Por João Batista Damasceno –
A pretexto de combater o tráfico de drogas e de armas, o presidente da República decretou mais uma GLO, ou seja, emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem. A medida foi decretada uma semana após o presidente descartar a medida.
O anúncio da GLO foi feito na última quarta-feira (1º) sob o fundamento de tentar enfrentar a crise da segurança pública no Rio de Janeiro. Nosso estado sempre foi cobaia dessas medidas pirotécnicas e midiáticas, sem que qualquer solução fosse dada para o problema da segurança e sem que a questão fosse analisada a partir de seus fundamentos.
A primeira vez que as Forças Armadas foram empregadas no Rio de Janeiro desta forma foi em 1992, por ocasião da conferência sobre o clima global, denominada Rio-Eco 92. De lá para cá tivemos muitas outras GLOs e até intervenção federal no setor de segurança do estado. É preciso relembrar que o atentado à vereadora Marielle Franco e ao motorista Anderson ocorreu a menos de um mês da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, sem que até hoje se tenha a solução do caso. E nem teremos. A intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro foi comandada pelo general Walter Braga Netto, e o período ficou marcado pelo recorde na letalidade policial. Além das mortes, seu único efeito foi dar protagonismo os herdeiros dos porões da ditadura empresarial-militar e reforçar o papel daqueles que eram chamados de “Linha dura” durante a ditadura.
A atuação das Forças Armadas se limitará a portos e aeroportos do estado do Rio e de São Paulo. Serão empregados militares. Nesses locais serão empregados militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Mas assim como não se combate o mosquito da dengue com tiro de canhão, igualmente o crime organizado não se combate com emprego de militares ou armamentos pesados. O crime tem dimensão econômica e isto vem sendo desconsiderado. Auditorias sobre a origem dos recursos dos criminosos seriam mais eficazes que os espetáculos que se promovem para aquietar a população e dar falsa sensação de segurança.
Os militares atuarão nos portos do Rio de Janeiro e no de Itaguaí, além do aeroporto do Galeão. Em São Paulo, atuarão no porto de Santos e no aeroporto de Guarulhos.
Depois do desvio de armamento pesado num quartel do Exército e dos 39 kg de cocaína num avião militar da comitiva presidencial a caminho da Espanha, as Forças Armadas não têm condições de se arvorarem combater tais práticas no seio da sociedade. Se tais fatos ocorrem dentro dos quartéis onde o dia a dia é mapeado, qual será a eficácia no seio da sociedade com suas múltiplas complexidades e relações?
As GLOs são o resquício da ditadura empresarial-militar. Foi o lobby dos militares que emplacou na Constituição a possibilidade de intervenção na ordem interna. Saímos da ditadura empresarial-militar, mas muito do que ele produziu continua eficaz. Não fizemos uma justiça de transição. Os militares conseguiram fazer constar na Constituição que “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Isto é uma anomalia. Não é o braço armado do Estado o que garante o funcionamento dos poderes de uma república democrática. Ao contrário, são os poderes constituídos que garantem o funcionamento, sob controle, das Forças Armadas. Da mesma forma é uma anomalia o emprego das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem. Nenhuma democracia do mundo admite que suas Forças Armadas possam apontar suas armas para seus nacionais.
O plano é mais do mesmo: As Forças Armadas atuarão com a PF em portos e aeroportos; a Marinha ampliará a atuação, junto à Polícia Federal, na Baía de Guanabara, Baía de Sepetiba, acessos marítimos ao Porto de Santos e Lago de Itaipu; haverá aumento do efetivo e de equipamentos da PF, PRF e Força Nacional em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná; a PF ampliará as ações de inteligência e as operações de prisões e apreensões de bens pertencentes a criminosos, especialmente no Rio de Janeiro; haverá atuação em faixa de fronteira pelo Exército e Aeronáutica em articulação com a PF e PRF com ênfase no Paraná, em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul; será constituído um comitê de acompanhamento das Forças Armadas e da PF; o Ministério da Justiça e Ministério da Defesa apresentarão em 90 dias à Casa Civil plano de modernização tecnológica para a atuação da PF, PRF, Polícia Penal Federal, Exército, Marinha e Aeronáutica. Ou seja, mais uma vez se opta pelo modelo repressivo, descuidando que crime é um fenômeno que existe em toda sociedade e que suas práticas somente cessam quando alteradas as estruturas sobre as quais se assentam.
Não adianta pretender falar de segurança pública mantendo-se a estrutura de uma sociedade excludente e marcada pela desigualdade, onde seis pessoas concentram a mesma riqueza que noventa por cento da população.
Mantendo-se a mesma estrutura, o máximo que poderemos falar será em segurança dos negócios, negócios lucrativos da segurança e segurança para poucos, em prejuízo da vida de muitos.
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI.
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