Por Siro Darlan –
A vida é sem dúvida o maior de todos os direitos fundamentais. Logo no início de 2020 a pandemia, que já matou mais de 252 mil brasileiros, mostrava suas garras. Como era de se prever, a massa carcerária de mais de 700 mil presos, nas condições de “estado de coisa inconstitucional” apresentava suas primeiras vítimas. A condição extremamente precária da maioria dos presídios brasileiros é por todos conhecida. Há problemas diversos, como superlotação, faltas graves de higiene, doenças diversas, entre outros. verbis “a saúde é direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, além de que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral’. (Constituição da República, artigo 5º, inciso XLIX). Ademais, a amparar este direito, encontram-se os princípios da dignidade da pessoa humana (art.1º, III, CF), o da proibição da tortura, do tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, inciso III) e o da vedação da aplicação de penas cruéis (art. 5º, inciso XLVII, alínea “e”, CF).
Enquanto a pandemia seguia ceifando vidas, as autoridades governamentais mostravam sua indiferença e incompetência. Contudo atrás das grades em decorrência dos parcos investimentos e do aumento da população carcerária, os problemas apontados acima cresciam enormemente, uma vez que a estrutura parece ficar cada vez mais defasada em relação à demanda. Não bastasse a situação já caótica, o advento da pandemia da COVID19, em que a principal profilaxia são o afastamento e a higienização, tornou as coisas ainda mais graves e urgentes. Esse é o contexto em que preparei um modelo de decisão em habeas corpus para aplicar aos casos que me fossem submetidos.
Ainda no campo normativo destaca-se as Regras Mínimas para Tratamento de Prisioneiros da ONU (Regras de Mandela), acolhido pela Resolução nº 14/1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, merecendo a transcrição da Regra 3, que dispõe, verbis:
“A detenção e quaisquer outras medidas que excluam uma pessoa do contato com o mundo exterior são penosas pelo fato de, ao ser privada da sua liberdade, lhe ser retirado o direito à autodeterminação. Assim, o sistema prisional não deve agravar o sofrimento inerente a esta situação, exceto em casos pontuais em que a separação seja justificável ou nos casos em que seja necessário manter a disciplina.”
Ressalta-se, outrossim, que o art. 40, da LEP, exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; sendo que o direito à saúde vem reafirmado no art. 41, VII, do mesmo Diploma.
Por outro lado, é fato público e notório que o Brasil possui a terceira a terceira maior população carcerária do mundo, depois dos Estados Unidos e da China, bem como a ocorrência de superlotação dos presídios, submetendo os detentos a permanecerem em celas imundas e insalubres, com proliferação de doenças infectocontagiosas, sem iluminação e ventilação que representam perigo constante e risco à saúde, ante a exposição a agentes causadores de infecções diversas, e ainda sujeitos à falta de agua potável e de produtos higiênicos básicos, além de falta de acesso a atendimento médico adequado, e, por tais motivos o E. STF nos autos da ADPF 347 MC/DF em cognição sumária declarou que o sistema penitenciário brasileiro está em “permanente estado de inconstitucionalidade”, ou seja, em total inobservância de tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo país, tais quais, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, sendo certo que o quadro apontado não é exclusivo desse ou daquele presídio, eis que a situação mostra-se similar em todas as unidades da Federação, inclusive no Estado do Rio de Janeiro, devendo ser reconhecida a inequívoca falência do sistema prisional brasileiro.
SIRO DARLAN – Juiz de Segundo Grau do TJRJ, Mestre em Saúde Pública e Direitos Humanos, membro da Associação Juízes para a Democracia, conselheiro efetivo da Associação Brasileira de Imprensa, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da imprensa Livre.
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