Por Ricardo Cravo Albin –
“O fato de alguém censurar pensamento ou texto de uma obra de arte é gravíssimo pecado. O censor quer se travestir em Deus, um ridículo Deus da verdade dos outros.” – Jorge Amado, no Pen Clube do Brasil em 1968, Fórum dos Escritores.
Neste espaço já por diversas vezes me manifestei contra atos de censura a escritores, à literatura e por certo ao jornalismo. E sempre o farei, por duas razões básicas que explicito aos leitores. A primeira foi a luta que um grupo da sociedade civil empreendeu às barbas do então recém criado Conselho Superior de Censura, na antessala do gabinete do Ministério da Justiça do governo Militar, em 1969. Entre eles representantes dos censurados, Pompeu de Sousa (ABI), Susana de Moraes (cineastas) e eu (ABERT). A censura se abatia impiedosamente sobre Teatro, Cinema, Música, Livros, Rádios e Televisões. Com recursos ao Colegiado Misto (CNC, composto por entidades civis e do governo). Nossa bancada anti censura conseguiu em menos de um ano liberar quase 60% dos recursos contra as injustiças perpetradas pelos censores federais do DCDP (Departamento de Controle das Diversões Públicas). Quem viveu a época pós 64 ainda se arrepia ao evocar os abusos à liberdade de pensamento. Atualmente o Pen Clube Literário do Brasil, que eu presido, tem por objetivo essencial terçar armas contra a censura ou à qualquer proibição de texto escrito, falado ou transmitido por imagens.
Agora, caros leitores, o quase inadmissível bateu às portas deste país surreal e que se esmera em produzir contrassensos e obscuridades. O deputado federal Gustavo Gayer, do PL de Goiás, deduziu do alto de sua reconhecida (!!) sabedoria que uma edição best-seller “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” não poderia ser livro indicado pela Universidade de Rio Verde (Goiás) como estudo para o vestibular.
Justificativa: “sua leitura seria imprópria para os alunos ainda em formação intelectual, por conter situações, beirando, na avaliação do censor, o quase pornográfico”.
A Companhia das Letras, que editou este enorme sucesso da literatura contemporânea, foi logo apoiada por intelectuais como A. C. Secchin, Merval Pereira e também este que escreve essas linhas, agora mais extensas que as anteriores.
O absurdo se perpetrou. Ou seja, o ato censório monopolizado por obscuro deputado do PL incidiu sobre Marçal Aquino, atual vencedor do Premio Jabuti, com obras publicadas na Europa inteira e em seis línguas diversas. Editado em 2005, “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” já foi adaptado para o teatro e para o cinema (por Beto Brant). O romance de Aquino conta com mais de 20 edições e é fartamente usado em cursinhos de pré-vestibular.
Quem é o obscuro deputado que veste a toga de censor?
Por aqui não é tão obscuro assim. Pesquisando suas origens me deparei com a seguinte gracinha insultuosa: há um ano ele teve a audácia de definir publicamente Fernanda Montenegro e a apresentadora Xuxa como “decadentes”, pelo fato horrorizante (para ele, deputado) de se mostrarem críticas ao governo Bolsonaro. O pretenso censor foi dos mais inflamados (com contas no twitter suspensas) opositores das urnas eletrônicas, tal como sua liderança maior, o ex-presidente. Ao ser cobrada da exclusão do livro de Marçal Aquino, a Universidade RV declarou que a pressão do deputado do PL cresceu como uma bola de neve irresistível, em nome da… moral, dos bons costumes, da decência e da inocência dos jovens em formação. Receituário típico dos censores de 50 anos antes. Tal como detalhei no meu livro “Driblando a Censura – De como o cutelo vil incidiu a cultura” – (Ed.Gryphus – 2002), de farta circulação nas faculdades de jornalismo até hoje.
Isso não pode ficar impune. E ser acobertado pela indiferença.
O país tem problemas mais graves a enfrentar?
Com certeza, mas a volta à censura do pensamento e a agressão a escritores já impuseram trágicas consequências ao meio cultural. E afinal gerariam os monstros de sete cabeças do nazismo, do fascismo, com as odiosas perseguições raciais.
Basta um passo. Um pequeno passinho para o árbitro se declarar instalado.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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