Por Ricardo Cravo Albin –
“Quando os diferentes se encontram, há uma explosão quântica”. (J. Paul Sartre)
Quando o General Pazuello entregou o cargo ao médico Queiroga muitos de nós respiramos aliviados porque finalmente um especialista assumiria o Ministério da Saúde, eivado por contradições e paradoxos cabeludos e já com o pé no rosário de suspeitas levantadas pelos depoimentos da CPI, inclusive cavilosos caminhos de negociatas envolvendo lobistas de qualificações semi ultrajantes. Todos mentindo fartamente quando não postos em silêncio claramente comprometedor e doloso.
De qualquer modo, como me soprou ao ouvido ontem em jantar um famoso médico, o atual Ministro ia dando para os gastos. Ia. Até que Queiroga não resistiu a uma ordem do Capitão para interromper a vacinação em adolescentes. O comando de Bolsonaro foi chamado pelo titular da Saúde de sugestão, mas a frase vergonhosa do General “manda quem pode, obedece quem tem juízo” estava pespegada na testa do Ministro. O que começou a derreter o até então razoável Ministro. De fato, abrigar em seu colo o ônus de suspender a vacinação de jovens abaixo de 18 anos é de fato um absurdo.
O pior foi a falácia do argumento tosco, o de que a vacina da Pfizer seria inadequada para idades entre 12 a 17 anos, fato negado com veemência pela OMS e pela própria Anvisa. Que concluíram ser baixíssimo o risco de complicações graves nessa faixa etária. Mesmo a incidência de inflamação no coração (pretexto alegado para a suspenção vacinal) é 30 vezes maior entre os infectados pela Covid-19. Portanto, a obrigação de pessoas conscientes será sempre defender a tese aceita por 95% da comunidade científica, a de que os benefícios da vacinação superam de longe os eventuais riscos. Além de reiterar sempre que o benefício maior não é o individual senão o coletivo. O que houve neste país de tantos desencontros espalhados por nosso Presidente? Ao não imunizar 8 milhões de adolescentes (dos quais só 3,5 milhões receberam a primeira dose) o país mantém um contingente de suscetíveis, a favorecer perigosamente a circulação de cepas mais contagiosas, como Delta e agora a Um. Pelos especialistas, o percentual de imunização para detê-las precisaria superar 85% da população.
Será obviamente impossível atingir isso sem que adolescentes já estejam imunes.
A decisão da “sugestão” ao Ministro foi mais um erro grosseiro, do qual ele será responsabilizado pela CPI. Corri a ler (como é de meu hábito por décadas) a seção Cartas aos Leitores do Globo e fiquei horrorizado com a veemência das cartas, a mais amena das quais (de Eduardo Bertossi) perora – “esteja certo, Queiroga, que fazer o que o presidente “sugere” destruirá sua biografia”.
Já a microbiologista Natalia Pasternak, ao lado de Margareth Dalcolmo uma das vozes mais eloquentes ao analisar os males e pecados que o negacionismo da ciência pode provocar, assegura que – “é importante ser otimista, mas com responsabilidade. Nosso maior fantasma é justamente a ilusão da volta da normalidade, a de que a pandemia acabou. É fundamental manter a população confiante na vacina. Espalhar a desconfiança é ação criminosa, que ceifará muitas vidas. Plantar o sentimento de anti-vacina no país é detestável e irracional”.
A par desse negacionismo obtuso, que vem fornecendo vítimas ao redor do mundo, existem dados concretos de péssima gestão na Saúde, como o Programa Nacional de Imunização continuar acéfalo, e como se falar em escassez de vacinas para justificar a carência. Como abordar ainda isso? De fato, o Ministério de Queiroga previa a entrega de 291 milhões de doses até o fim do ano, considerando os 341 milhões já recebidos. É inacreditável a semelhança na agenda errática entre os dois últimos titulares da pasta: até hoje, ao que parece, não há critérios nacionais para a aplicação, que fica por conta de estados e municípios. Receita, convenhamos, imbatível para a confusão em que mergulham os infelizes cidadãos brasileiros.
Margareth Dalcolmo, minha entrevistada na estreia do programa Carioquice (rádio Roquette Pinto, sábados às 9 da manhã) emitiu claríssimo apelo – “já que suspenderam os adolescentes, reforcem a vacinação para a terceira dose nos mais velhos”.
Por isso as vítimas da vez passam a ser o nosso futuro, os adolescentes.
Meu Deus, aonde vamos parar?
Obs: Já nas Livrarias e em fase de lançamento nas lojas da Travessa o livro da Editora Batel “Pandemia e Pandemônio” – Relatos deste cronista, com recomendações da escritora Nélida Piñon, e dos médicos-cientistas Margareth Dalcolmo e Jerson Lima.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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