Por Ricardo Cravo Albin

“Os preconceitos se confluem, uns aos outros: racismo contra pretos é primo irmão de racismo contra judeus ou do apartheid social contra os mais pobres.” – F. C. Santiago Dantas em aula magna na antiga Faculdade Nacional de Direito da U.B em 1959, para abrir o ano letivo.

Deste espaço não poucas vezes chamei a atenção sobre o antissemitismo que viceja em silêncio aterrador por boa parte do planeta. A tragédia explícita do nosso Vinicius Jr., insultado por mais de uma dúzia de ocasiões em estádios espanhóis pelo simples fato de ser preto, desvenda a crueza e abjeção do preconceito racial. Chamado quase em coro (e não apenas por uma vez) pela plateia de “mono”, macaco em espanhol. Gritos insistentes, ao que apuraram repórteres internacionais, por grupos de possíveis 20 pessoas. Isso há apenas uma semana. O que exibe a dimensão alargada do preconceito e intolerância em país sedimentado em sólida cultura como Espanha. País formador do arcabouço ibérico que nos originou também como povo e civilização. Analistas políticos definem que esse tipo de reação se aproxima da extrema direita que germina mais forte em tempos de crise.

De fato, a centro-esquerda do Premier Sánchez perdeu as eleições no último domingo, em guinada para a direita. Já foram marcadas, por isso mesmo, novas eleições espanholas em breves tempos. A nós isso não espanta, por que ainda há pouco no governo federal anterior várias notícias de ataques às religiões afro-brasileiras foram registradas por grupos radicais de direita. Este que lhes escreve jamais desdenhou essa abominação, registrando e acusando a intolerância grosseira da lei dos mais fortes contra os mais fracos. E, por que não dizer, de brancos ensandecidos (felizmente minoria) contra a maioria preta dos candomblés, da umbanda e dos terreiros espalhados aos milhares pelo país.

Juntando preconceitos, registro aqui que a Polícia Federal causou algum espanto quando anunciou que os horrendos atentados de Aracruz (ES) há um ano teriam sido estimulados por farto material de propaganda antissemita. Até a própria polícia informou o que se intuiu, a maior parte das pessoas atacadas pela barbárie sequer era de judeus. O ódio contra os judeus é antiquíssimo. Sociólogos por vezes atribuem o antijudaísmo ao fato de os judeus serem considerados por alguns historiadores o povo escolhido por Deus, o povo-mater a preservar instituições milenares.

Não à toa Jesus Cristo nasceu judeu na Galileia, hoje Israel.

Muitos atribuem parte desse sentimento de possível ódio à natureza humana, ao sentimento de inveja, pelo fato de os judeus serem os primeiros, os mais antigos. Os melhores?

Mas os estudiosos agregam também motivações econômicas, políticas, nacionalistas. E, por certo, fortes inclinações de motivação religiosa. De fato, o preconceito antijudaico se apresenta como um fator irracional, jamais possível de ser definido científica ou qualitativamente.

Mitos irreais e puramente sem sentido contra o povo milenar são alimentados até em repertório de piadas contra os judeus. Não tão distantes assim, notem bem, dos gritos de “macaco” dirigidos ao nosso Vini, quase sempre acompanhados dos gestos grosseiros de um macaco coçando o corpo com as duas mãos.

O fato é que nos cabe como brasileiros encarar de frente esse paredão de preconceitos raciais e religiosos que parecem se espalhar pelo mundo, nós, uma civilização plasmada numa montagem racial única no planeta, a partir da raríssima miscigenação do indígena (esbulhado desde sempre) com os negros escravos (também esbulhados e mantidos prisioneiros por séculos), tendo como titulares do mando os portugueses colonizadores (a raça escolhida como formadora), logo acrescidos de levadas de milhares de emigrantes europeus e judeus (espanhóis e italianos, em essência majoritária) e orientais (especialmente japoneses). Por que o Brasil detém um índice de miscigenação que os outros países das três Américas não são capazes de exibir?

Todos os pesquisadores insistem na conjugação benéfica de três raças pacíficas. Até por isso os esguichos do ódio hitlerista não conseguiram se fixar neste país. Apesar de alguns esbirros…

Quando recordamos a medonha matança em Aracruz sublinha-se com tintas fortíssimas o ódio racial. E nos questionamos – faria a mesma pergunta as ofensas dirigidas ao Vini Jr. em Espanha – se de fato nós, testemunhas do horror de Aracruz e dos estádios espanhóis que molestaram nosso craque, obtivemos sucesso no esforço para difundir o convívio pacífico das diferenças e da tolerância exigível entre humanos, como civilização, como sociedade?

Respondam sinceramente.

Leia também: Racismo explícito, vergonha explícita – por Ricardo Cravo Albin 

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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