O maravilhoso painel de Djanira resplandece no Museu de Belas Artes do Rio – por Ricardo Cravo Albin
Por Ricardo Cravo Albin –
Pouca gente guardou na memória que o Túnel Catumbi Laranjeiras, o primeiro a ligar as zonas norte e sul, registrou durante sua construção uma terrível tragédia, um bloco de granito da rocha se desprendeu e acertou dezenove operários que tiveram morte instantânea. Ali abriu-se um grande vão, de pé direito muito alto, quase à semelhança de uma catedral assombrada, em cuja superfície lisa e vertical seria instalada uma das mais famosas obras de arte que a cidade do Rio receberia, um painel gigantesco encomendado à pintora Djanira em louvor à padroeira dos túneis, Santa Bárbara. O esboço inicial foi feito exatamente em 1963, há exatos 60 anos.
Por que me vem à cabeça memória tão desconhecida quanto rara? Porque seria a instalação do Painel de Djanira a primeira missão que receberia do Presidente da SURSAN, Enaldo Cravo Peixoto, quando adentrei nos quadros do então recém-criado Estado da Guanabara, recém-saído da Universidade do Brasil, nos meus verdes 22 anos de idade.
O painel monumental e toda sua construção me são pessoalmente estimados porque me fizeram entrar na intimidade de uma das obras de arte mais exclusivas e originais feitas dentro da cidade.
Pois bem, dada essa relação tão íntima que mantive com o Painel de Djanira desde seu comecinho, permito-me fazer agora pequenas revelações públicas que fiquei a dever desde a transferência do Painel do Túnel Santa Bárbara – de acesso dificílimo, a tal ponto que seria a maior e a mais desconhecida obra de uma grande artista, Djanira Motta e Silva. Chegou mesmo a ser considerada inédita, por Oscar Niemayer a quem conduzi à gruta de Santa Bárbara ao lado do então prefeito de Curitiba Jaime Lerner. Ambos ficaram maravilhados, embora insatisfeitos com o acesso difícil que tornaria a obra a mais escondida do Rio.
Presenciei o momento em que Djanira exibiu em sua casa de Santa Teresa o primeiro estudo para seu Painel, uma Via Sacra muito colorida, logo não simpatizada pelos presentes, entre eles Lacerda, Enaldo, Burle Marx e Lota Macedo Soares, acompanhados por Elizabeth Bishop, que foi a primeira a sugerir um Painel de Santa Bárbara em azuis e branco, para receber em tons mais severos e sóbrios as 19 almas vitimadas pela tragédia do final dos anos 50.
Aliás, abro um parêntese aqui para citar que o casal Djanira e o marido Mottinha moravam bem no alto de Santa Teresa em uma vila encantadora, cujo acesso era feito por um plano elevado, onde trafegava um minúsculo bondinho de uso exclusivo dos moradores daquele pedacinho do céu, lá na cota mais alta.
Duas semanas depois a pintora convocou a reunião definitiva em sua vila para apresentar o projeto definitivo. Um monumental painel em azul e branco.
– “E quem, Djanira, pode executar esse imenso painel em plena rocha, perguntariam quase ao mesmo tempo Lota e Enaldo? De pronta, a resposta imediata veio daquela mulher extraordinária, socialista de quatro cortados, embora católica praticante, a ponto de possuir um título de freira honorária. – “Indico o ceramista Adolpho Mandecher, também morador de Santa Teresa”. Que chegara ao Brasil com Vieira da Silva e Arpad, fugido do horror nazista de Hitler.
Pude acompanhar, ao longo de meses exaustivos todo o trabalho desse grande artista judeu, hoje quase desconhecido. Adolpho trabalhou o guache original ampliando-o num enorme papel vegetal. E a seguir dividindo-o em centenas de pedacinhos, cada um correspondendo a um azulejo cerâmico, que depois de pintado no traço original de Djanira, era queimado no forno de seu atelier. Ao final, o ceramista produziu mais de dez mil azulejos. Embalados em blocos de dez, o trabalho durou oito meses, acompanhado semana a semana por mim. Uma vez todos prontos, seriam armados pelo ceramista no mural de 115 m2, com apenas seis auxiliares que ele fez questão de contratar, seus alunos de cerâmica no MAM.
A misteriosa Catedral na Rocha – no exato meio do Túnel Santa Bárbara –só poderia ser vista de início nos domingos pela manhã. Era cada vez mais inacessível.
Até que levei, como fazia com dezenas de pessoas ligadas às artes, a visitar o Mural a Heloísa Lustosa, que se dispôs tanto a recuperar a obra de arte já avariada pela intensa umidade quanto a sugerir a Fundação Roberto Marinho que o painel fosse desmontado e instalado em área nobre do MNBA, que ela dirigia. Um recanto bucólico onde poderia ser apreciado por grande número de visitantes, com o nome de Recanto Lily e Roberto Marinho, que abrigou o Painel Djanira em 1985.
Ele, que fora originalmente instalado com nome de Santa Bárbara no interior da rocha úmida onde pereceram 19 operários ao final dos anos 50.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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