Por Lincoln Penna

Dando continuidade às análises preliminares sobre o próximo processo eleitoral, destacaremos nessa segunda postagem o que representa essa presidência, cujo titular é Jair Bolsonaro.

Para isso, seria oportuno que lançássemos mão do termo caos. É verdade que essa palavra possui diversas aplicações, mas uma delas diz respeito à obscuridade. E sua prática, o obscurantismo instalado no poder político momentaneamente.

É o que melhor define o caráter dos atuais governantes, pois seu emprego revela de forma eloqüente o que vem acontecendo no mandato presidido pelo capitão da reserva que se elegeu para acabar com a velha política.

O presidente não quer o caos, tal como o senso comum o considera. Mas independente de seu querer, ele é o construtor do caos e conduz seu governo nessa direção. É nesse sentido que discordo dos que definem os que exercem a presidência da República de desgoverno. Não é um governo perdido ou mesmo despreparado como se assinala. Trata-se de um projeto conscientemente concebido para destruir a democracia, aqui tomada como valor civilizatório, sem entrar no mérito dos diferentes regimes políticos, que a proclamam. O caos enquanto obscurantismo não é um acaso, é uma construção que visa impedir o desenvolvimento autônomo e soberano do Brasil.

Não precisa mencionar somente o descaso para com a pandemia, que resultou em uma CPI a demonstrar a que ponto levou tanto o negacionismo diante da crise sanitária, quanto os meios e labirintos percorridos pela corrupção e seus agentes palacianos ou próximos a ele. Há de se registrar os ataques às liberdades de opinião demonstrada nas agressões a matérias jornalísticas, críticas às decisões do governo. Ou o ensaio geral do dia 7 de setembro de 2021 para induzir as forças militares a aderirem ao golpe palaciano convocado com os seus celerados seguidores.

Essa política de confronto contra as instituições da República tem como objetivo desconsiderar a Constituição de 1988, que pôs freio a investidas antidemocráticas, pois o espírito dos constituintes à época foi afastar definitivamente novas e eventuais ameaças à democracia.

Daí, ter como alvo o STF, bastião da defesa das normas e princípios constitucionais, seguidamente contestados pelos que cerram fileiras em torno do presidente.

Contudo, ao fomentar a obscurantismo seja em questões comportamentais como em outras que dizem respeito ao equilíbrio dos poderes, buscando com isso fortalecer o poder executivo, Bolsonaro mal sabe que está estimulando também o contrário. E este se manifesta em amplas frentes governadas pelo bom senso, pela lucidez e pelas conquistas da humanidade, que não podem ser ignoradas e tampouco atingidas pela prepotência de quem aposta no caos como solução contra tais princípios caros aos que amam e procuram preservar os avanços da história em construção.

Mas essas atitudes de confronto praticadas pelo presidente não podem resumir o governo de modo a considerá-lo um mero autocrata de plantão.

Ele ao assim proceder procura desqualificar a política e os políticos, sempre a serviço dos rentistas, ou investidores de capital, que almejam o caos controlado, sem turvar os seus negócios. Desejam, sim, a instalação de uma sociedade resignada de modo a favorecer a voracidade dos ganhos fáceis do mercado.

Mas é um cálculo de risco, que pode gerar conflitos de maior monta, porque tal política tende a incrementar as insurgências e minar definitivamente os velhos aproveitadores do povo.

As eleições que se avizinham aguardam esse embate a ser travado entre os que querem construir e os que só desejam a destruição, logo o caos. Hitler no desespero da derrota que se aproximava viu no caos de uma nação, com tantas conquistas no campo científico, a salvação de seu desatino transformado em regime político e sustentado pelos aproveitadores da época. Perdeu.

Por sinal, em confrontos aonde prevalecem os caminhos movidos pela inteligência, pela lucidez e em busca de soluções que afastem os perigos do caos, o veredicto costuma ser favorável aos que defendem a fraternidade. Ou o amor coletivo, único capaz de prosperar na vida de uma nação. Assim pensavam os humanistas e tal crença foi compartilhada pelos positivistas.

No Brasil logo após a Proclamação da República, o lema positivista Amor, Ordem e Progresso, ternário sagrado a inspirar os que se associaram a essa filosofia do francês Auguste Comte, passou a figurar na bandeira símbolo do Brasil republicano. Só que retiraram o primeiro nome desse ternário, o amor. Subtraído provavelmente pelo pundonor e rabugice de nossos republicanos, sua subtração não impediu que ela fosse mantida para aqueles que aspiravam fazer do novo regime um convite ao afeto dirigido ao próximo. Um convite a integrar-se ao novo reino, o da cidadania.

E esse sentimento está presente nas comunidades desassistidas a remoer os infortúnios e suas perdas constantes, sem jamais perderem as esperanças de manter firmado o amor fraternal pelos seus próximos, numa verdadeira comunidade de destino, como deve ser a humanidade inteira e se livrar do caos construído para os que querem deter e permanecer no poder.

Assim, mais do que escolher candidatos que se oponham ao que aí está, é preciso que todos os que prezam o bom combate e os valores da única comunhão, a que propicia o bem-estar que acalentamos. E isso só é capaz se construirmos com todo o povo que merece este nome uma sociedade justa e igualitária em todos os sentidos que a palavra contém.

Nas próximas eleições a única polaridade a ser reconhecida é a que reúne de um lado os que labutam pelo efetivo e verdadeiro poder popular, e os construtores do caos, que precisam ser fragorosamente derrotados. Sobre quem se encontra de um lado e de outro nessa encruzilhada da vida nacional brasileira aguardem o prosseguimento dessa análise pré-eleitoral.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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