Por Sebastião Nery

Em 1958, o Brasil jogava com a Suécia na Copa. Os radialistas Rubens Amaral e Luís Brunini e o deputado Augusto de Gregório sofriam o começo do jogo em um apartamento na rua Redentor, em Ipanema, no Rio. Brasil perdendo de 1 a 0, nada de fazer gol.

Toca a campainha. Era o ex-presidente Dutra, que morava ao lado. Dutra entra na sala. O locutor grita: – “Goooool! O Brasil empatou.

Dutra comemora, conversa um pouco, sai. Nada de o Brasil desempatar. Toca novamente a campainha. Era Dutra de volta. O locutor grita: – “Goooool”! O Brasil desempatou.

Só deixaram o velho sair depois do jogo. O Brasil derrotou a Suécia por 5 a 2 e ganhou a Copa de 58. Tite devia invocar socorro a Dutra.

JANGO

João Goulart assumiu o Ministério do Trabalho, no segundo governo de Getúlio Vargas (1953).Os militares da UDN começaram a conspiração que acabou no Manifesto dos Coronéis, redigido pelos coronéis do Exercito Bizarria Mamede e Golbery do Couto e Silva, e assinado em primeiro lugar pelo coronel Amauri Kruel (por força da ordem alfabética), exigindo a derrubada de Jango, que Getúlio afinal aceitou.

Murilo Melo Filho, colunista político da revista “Manchete”, telefonou a Anísio Rocha, amigo do marechal Dutra, e foram os dois à rua Redentor, em Ipanema, para o calado ex-presidente dizer alguma coisa:

– Presidente, o que o senhor achou do Manifesto dos Coronéis?

– Não sei de nada, meu filho. Li nos jornais, mas não achei nada. Não vou falar, não. Não ajuda. Aliás, nem li os jornais direito, porque esta noite entrou aqui em casa um ladrão e me atrapalhou a manhã.

MURILO

– Então o senhor nos conta como foi a história do ladrão.

– Mas, meu filho, uma revista tão importante ficar preocupada com história de ladrão? Não foi nada demais. Ele entrou, pegou algumas coisas e foi embora. Só isso. Não teve importância.

– Então, presidente, voltemos ao manifesto. O senhor acha que os coronéis vão derrubar o Jango do Ministério do Trabalho?

Dutra ficou calado, pensou um pouco, sorriu:

– Olha, Murilo, é melhor falar do ladrão.

E falou.

VITORINO

De manhã bem cedo, em 1969, a brutal Junta Militar no poder, eu deputado cassado mas trabalhando em jornal e TV, toca o telefone de minha casa, aqui no Rio. Era o colega e amigo jornalista Tarcisio Holanda:

– Nery, saia agora, não fale com ninguém e vá urgente para o Palácio do Monroe, na Cinelândia. O senador Victorino Freire espera você lá.

Encontrei Victorino já entrando no carro para sair:

– Sebastião, me espere no gabinete do senador Dinarte Mariz. Tranque-se lá dentro e não abra para ninguém, nem para ele.Volto já.

Obedeci, o coração aos pulos. Duas horas depois, chega Victorino:

– Pode ir. Não vai mais ser preso. Mas nunca mais conte histórias contra o general Dutra. Depois de Caxias, o sinônimo do Exército brasileiro é ele. A floresta tem tanto bicho, para que mexer logo com o leão?

“AXIM”

Em minha coluna na “Tribuna da Imprensa”, naquele dia, eu contava algumas historias engraçadas do marechal Dutra, que puxava muito no “X” (“isto era “”ixto”, “assim” era “axim”) e sobre o governo dele.

Dois oficiais saíram cedo do comando do Exercito atrás de mim em minha casa e no jornal. Vitorino soube, avisou a Tarcísio e foi a Ipanema, à casa de Dutra, que telefonou para o comando do Primeiro Exército:

– O “Laxerda” e o David “Naxer” me criticaram todos os dias de meu governo e eu nunca os mandei prender. O Victorino está me dizendo que vocês vão prender o Sebastião Nery pelo que escreveu hoje. Não “faxam” “ixo” não. Eu até gosto do que ele escreve.