte IV).

MISSÃO À NOVA MUTUM, PORTO VELHO, RONDÔNIA, COM O OBJETIVO DE AVALIAR AS CONDIÇÕES DOS CAMPONESES DAS ÁREAS TIAGO CAMPIN DOS SANTOS E ADEMAR FERREIRA DA LIGA DOS CAMPONESES POBRES – 25 A 27 DE OUTUBRO DE 2021.

Leia também:

1- Tribuna da Imprensa Livre passa a narrar os abusos contra os camponeses na luta pelo direito à terra e as ofensas aos Direitos Humanos praticados pelo governo de Rondônia

2- RELATÓRIO (Parte II): Abusos contra os camponeses na luta pelo direito à terra e as ofensas aos Direitos Humanos praticados pelo governo de Rondônia

3- RELATÓRIO (Parte III): Abusos contra os camponeses na luta pelo direito à terra e as ofensas aos Direitos Humanos praticados pelo governo de Rondônia 

Continuação do Relatório

6.3 – Participação no retorno das famílias às Áreas: retorno e repressão policial

Chegando na entrada de acesso à Área Tiago Campin dos Santos, o grande comboio composto pelos camponeses e integrantes da Missão se deparou com o ilegal e criminoso cerco militar com centenas de agentes policiais armados com fuzis e sem identificação. Havia no local de entrada da Área uma barreira policial. A base foi instalada compulsoriamente em um pequeno comércio com diversas viaturas reunindo centenas de policiais, que se revezaram no cerco e ameaça aos camponeses. Fortemente armados, postaram-se frente à massa camponesa compondo uma linha que constituía uma barreira física na estrada de acesso à área.

Os demais camponeses despejados que haviam saído da escola em 25/10/2021 pelas péssimas condições sanitárias locais se juntaram ao comboio somando centenas de famílias que em função da liminar do STF podiam voltar para a Área Tiago Campin dos Santos.

Na entrada da área, a PM permitiu, arbitrariamente, apenas a entrada dos advogados, do procurador da República Raphael Bevilaqua, da Ouvidoria Externa da DPE, Comissão de Direitos Humanos da OAB/RO que acompanhava a missão, onde foi realizado uma reunião entre estes integrantes da missão e o Comandante Alexandre, que enfatizou que só entraria as 100 pessoas. Com o passar do tempo, chegaram de dentro da área veículos, tropas da PM-RO, Força Nacional, Patrulhamento Tático Móvel (PATAMO), Grupo Especial de Fronteira (GEFRON) e até mesmo um helicóptero do Núcleo de Operações Aéreas (NOA).

Enquanto ocorria a reunião, os camponeses demonstravam o ânimo e a determinação por retornarem às suas terras, entoando canções como o Hino da LCP, O risco e também palavras de ordem como: Nem que a coisa engrossa essa terra é nossa! Conquistar a terra! Destruir o latifúndio! É terra, é terra para quem nela trabalha e viva agora e já a Revolução Agrária! Ir ao combate sem temer, ousar lutar, ousar vencer! O comandante da operação, nitidamente abalado com a demonstração de vigor e coragem dos trabalhadores, pediu aos advogados que ordenassem o fim das músicas. O helicóptero da PM sobrevoava a multidão que, transbordando decisão, fazia chacota da tentativa de intimidação. Um drone filmava a manifestação.

Ao fim da reunião, já ao cair da noite, os advogados comunicaram as propostas feitas pelas forças de repressão e os camponeses iniciaram uma Assembleia Popular (AP) onde os caminhos possíveis para continuidade da resistência foram discutidos. As famílias decidiram continuar no local e entrar na Área pela manhã.

Moradores da região que apoiavam o retorno das famílias doaram um boi para a alimentação da multidão naquela noite. Os camponeses logo se organizaram e prepararam ali mesmo uma refeição, a única fonte de alimentação em horas.

As famílias se alojaram na estrada de acesso à Área impedidas de adentrarem o imóvel, onde se se revezavam entre o descanso, os cuidados com os que estavam doentes e a tarefa de realizar a segurança dos camponeses. As tropas jogavam luzes dos automóveis e deixaram o giroflex ligado, como forma de ataque contra as famílias.

As mães e crianças foram “convidadas” pelo PM a passarem a noite no acampamento deles, com a condição de que não saíssem durante toda a noite e não mantivessem contato com o resto das famílias ou com quaisquer outros camponeses. As mulheres camponesas, no entanto, demonstrando desprezo às forças de repressão, recusaram e emendaram dizendo que não confiam na polícia que as agride diariamente com operações de guerra. Os camponeses também denunciaram que a atuação dos policiais era absurda.

Vários integrantes da Missão tiveram que retornar para Porto Velho/RO em função do horário e os que ficaram puderam passar a noite com as famílias camponesas, partilhando suas histórias, dores e sofrimentos.

Pela manhã do dia 27/10/2021 mais tropas militares chegaram; os termômetros já marcavam quase 40 graus e diversas pessoas passaram mal, desidratadas. Apesar de terem acesso à água no local onde estava a base, a PM se recusou a ceder às famílias, agravando a má condição de saúde, especialmente dos idosos e das crianças, em que à desidratação, se somavam a intoxicação promovida pelo consumo da água da escola que estava em condições insalubres.

Após muita resistência, iniciou-se a entrada das famílias no dia 27/10/2021. Inicialmente, o Comandante Alexandre insistiu em deixar entrar somente 100 pessoas: 70 adultos e 30 crianças, recusando a deixar as demais adentraram à Área. Essa situação deixou as famílias revoltadas, que ameaçaram furar o cerco policial e vendo a determinação das famílias, a polícia teve que aceitar o ingresso dos demais, mas impôs que mantivesse o fichamento policial, que consistia em revista pessoal em mulheres, homens e crianças, revistas nos seus veículos e pertences de todos e fotografia dos documentos e rostos dos que entravam: o registro de RG, CPF e número do lote em que a pessoa residia. Fizeram, de forma abusiva e violenta, revistas em todos os veículos, malas e, ademais, nos camponeses, incluindo as crianças.

A participação de integrantes da Missão no dia 27/10/2021 foi determinante para a fiscalização das ações da PM, constatando as violências contra os camponeses e auxiliando no transporte de água do pequeno comércio local para as famílias que se encontravam na barreira policial e eram impedidas de adentrarem ao comércio para adquirir água, num total desrespeito aos mínimos direitos fundamentais, como exemplo: acesso a água e comida.

Enquanto era organizada a entrada das famílias para a Área, onde elas passavam pela situação vexatória de serem revistadas, seus pertences expostos e fichadas, foi possível coletar os seguintes depoimentos:

– Camponesa 1: “A criança está doente, no sol, sem nenhum recurso, medicação não passou, as bolsas ficaram para trás. O filho da vizinha aqui está em desespero. É crítico o que está acontecendo conosco, desumano”.

– Camponês 2: Durante a revista que eles chamam de “baculejo”, em frente aos policiais que reviraram todos os seus pertences, denunciou: “Isso aqui é humilhação para o povo trabalhador. Por que a polícia não está atrás de bandido? Eu sou trabalhador, nós temos as mãos cheias de calos, nós não somos bandidos. Isso aqui é uma humilhação muito grande. Pessoas passando mal aí, mulheres gestantes, crianças, sem água, sem alimentação. Os governantes do Estado deveriam tomar vergonha, é falta de vergonha na cara dos governantes do Estado”. E concluiu dizendo: “Nós entramos nesta terra e não vamos sair! Nosso lema é ocupar, resistir e produzir! A terra é nossa. É terra para quem nela vive e trabalha!”.

Depoimentos que eram, na verdade, verdadeiras reclamações da forma como estavam sendo tratados, já que até o Secretário de Segurança Pública do Estado: Helio Cysneiros Pachá (conhecido por sua atuação à frente das tropas policiais na batalha de Santa Elina em 1995, o que lhe rendeu a alcunha de “o carniceiro de Santa Elina” por parte dos camponeses) foi até o local pessoalmente, em um helicóptero, conversou com o comando e se retirou, sendo essa uma fracassada tentativa de impedir os camponeses de retornarem às terras.

Porém, nada impediu o retorno das famílias e, como resultado da luta persistente e organizada, sendo que as 18 horas já era possível confirmar a presença de todas as famílias que estavam na barreira policial e seus pertencentes estavam dentro do Barracão de Reuniões da Área Tiago Campin dos Santos. Durante todo o dia houve atendimento da médica, que integrava a Missão, de adultos e crianças que apresentavam quadro clínico decorrente do consumo da água insalubre. Esse atendimento foi importante, pois, não havia no local qualquer atendimento para as pessoas e o que se via era o aparato repressivo do Estado.

Ao chegarem dentro da Área, as famílias camponesas altivas e cheias de ânimo diante da vitória se somaram às outras que não haviam sido expulsas e iniciaram o preparo da refeição. Os que tiveram suas casas destruídas se abrigaram no barracão, assim como as pessoas que integravam a Missão de Solidariedade. Os alimentos arrecadados com as campanhas de solidariedade, bem como medicamentos, foram entregues às famílias.

Na manhã de 28/10/2021 foi realizada a Assembleia Popular com a saudação dos integrantes da Missão e manifestações diversas de camponeses que relatavam violências e resistências. As famílias cantaram o Hino da LCP Conquistar a terra, saudaram a grandiosa resistência empreendida e definiram que se preparariam para as futuras lutas que viriam, reafirmando a necessidade de conquistar aquelas terras.

Vídeo do Ato de lançamento do Relatório (fonte: AND)


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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.