Por Jorge Folena –

Infelizmente, todos os anos, nos meses de verão, ocorrem enchentes e deslizamentos de terras causados pelas fortes chuvas que caem no Estado do Rio de Janeiro e levam à morte de pessoas desprotegidas. O mais lamentável dessa tragédia anualmente anunciada é culpar as pessoas pobres que constroem sobre encostas e na beira de rios.

Autoridades governamentais que nada fazem durante todo o ano são os maiores responsáveis por essas calamidades, pois passada a comoção causada pela destruição e pelas mortes, deixam tudo cair no esquecimento e esperam que a força da natureza não se repita no ano seguinte. Nada fazem de concreto e empregam o orçamento público para coisas banais, como iluminação de fim ano, deixam de realizar projetos essenciais como a drenagem dos rios e o reflorestamento das margens, de fazer obras de engenharia para a contenção de encostas etc., mas, principalmente, deixam de possibilitar meios para a construção de habitação digna para uma sempre esquecida parcela da população.

A Constituição estabelece como princípio fundamental o direito à moradia e que a política de desenvolvimento urbano, executada pelos municípios, tem que garantir o bem-estar dos habitantes das cidades. Ou seja, a Constituição estabelece, com todas as letras, que o direito à moradia é Direito Humano, essencial ao bem-estar e à existência digna das pessoas.

Ressalte-se que a ocorrência dessas fortes chuvas é algo totalmente previsível, sabemos que vai acontecer, mas o poder público se omite e nada faz! Não faz porque quem mais necessita são as pessoas pobres, geralmente negros, que vivem nas periferias e nos morros das cidades, em habitações frágeis, insalubres e sem condições de saneamento.

É importante esclarecer que a drenagem e o manejo das águas pluviais urbanas também compõem o sistema de saneamento básico, aquele tão badalado nas propagandas para a privatização de empresas públicas do segmento, sob o falacioso argumento de que o seu controle pelo setor privado tornaria melhor a vida dos mais pobres.

Além dessas atividades, também compõem o saneamento básico a infraestrutura e as instalações operacionais de drenagem de águas pluviais, transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, o tratamento e a disposição final das águas pluviais drenadas, contempladas a limpeza e a fiscalização preventiva das redes, conforme previsto na Lei 11.445/2007 (Lei de Saneamento Básico), que foi atualizada pela Lei 14.026, de 2020.

Caso existisse o correto e adequado manejo e drenagem das águas pluviais, não assistiríamos às dramáticas cenas de pessoas morrendo por causa de chuvas e transbordamento de cursos d’água nem veríamos as vias públicas transformadas em rios, como lamentavelmente ocorreu na Cidade de Petrópolis neste mês de fevereiro de 2022.

Nem venha o ocupante da presidência da República dizer que “não temos como nos precaver de tudo”, como manifestou ao sobrevoar a cidade de Petrópolis (18/02/22). Tem como precaver, sim! Todos os anos ocorre esse flagelo das chuvas, mas nada é feito pelas autoridades como ele.

Por tratar-se de evento cuja ocorrência já é esperada, não estamos mais diante de circunstância de força maior nem de caso fortuito para excluir a responsabilidade dos dirigentes governamentais, que devem responder pelas mortes e pelos diversos danos materiais e morais causados às pessoas.

O mais lamentável é que os mesmos que se omitem e utilizam as verbas públicas para atividades não essenciais, sem maior importância para a vida das pessoas, são os primeiros a atribuir a responsabilidade pelas mortes às famílias pobres que constroem sobre as encostas e nas margens de rios.

Culpar as vítimas ajuda a desviar momentaneamente o foco, mas não afasta a responsabilidade desses governantes, por nada fazerem para garantir o direito humano à moradia digna e para tornar as cidades um lugar de bem-estar para todos, como determina a Constituição.

Sobre essa responsabilidade, temos hoje no Brasil jurisprudência com decisões de vários tribunais reconhecendo, inclusive, que as pessoas que vivem em áreas de encosta e na beira de rios também devem ser protegidas e têm direito à reparação pelo poder público.

JORGE FOLENA – Advogado e Cientista Político; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros e integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano/Senge-RJ. É colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.


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