Redação

Entre os papeis do chefe do Ministério Público não está o de denunciar o presidente da República no contexto de uma eventual crise política. Para o procurador-geral da República Augusto Aras, essa é atribuição do PGR única e tão somente no que diz respeito a crime comum. Em caso de crime de responsabilidade, a atribuição é do Poder Legislativo.

Depois do debate nesta terça-feira (29/6), promovido durante o lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2021, Aras ainda esclareceu que não cabe a ele mover ação por prevaricação contra o presidente da República.

Prevaricação, explicou, é o crime cometido por funcionário público quando, indevidamente, este retarda ou deixa de praticar ato de ofício, ou pratica-o contra disposição legal expressa, visando satisfazer interesse pessoal. Embora se trate também de um servidor público, o presidente da República só poderia ser denunciado por crime de responsabilidade, segundo Aras.

Riscos à democracia
Durante o debate “Justiça e Democracia”, organizado pela ConJur e com participação do ministro Gilmar Mendes, do STF, e do advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Aras foi questionado se a democracia corria risco.

O atual PGR iniciou sua reflexão contando que, quando se ensina democracia na universidade, não se começa por ela; fala-se das diversas formas de totalitarismo para, depois de esgotá-las, falar de democracia. “É interessante essa metodologia de ensino, pois não temos tantas formas de democracia quanto temos de totalitarismo”, observou.

“Ao mesmo tempo em que vemos crises democráticas ocorrerem, ora em um ou outro poder ou em outras instituições — e também não quero fugir da responsabilidade de crises no MP e outros órgãos autônomos —, essas crises são inerentes ao processo democrático. O importante é que a democracia, como processo de autorretificação permanente, consiga superar todos os debates que ela viceja. É o governo do possível, em que tudo corre diante de pressões permanentes”, comentou Aras.

O PGR procurou amenizar as relações muitas vezes de atrito entre os poderes. “Quando vemos Legislativo em embate com o Executivo, ou reclamando de decisões do Judiciário, quando vemos o MP tomar decisões que desagradam a alguns segmentos ou mesmo a poderes, estamos em ambiente democrático”, disse. No entanto, afirmou, quando se tem polarização de ideias, a preocupação que temos em um processo civilizatório calcado na busca pelo pluralismo politico, calcado numa visão multicultural que é uma nota do processo civilizatório brasileiro, tudo isso nos causa preocupações, reconheceu.

Aras assinalou que o processo democrático precisa ter toda uma conformação ao lado dos processos inerentes ao sistema de Justiça, que, por sua vez, não observa o princípio instrumental das democracias, que é o princípio da maioria.

A Constituição de 1988 fixou princípios instrumentais na formação de cada poder. O Legislativo e Executivo se estabelecem pelo princípio da maioria. Já o Sistema de Justiça se estabelece de forma contramajoritária. O limite entre um e outro é desafio permanente de uma democracia.

“Os processos inerentes ao sistema de Justiça são contramajoritários”, disse. “É isso que compete ao sistema de Justiça, é velar e este é o nosso permanente desafio, encontrar nas crises as válvulas de escape existentes no ambiente democrático para que cada poder ou órgão autônomo constitucional se coloque de forma a não permitir que cheguemos a um grau explosivo acerca dos processos comunicacionais. É preciso não permitir que a mesma bomba que constrói riquezas seja a mesma que destruirá as nossas riquezas sociais”, disse o PGR.


Fonte: ConJur