Por Ricardo Cravo Albin –
“Vacinar nossos filhos traz grande medo de errar, quando as autoridades da saúde questionam a vacinação. Isso é o que chamamos em comunicação da ciência, de viés de missão.” (Natalia Pasternak)
De fato há que se testemunhar, ao menos nós escritores que comentamos o fértil Brasil de eventos, pensamentos, teses e antíteses de hoje em dia, que não devemos mais reconhecer como verdade aquele velho paroxismo que alimentava cronistas do porte de Rubem Braga: a folha de papel em branco pronta para ser preenchida e a falta total de assunto. O branco habitando o branco. Qual o que! Como agora assuntos não faltam – ao contrário, eles se atropelam e deixam os pobres cronistas atordoados com a fertilidade de temas a pulalar em nossas cabeças, em geral ansiosas para eleger dentre tantos um de sua apetência mais urgente.
Hoje, por exemplo, saltaria à vista que o centenário da Semana Moderna seria tema obrigatório. Mas paralelamente outras tentações roçam nossos dedos em quase comichão no computador. Como os esbirros nazistas do deputado Kataguiri e do entrevistador Monark, do canal Flow. O que gerou uma chuva de protestos justíssimos dos que não podemos perdoar o monstruoso holocausto dos judeus pela Alemanha hitlerista. Se Kim e o influencer Monark são caras novas na política, muito melhor é deixar as caras velhas do Congresso lançar mão do orçamento da República para premiar os exageros dos bilhões para os partidos gastarem nas eleições. Melhor assaltar o botim do orçamento que animar hordas fascistas. Nada justifica a defesa infame de um partido nazista neste país, que começa a crescer perigosamente em várias praças do país. A tal ponto que a Polícia Federal abriu 51 inquéritos sobre apologia de nazismo ano passado, outros 110 ao longo de 2020. A escalada do extremismo também é verificada na Central Nacional de Crimes Cibernéticos da SaferNet. O órgão registrou – e pouca gente se deu conta desse horror – um aumento de 61% no número de comunicações sobre o assunto entre 2020 e 2021. Por outro lado, apurei que dados coletados pela juíza federal Claudia Dadico sinalizam uma realidade intimidadora: a existência de quase 400 (disse quatrocentas!), células de inspiração hitlerista em ação no país. Esta juíza, aliás, é autora de livros sobre crimes de ódio racial e já catalogou 6.500 endereços eletrônicos de organizações neonazistas em língua portuguesa, além de milhares de defensores da ultradireita radical que participam de fóruns internacionais.
Outro assunto palpitante, e muito preocupante: o movimento antivacinas avança tanto quanto as células nazifascistas.
Um programa vacinal de imunizações de excelência assegurou ao Brasil nos últimos 50 anos que o país não sofresse os graves impactos do negacionismo de vacinas, com a intensidade existente nos Estados Unidos e Europa. Mas nos chega uma notícia deplorável: em novembro de 2020 uma primeira (!!) associação brasileira deliberadamente antivacinas fez sua estreia. Outro sintoma grave: a Associação Brasileira de Vítimas de Vacinas consolidou-se em fevereiro de 2021. É só procurar o site da famigerada Associação para nos escandalizarmos. De tudo o mais trágico, e de urgente comentário: vacinas infantis são o alvo mais fácil. Calcular riscos envolvendo nossas crianças é de fato intimidador. E o resultado indesejado já aparece com clareza: municípios do Rio, Santa Catarina, e Rio Grande do Sul reportam números abaixo do esperado para vacinação de crianças. A infectologista Natalia Pasternak indica que o ano eleitoral de 2022 traz rara oportunidade para o povo brasileiro exigir dos candidatos uma posição firmíssima em relação à defesa da saúde pública dos eleitores, nós mesmos. Ademais, cobrar mais investimentos em saúde e exigir do seu candidato respeito à ciência nas políticas públicas.
É a hora ideal para cobrar aos candidatos quais os planos para restaurar plenamente uma conquista universal do Brasil: as campanhas para vacinação.
Portanto, caros leitores, os assuntos fervem neste país hoje quentíssimo e que carece debater, informar-se mais e melhor.
Mas, voltemos ao início deste texto, os cem anos da Semana de Arte Moderna. O espaço, contudo, acabou. A folha branca já está lotada.
Semana que vem prometo ir direto ao assunto. Perdoem-me.
P.S 1: Uma lágrima pela morte de Ruy Barreto, um empresário digno deste nome, capaz de sonhar com um país mais justo. Ruy merece não uma, mas várias lágrimas. Beijos à família enlutada.
P.S. 2: Outra lágrima muito sentida, quase um chororô, pela morte do jornalista e cineasta Arnaldo Jabor. Amigo de 60 anos, o escritor foi dos melhores talentos de minha geração.
P.S. 3: O Pen Clube, órgão internacional em defesa da liberdade de expressão e contra cerceamento de jornalistas de opinião, anunciará em breves dias seus candidatos para o grande Prêmio Pen Club referente a 2021, focando neste 2022 em autores que melhor e mais investigaram e escreveram sobre a história do país. Homenagem explícita ao Bicentenário da Independência por Pedro I, ainda tratado com constrangedora timidez pelas autoridades.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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