Por João Batista Damasceno

O documentário ‘Cadê o Amarildo?’ estreou ontem na Globoplay, 10º aniversário da prisão, tortura seguida de morte na UPP da Rocinha e sumiço com o corpo do pedreiro Amarildo, quando o Secretário de Segurança era o Delegado da Policia Federal José Mariano Beltrame, no Governo Sérgio Cabral. O ex-governador reapareceu. Mas fica a pergunta: Onde está Mariano?

O Caso Amarildo coincidiu com a indignação da sociedade brasileira com os recursos empregados na realização dos Grandes Eventos, notadamente, Olimpíadas e Copa do Mundo. Como sempre ocorre com os gastos militares a sociedade não fora informada que iguais valores eram gastos com as Olimpíadas das Forças Armadas, enquanto faltavam para hospitais, escolas, política de habitação, transporte, saneamento básico e outros indispensáveis à vida com qualidade.

Além das obras para os Grandes Eventos, vultosos recursos foram gastos na área de segurança para garantir os negócios dos cartolas. Com a política de segurança gastava-se mais que com educação e saúde, conjuntamente. A segurança dos negócios e os negócios da segurança são áreas pouco ou quase nada objeto de curiosidades e denúncias. Talvez decorra do fato de se tratar de área sensível, onde as controvérsias não se resolvem à luz do dia. Os personagens que saíram das sombras, dos porões e dos esgotos e assombram a democracia nos dão conta de quem são os que fazem negócios a pretexto de garantir segurança pública.

Quem não conhece os reais objetivos das políticas de segurança pode até se embevecer com os discursos, notadamente porque legitimadas pela mídia transformada em mera porta-voz das autoridades. Matérias sobre a área de segurança se limitam a reproduzir cegamente discursos de autoridades. Assim foi implantada a Política de Extermínio no Rio de Janeiro a partir de 2007.

Desde os Jogos Panamericanos de 2007 fora instituída no Rio de Janeiro a Política de Extermínio de pretos e pobres para que os eventos pudessem acontecer com segurança para os investidores. Naquele ano foram realizadas duas chacinas à luz do dia: as Chacinas do Alemão e da Coréia. Antes, as chacinas eram realizadas após o anoitecer ou nas madrugadas. Para exemplificar, lembremos das chacinas da Candelária e de Vigário Geral.

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As Chacinas do Alemão e da Coréia foram um ponto de inflexão na política de segurança no Estado do Rio de Janeiro, caixa de ressonância para o Brasil. Havia um encantamento com o projeto de eliminação física de pessoas em conflito com a lei e setores diversos da sociedade acreditavam que a criminalidade se elimina eliminando quem eventualmente deveria, num Estado de Direito, ser processado e julgado. Um dos maiores líderes políticos da esquerda, em julho de 2007, comentando aqueles crimes do Estado, disse que “não se combate crime com rosas”. Juristas de uma comissão de defesa dos direitos humanos, que acompanhavam as investigações das execuções, foram destituídos pela direção da instituição que compunham.

Mas quem cria cachorro bravo deve ter cuidado porque ele pode sair de controle e morder até o próprio dono. Naquele período mais de vinte secretários de segurança dentre as vinte e sete unidades da federação eram delegados federais, com largo trânsito no Ministério da Justiça. O que se fez foi o embrião da Lava Jato e ascensão da direita odiosa. Em 14 de julho de 2013, menos de um mês da manifestação que reuniu mais de um milhão de pessoas no Centro do Rio de Janeiro, um morador da Rocinha foi conduzido coercitivamente para a UPP, sem mandado judicial que o autorizasse e sem que se tratasse de prisão em flagrante, e de lá não saiu vivo. Torturado para delatar o que não sabia em determinado momento clamava: “Me matem, mas isto não! Não façam isto comigo. Podem me matar. Mas isto não!”. A descrição é de um dos policias que estava no alojamento ao lado do local onde Amarildo era torturado. Não se sabe o que fizeram com ele a ponto dele pedir para ser morto ao invés de submetido a tal crueldade.

O Estado agiu rápido. Logo convenceu a mídia de que Amarildo fora morto por traficantes em razão do que contara aos policiais. Uma farsa foi montada. Um delegado substituto chegou a indiciar mais de 60 pessoas, inclusive a mulher e filhos do pedreiro, como membros de organização criminosa. Presa a família do pedreiro ninguém mais perguntaria por seu paradeiro. Nem todos os indiciados foram denunciados à justiça. Mas coube à juíza do caso remeter o processo ao Procurador Geral de Justiça para que ampliasse o rol de acusados. Mídia e instituições do sistema de justiça estavam irmanados com o projeto de segurança. Coube a um delegado indignar-se com a injustiça e elaborar relatório paralelo, trazendo à luz o que se urdia.

A partir do relatório policial que desmontava a farsa oficial e das manifestações que indagavam o paradeiro do pedreiro, o mundo passou a se perguntar “Onde Está Amarildo?” ou “Cadê o Amarildo?”. O documentário sobre o pedreiro assassinado pela Política de Segurança executada pelo Secretário José Mariano Beltrame estreia com material inédito sobre o caso que ganhou repercussão internacional, mas não aborda o papel da mídia que legitimou a ocorrência até que a voz das ruas impôs o aparecimento da verdade.

Nem nos informa onde está Mariano.

JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI.

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