Por Geraldo Pereira

Passeio no tempo, sinto hoje, que a declaração de amor à Cidade Maravilhosa, já não é a mesma que fiz há sete décadas. Acredito, que nessas sete décadas, nunca me fiz ausente, das terras cariocas, por mais de trinta dias.

Cadê o sorriso do seu povo, sua comunicação gostosa, a permanente gíria, dizendo tanto, com poucas palavras, seu futebol alegre, seus clubes, suas torcidas? Cadê a crônica esportiva, onde pontificavam Nelson Rodrigues e o seu fluminense? E Jose Lins do Rego, flamenguista doente?

Não sou um saudosista, na acepção da palavra. Mas, como tudo mudou?

Na Cidade Maravilhosa, hoje não me sinto tão bem… um leve cheiro de depressão. A tristeza se apossa de mim. Os seus bairros, suas ruas, me lembram amigos que já se foram para sempre. Muitos, com quem lidei constantemente. A vida é assim, quando se vive muito, se perde muitos amigos e como é triste perdê-los. Cada um que se vai, leva um pouco de mim.

Vou ao Jardim Botânico, pedaço carioca, de visita indispensável, para todos aqueles que visitarem a Cidade Maravilhosa. No bairro do mesmo nome, mais adiante, ali na Rua Acácia, num edifício de classe média, residia Luís Carlos Prestes. O Apartamento lhe foi presenteado, de papel passado, pelo seu amigo, o genial Oscar Niemeyer, caminho um pouco, chego ao bairro de Botafogo, ali residiu, por muitas décadas, mestre Barbosa Lima Sobrinho, quantas e quantas vezes almocei na sua casa, a seu convite, em companhia também da sua saudosa esposa dona Maria José.

Na esquina do Jóquei Clube, com a rua Pacheco Leão, a homenagem merecida, ao saudoso jornalista e escritor Otto Lara Rezende, com o conjunto escultórico: de pé com o livro aberto, papéis, com os títulos dos livros, jogados no chão e a frase, primor do seu pensamento: “No Brasil tudo pode acontecer, inclusive nada!”.

No Largo do Machado, meu velho amigo, saudoso criminalista, Modesto da Silveira, num restaurante de classe média, que oferece um rodízio de sopa, com dez sabores diferentes. Estávamos sempre lá saboreando-as e jogando conversa fora. Modesto já nos deu adeus para sempre.

Ali próximo ao Palácio do Catete, no Hotel dos Ingleses, muitas vezes encontrei o saudoso amigo, o escritor Paulo Dantas, nesse mesmo bairro, Dalcidio Jurandir, o grande escritor da Amazônia, residiu durante décadas. Na Avenida Atlântica, no posto cinco, a saudade é mais forte. Olho a cobertura, onde por muitos e muitos anos, o genial Oscar Niemeyer se inspirava, para fazer os seus projetos. Cobertura amiga, papos gostosos, a partir das 17 horas, falava-se de tudo, deles participei muitas vezes, gente famosa como Darcy Ribeiro, Vinicius de Moraes, João Saldanha, inclusive de MPB e futebol. Oscar tocava cavaquinho e era torcedor do Botafogo. Homem simples, sempre encontrei Oscar tranquilo, só uma única vez, o vi chateadíssimo, revoltadíssimo. No Leme, nas areias da praia, esculturas suas expostas, banhistas se aglomeravam, pessoas nas calçadas, turistas, todos admirando as esculturas de Oscar, todas tendo como motivo, as lutas do seu povo. Bati fotos das mesmas, guardei nos meus arquivos, essa exposição o prefeito Cesar Maia, mandou retirá-la, num ato de desrespeito total pela cultura, com o qual magoou profundamente o seu autor. Acalmei-o, dizendo-lhe: “Cesar Maia, não era mais pedetista, nem sei se o foi.” Estou presenteando os internautas da Tribuna da Imprensa Livre, do jornalista Daniel Mazola, com algumas fotos das esculturas expostas.

Esculturas de Oscar Niemeyer exposta na praia do Leme, no Rio de Janeiro, em 2000 (Arquivo pessoal/Geraldo Pereira)

Um pouco adiante, o jurista Arnaldo Lopes Sussekind e sua bela biblioteca de frente para o mar. Ele que foi um dos autores da C.L.T. considerado a maior autoridade em Direto do Trabalho do País. Era um papo gostoso, senti muito o seu desaparecimento.

No Centro, o belo edifício da ABI, construído na ditadura de Getúlio e por ele presenteado à Categoria. No décimo primeiro andar, não mais vejo Aparício Torelli, o famoso Barão de Itararé. Cadê Solano Trindade? O grande poeta negro. Cadê Paulo Mota Lima? Seu irmão Pedro há muito que se foi. Cadê José Calheiros Bonfim? Cadê Fernando Segismundo? Cadê Jorge do onze?

Próximo à ABI, na Esplanada dos Castelos, o imortal Heráclito Fontoura Sobral Pinto, tinha a sua banca de advocacia, durante a ditadura militar, mais parecia uma policlínica, de familiares, solicitando remédio, para seus entes queridos que estavam presos. Esse remédio tinha um nome: Liberdade! Sobral Pinto, foi o segundo maior advogado, que o Direito brasileiro produziu em toda a sua existência, o primeiro foi Ruy. Nos períodos ditatoriais, de 37 e 64, foi preso e humilhado. Sobral Pinto era Católico Apostólico Romano, conservador, reacionário e anticomunista, mas, defendia os comunistas, sem cobrar-lhes um centavo. Certo dia perguntei a este sábio advogado, quase santo, por que ele, sendo católico, defendia os comunistas? Respondeu-me, com aquela voz meiga: “Ser devoto de Santo Agostinho, odiar o pecado, mas amar o pecador.”

Há alguns metros do escritório do Sobral, residia Manuel Bandeira, quantas e quantas vezes, estive com essa admirável figura, poeta maior, chamou-o Carlos Drummond de Andrade. Da última vez que com ele estive, sabendo que eu estava indo para o Recife, nossa Terra, perguntou-me: “Você conhece Miguel Arraes?” Eu disse que sim. “Fale com ele.” Arraes era o prefeito do Recife, a Câmara Municipal do Recife, tinha aprovado fixação do busto do autor de ‘Passárgada’, na Praça Diário de Pernambuco, o prefeito tinha vetado. Não falei com Arraes, mas pedi ao líder comunista David Capistrano, responsável pela sua eleição à prefeitura, que falasse com ele. No outro dia, conforme o combinado, David disse-me, sorrindo: “Falei com Arraes, ele respondeu; “O poeta Manoel Bandeira, há mais de trinta anos não vinha ao Recife.”

Caminho pela rua México, vejo a sobreloja, onde o saudoso Antônio Simões dos Reis tinha a sua editora – Organização Simões, lá fui apresentado ao poeta Drummond, isso na década de 50. Simões tinha editado o seu livro ‘Passeio na Ilha’, um sucesso!

Na Avenida Rio Branco, vejo o edifício, onde o mestre Evandro Lins e Silva tinha a sua banca. Dele ouvi muitas e muitas histórias, sobre Sobral Pinto, uma das suas admirações. Mais adiante, nessa mesma avenida, esquina com São José, no segundo andar João Mangabeira, todas as tardes, após a seção da Câmara dos Deputados, se fazia presente ensinando a fazer política séria, em defesa do Brasil, como presidente do PSB (Partido Socialista Brasileiro), esse partido, tinha uma pequena bancada de três deputados, respeitadíssima por toda a Câmara, era composta, além do João Mangabeira, Domingos Velasco e Hermes Lima. Certa tarde, vi o presidente do PSB indignado com o tom de voz, que era de profunda revolta, contra a tentativa do famigerado governo Dutra, para caçar o registro do Partido Comunista e os mandatos dos seus parlamentares, o que acabou acontecendo.

Tomo o bondinho de Santa Tereza, um dos melhores passeios poéticos da Cidade Maravilhosa. Lá residia o escritor Otávio Brandão. Conheci esse grande brasileiro, intelectual sofrido, assim como Lima Barreto e Euclides da Cunha, na editora do ‘velho Simões’, que editou os seus livros ‘Os Intelectuais Progressistas’ o ‘Niilista’ Machado de Assis.

Nos próximos dias estarei no Rio, vou levar o meu abraço para uma amiga do peito, uma mulher admirável, que há pouco comemorou o seu centenário. Paraibana de nascimento, saúdo Maria Augusta Capistrano, elevando as minhas preces ao Todo Poderoso, pedindo pela sua saúde, afim de que tenhamos a alegria de vê-la por muitos e muitos anos.


GERALDO PEREIRA é jornalista especializado em história política e sindical do Brasil, atuando por mais de 60 anos nos principais veículos de comunicação do país, ex-presidente do Conselho Fiscal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e colaborador da Tribuna da Imprensa Livre.