Por Ricardo Cravo Albin

“Não é a força do gotejar da água que fura a pedra, mas sim a persistência incansável desta ação” – Calvin Coolidge.

A cada semana reflito sobre os quase quatro meses de confinamento e sempre chego à mesma conclusão: basta de escrever sobre a Peste e suas consequências devastadoras. Mas qual o quê, quando surgem fatos novos a registrar, a provocar aflições suplementares, a indicar indignações que não podem ser sufocadas.

O título aí acima já é definidor de mais uma, que resume a adição de um novo fator perigosíssimo para a população brasileira, porque estamos às vésperas de uma eleição ao final do ano, ainda dentro dos raios e trovões a que nos confina a Grande Peste.

Agrego o adjetivo indesejado ao temor que afasta nossos prefeitos e governadores da rígida disciplina apregoada pela ciência para o desconfinamento progressivo.

A contradição a que me refiro também se remete à população que entende que confinamentos individuais já foram longe demais e os prazeres têm que retornar o mais cedo possível.

Fique claro que seria ótima essa liberação geral, abolindo-se o distanciamento social – onde já viu afastarem os netinhos dos abraços e beijos dos avós e mesmo dos pais? E o uso das terríveis máscaras a esconderem sorrisos e belezas? – e os pagodes e libações nos bares espalhados aos milhares por uma cidade boemia como o Rio?

Seria de fato ótimo, não escondesse o perigo de mais e mais infectados e óbitos (dos mesmos avós e pais carentes dos seus rebentos), mais e mais desesperos pela falta de leitos, hospitais, enfermeiros e até medicamentos em quase todas as nossas cidades.

Esta é a 14º crônica nesses últimos meses, sem poder registrar quaisquer vantagens para o Brasil da pandemia.

Aliás, prospera a síndrome de avestruz, a enterrar a cabeça para não ver o óbvio, tais como o vácuo do Ministério da Saúde com Ministro Interino e militar, além da desmobilização do quadro técnico, substituído sem mais nem menos por patentes das Forças Armadas (com má repercussão internacional, inclusive deixando nosso exército em duvidosa popularidade). Também o país perde tempo precioso na tentativa de forjar mais uma crise pela declaração do Ministro Gilmar Mendes ao acusar Bolsonaro de genocídio (e não o exército, atenção!) por voltar as costas à pandemia desde o começo da crise. Há certamente uma perigosa falta de credibilidade de muitos dirigentes (não todos) – a ponto de muita gente acreditar que o Presidente sequer contraiu infecção.

E por que, meu Deus, a triste sina que nos infelicita? Como já analisei por incontáveis vezes neste mesmo espaço, porque até parece que vivemos no reino encantado da carochinha, onde a essência da persistência em medidas racionais de mínima gestão se esconde atrás de pesadas nuvens, a anunciar sempre raios e trovoadas.

Enquanto isso, uma aflita OMS (Organização Mundial de Saúde da ONU) insiste diariamente nas medidas pessoais e coletivas de segurança.

O exemplo de gestão errática não chega só dos prefeitos, mas o pior, do Ministério da Saúde, que deveria estar com bandeiras vermelhas dia e noite, convocando todas as cidades a sucessivas reuniões para que se mitigasse nossa angústia ao se abrirem cidades sem rigidíssimas normas de protocolos aprovados pelos países que já saíram da crise.

Alias, a situação se agravou nesta primeira semana de julho em Minas e Goiás, cujos índices de óbitos voltaram a patamares inaceitáveis.

É trágico que o Brasil lidere ao lado dos Estados Unidos de Trump os dois piores índices mundiais de óbitos e infectados em todo o mundo (sendo o destaque da semana para a Flórida, que, depois da abertura do comércio em junho, lidera o E.U.A com um número devastador de vítimas). O que poderá derrotar Trump nas eleições do final do ano. No Brasil, os índices subiram assustadoramente em nove estados, como Rio Grande do Sul, Minas, Goiás e Brasília. Mas diminuiu no estado do Rio de janeiro, menos mal.

Para não fazer desta crônica uma aborrecida folha de estatísticas, a OMS acaba de declarar mais uma vez que a persistência no seguir os protocolos será a derradeira possibilidade de derrotar a Grande Peste. E ai dos países que duvidarem e embarcarem na canoa furada da politicagem de prefeitos incultos à caça desapiedada de votos. Que não pingarão nas urnas, do mesmo modo como Trump (e Bolsonaro) não mais se reelegerão. Por ter negado a pandemia por meses a fio.

Como fui cobrado há dias por defender os lockdowns, cabe-me afiançar aqui que a única coisa que sempre estive disposto a defender é a vida humana, uma que seja, quanto mais o número horrorizante de 70 mil vítimas.

Sempre absorvi verdades que brotam da alma sábia do povo ao afirmar que “sucesso nada tem a ver com sorte. Mas com persistência. A persistência abre as portas. A desistência fecha todas elas”.


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin,  Colunista e Membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.