Por Lincoln Penna

Despreze a ciência e a razão, a maior força em que descansa o homem e o terá por inteiro a sua mercê. (Lukács, György em Assalto à Razão)

Há 90 anos, exatamente no dia 2 de julho de 1931, era criado o Departamento Oficial de Propaganda (DOP), com o intuito de difundir a propaganda do governo de Getúlio Vargas em seu período ainda provisório, resultante do movimento de outubro de 1930, que instituiu o que se denominaria de República Nova.

Os meios de comunicação à época eram restritos praticamente à imprensa escrita dos jornais e revistas periódicas e passariam a contar de maneira ainda precária com a radiodifusão, surgida desde os fins da década de 1920. Pela primeira vez no Brasil um governo se dispunha a manter uma informação sistemática sobre as atividades e iniciativas de modo a informar e atrair o apoio do público, em grande parte alheio às coisas da política oficial.

Esse canal de informação a ligar o pensamento do grupo político que assumia o poder político daria ao presidente em exercício o que ele mais desejava, isto é, o endosso de sua legitimidade a suplantar qualquer questionamento de cunho legal. Afinal, com a derrubada da “República Velha” os preceitos constitucionais derivados da primeira Constituição republicana se encontravam igualmente superados pelos impulsos e desejos legítimos da modernidade.

Três anos depois, em 1934, o DOP se integraria ao novo órgão, o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), mantendo as mesmas diretrizes que tinham dado razão à criação do seu antecessor. Era necessário para os ideólogos do novo regime que se estabelecia uma maior ampliação de suas tarefas, agora com vistas também ao controle das informações que eventualmente escapassem do controle do governo. Passo decisivo para que surgisse em 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que viria a dar ao novo estágio assumido pelo regime modernizador da chamada Revolução Liberal de 1930 a sua verdadeira cara, uma vez que já se encontrava desde 1937 em plena vigência o Estado Novo.

Com o DIP o governo passara a possuir a faculdade de integrar à informação dirigida um controle muito maior em diferentes campos das manifestações públicas, de modo a exercer a censura oficial e a tolher ou limitar toda e qualquer expressão política ou cultural. Era a ditadura plena, uma vez que as instituições clássicas da democracia liberal foram interditadas, tais como os poderes legislativos e suas representações político-partidárias.

Igual tolhimento não poupou o poder judiciário, que da mesma forma sofreria intervenção.

Os intérpretes simpáticos ao Estado Novo sustentam que a despeito de seu caráter ditatorial e repressor este regime teria sido responsável pela verdadeira revolução burguesa no Brasil. Talvez o seu desabrochar pudesse propiciar essa assertiva, não fosse uma cultura política marcada pela conciliação com as tradicionais forças sociais e políticas da velha ordem. Esta também mais conhecida como os barões do latifúndio representados pela Casa Grande.

Nessa época, com os recursos governamentais destinados a esses organismos com vistas à adesão aos novos governantes, não se chegou a tirar da indiferença a maior parcela do povo brasileiro. E essa indiferença tem raízes justamente na permanência simbolizada pelo que estamos a denominar de cultura política, ou seja, um conjunto de práticas sociais que se reproduzem ao sabor das conveniências dos operadores do poder. Ela se ajusta a toda sorte de governo que se vincule ao poder de fato, desde os tradicionais coronéis do Brasil profundo dos grotões até os novíssimos coronéis do capital financeiro e os testas de ferro que cumprem suas ordens.

O grande desafio das forças de esquerda bem como de todas as correntes que objetivamente têm interesses em construir um país decente e justo consiste em buscar retirar da indiferença os grandes contingentes sociais que se encontram sem dignidade, e indiferentes à própria sorte. A indiferença é a própria representação da derrota de um povo, quando ela assume a dimensão social tão abrangente como a que estamos a constatar nos dias atuais, trazendo consigo o mesmo comportamento de tempos passados. Ela é fruto da pobreza crônica e da miséria absoluta.

Contudo, essa indiferença não acontece porque o povo brasileiro é passivo, resignado ou incapaz de se insurgir diante da opressão. Esta atitude é de alguma maneira o resultado de conteúdos ideológicos. O concurso de seitas religiosas e até igrejas a difundirem discursos com objetivo apaziguador de modo a levar à indiferença acaba sendo assimilado. Marx disse algo que é muito atual ao afirmar que:

“(A) miséria religiosa é a expressão da miséria real e ao mesmo tempo o protesto contra a miséria real. A religião é o gemido da criatura oprimida, a alma de um mundo sem coração, assim como o espírito de uma situação sem espírito. Ela é o ópio do povo”.

O grande antropólogo e professor Darcy Ribeiro acreditava que a tribo dos indignados um dia se levantará de modo a arrastar consigo os resignados à revelia dos donos do poder. Oxalá isso venha a acontecer, mas para tal é preciso fazer acontecer.

Não basta acreditar.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.