Por Luiz Carlos Prestes Filho –
A Tribuna da Imprensa Livre / Exclusiva entrevistou o líder político brasileiro, Luiz Alfredo Salomão. Carioca da gema, ativo participante de acontecimentos marcantes das últimas cinco décadas, ele reafirma o seu amor pelo país: “As próximas gerações poderão realizar os sonhos dos homens e mulheres da minha geração, dos anteriores à esta minha geração e de algumas das gerações seguintes, que não se contaminaram com a ideia de ir embora do Brasil e adotar outras pátrias. Aliás, escrevi um livro que pretendo lançar no começo de 2021 – “O Brasil e o Futuro”. Procuro mostrar o que precisamos fazer, como Nação, para sair de três décadas de estagnação e de mediocridade, para entrar num período de grandes realizações e nos tornarmos uma grande potência.” O ex-deputado federal constituinte, relembra com alegria juvenil a sua importante contribuição para:
“Melhorar a vida de famílias que não tinham água limpa e esgoto, contribui para reduzir a mortalidade infantil!“
Luiz Carlos Prestes Filho: Você já foi deputado federal; secretário de estado várias vezes; ocupou cargos importantes no governo federal; e dirigiu a Escola de Políticas Públicas. Hoje você, como engenheiro e empreendedor, trabalha numa fábrica de estruturas metálicas. Você nunca parou e não pensa em parar?
Luiz Alfredo Salomão: Um médico que já salvou a minha vida, em 2002, após um acidente de carro – o Dr. Deusdeth Nascimento, um craque – me perguntou, ao iniciar uma consulta em 2019, o que eu andava fazendo? Eu contei e ele me incentivou: “É isso aí… continue mantendo-se ocupado, trabalhe muito, se possível, até o fim da vida. Com a cabeça ocupada, o corpo trabalha melhor.”
Cheguei à conclusão que, sem querer, eu estava no caminho certo.
Prestes Filho: Essa sua dedicação ao trabalho, em prol da sociedade, vem do berço? Conte sobre suas origens, em especial, sobre seu pai e sua mãe, família.
Salomão: Devo quase tudo a eles, especialmente o esforço que faziam para me dar oportunidades de realizar aquilo que desejava. Mas eles eram classe média baixíssima, com baixa instrução (primário incompleto) e pouca cultura. Mas eram pessoas generosas, não egoístas. Queriam o melhor para a família, mas também o melhor para o Brasil. Meu pai era lacerdista, mas não era fanático. Acabou brizolista.
Eles me apoiaram muito na vida pública. Faziam campanha subindo as favelas dos bairros da Tijuca, do Rio Comprido e do Estácio. Pediam o voto: “É para meu filho, ele vai trabalhar para melhorar a vida de vocês.” Faziam amizade facilmente com as pessoas do povo. Minha mãe, com mais de 70 anos, montava uma banquinha na praça Saens Peña e distribuía santinhos. Também, fazia ponto com sua banquinha na Rua da Assembleia. As pessoas ficavam comovidas com a velhinha e prometiam o voto.
Meu pai era ótimo cabo eleitoral, atuando principalmente no Sociedade de Amigos das Adjacências da rua da Alfândega (SAARA), no Centro do Rio de Janeiro, onde era muito conhecido.
Prestes Filho: Como aconteceu a sua formação profissional e política?
Salomão: A profissional foi em escolas públicas: Escola Municipal Tiradentes, Colégio Pedro II e Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil (UB), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bom aluno, mas nada excepcional.
A política foi a partir do trabalho com um dos assessores econômicos do Ministro Mário Henrique Simonsen, que também era engenheiro e um grande economista matemático. Como eu sabia cálculo, tinha boa passagem na equipe da assessoria econômica do Ministério, da qual fui vice-chefe. Aquela posição era um posto de observação privilegiado para com os movimentos dos atores econômicos: empresários dos vários setores; os movimentos dos consumidores, que também eram os trabalhadores; e os burocratas dos diferentes ministérios. Cada um defendendo os interesses de sua “clientela”. A equipe do Ministério da Agricultura defendendo os produtores rurais; a equipe do Ministério da Indústria e Comércio, defendendo os interesses dos industriais, contra as importações etc. Foi aí que comecei a me interessar pela política. Mais tarde, trabalhando na empresa de energia elétrica, Light, fui assessor do Rafael de Almeida Magalhães, que entrou para aquela multinacional para se preparar para assumir a presidência, no lugar do velho Antonio Galotti. Rafael tornou-se um amigo e se afinava mais com nossa equipe, que defendia os consumidores de energia elétrica, e tinha certa oposição ou resistência aos investidores estrangeiros daquela concessionária, à época controlada pelos canadenses. A convivência com o Rafael me influenciou bastante, ao ponto de me motivar à filiação ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Comecei como assessor voluntário da bancada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), para ajudar os deputados estaduais do MDB na questão do Orçamento.
A ligação com Rafael me levou a Roberto Saturnino Braga e, por sugestão do primeiro, acabei coordenador da campanha a governador do segundo. Veja Você! Já entrei na militância “pelo alto”. Com a conversão do MDB a PMDB, reincorporando aos chaguistas, um grupo de militantes sobre os quais eu tinha uma certa liderança, decidimos migrar de partido e acabamos no Partido Democrático Trabalhista (PDT). Fomos recebidos de braços abertos por Leonel Brizola e, daquele grupo de adesão, eu e Vivaldo Barbosa fomos convidados para integrar a coordenação da campanha de Brizola ao governo do Estado. Numa refrega política, Bocaiúva Cunha disse: “Esse menino não pode ficar aí na coordenação da campanha dando instruções à gente… ele que saia candidato a deputado estadual.” Assim acabei me candidatando e sendo eleito. Foi tudo muito rápido e com grande satisfação. Aquela eleição de 1982 foi uma festa democrática e aqui no Rio a derrota do chaguismo e da ditadura numa só tacada… uma glória!
O querido Saturnino Braga terminou concorrendo a Senador da República e foi eleito!
Prestes Filho: Você poderia destacar um momento especial vivido na sua trajetória política? Aquele momento que marcou você como político?
Salomão: Sem qualquer dúvida foram duas coisas aparentemente desconexas, mas que têm grande interdependência: minha experiência como Secretário de Obras e Meio Ambiente, do governo Brizola; e o meu trabalho na Assembleia Nacional Constituinte. Na primeira, além de passar a conhecer bem o nosso Estado, eu pude vivenciar as condições do povo trabalhador, suas dificuldades com a moradia, com a falta d’água e de saneamento básico (esgotos, drenagem, pavimentação, combate a vetores, como os mosquitos transmissores de doenças), e com a alimentação. Eu vivia nas favelas e nos bairros da periferia do Rio de Janeiro, de Macaé, de Campos etc. Foram essas lembranças que levei para Brasília, quando eleito deputado federal constituinte.
Na hora de discutir um projeto de emenda (as propostas de textos para serem incluídos no texto da nova constituição) e de votar qualquer matéria eu pensava naqueles companheiros que viviam mal, que eram subempregados e viviam de biscates etc. Então, jamais errava.
Fui DEPUTADO CONSTITUINTE Nota 10, de acordo com a entidade que congregava os sindicatos de todas as centrais sindicais. Foi a maior realização da minha vida política… a tarefa mais importante que cumpri, honrando meus compromissos. Quando foi aprovada, a Constituição foi execrada nos meios de comunicação. Todo dia se liam críticas contundentes. Atacavam dizendo que a Constituição era analítica demais, tinha detalhes que deveriam ficar para a legislação ordinária, infra-constitucional; outros diziam que havia muito mais direitos do que deveres na Constituição Federal; outros diziam que era absurdo enunciar na Constituição: 78 direitos individuais e coletivos (artigo 5º.); mais 34 direitos dos trabalhadores rurais e urbanos (artigo 7º.); mais os direitos à livre associação profissional ou sindical (artigo 8º.); o direito de greve (artigo 9º.); e mais os direitos de participação e representação em órgãos colegiados da empresa empregadora (artigos 10º e 11º); além dos direitos sociais previstos no artigo 6º, incluídos depois pela Emenda Constitucional nº 26 do ano 2000.
Era tudo choro dos empresários e dos profissionais de imprensa que defendem os interesses daqueles. Foi uma alegria imensa quando, nos anos de 2009/2010, fui ser Secretário Executivo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR) e fomos elaborar, com o embaixador, Samuel Pinheiro Guimarães, meu amigo e então Ministro, o Projeto Brasil 2022. Porque? Tive que ouvir os representantes de todos os ministérios da Esplanada. E cada um deles começava sua apresentação elogiando a Constituição e dizendo que os direitos da cidadania que estavam sob sua custódia ou tutela eram inalienáveis, não podiam sequer serem reduzidos, quanto mais eliminados. Foi a defesa mais contundente que assisti, sem revelar que eu era um dos constituintes. Fiquei muito impressionado como a Constituição Federal está arraigada na visão dos órgãos governamentais.
Prestes Filho: Qual foi a década mais marcante de sua trajetória?
Salomão: Na vida profissional, foram os anos 70, quando eu era tão solicitado que tinha três empregos. Em alguns momentos – quatro. Era uma coisa de maluco… saía de um lugar para o outro e passava um tempo não desprezível transitando pela Av. Rio Branco, centro do Rio de Janeiro, e arredores, de um escritório para o outro. Não durou muito tempo porque eu senti que aquilo era enlouquecedor. Na política, os melhores anos para mim foram os anos 1986-96: quando fui constituinte. Também, quando participei da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Viação Aérea São Paulo (Vasp) e daquela sobre os Anões do Orçamento; da cassação do mandato do presidente da República, Fernando Collor. Muito movimento e emoção.
Prestes Filho: Você hoje, mesmo não estando no legislativo, acompanha de perto os movimentos políticos no Rio de Janeiro e em Brasília?
Salomão: Sim, como cidadão e como pequeno empresário, que não pode bobear com as mudanças de conjuntura, porque se o fizer vai à falência. É tudo muito arriscado. Mas esclareço que não tenho a menor saudade de Brasília, nem da Câmara dos Deputados, onde coloquei a alma, além do corpo.
Prestes Filho: Quais foram as suas grandes decepções? Quais foram as suas grandes realizações?
Salomão: A grande decepção foi o destino do PDT. Brizola criou o partido, com grande empenho e mérito. Mas também o destruiu ao deixar margem para que seu legado caísse nas mãos de quem caiu… Das realizações, já falei acima: melhorar a vida de 400.000 famílias que não tinham água limpa e segura em suas casas; levar esgoto a 100.000 famílias; ter contribuído para reduzir a mortalidade infantil no Estado do Rio de Janeiro para a metade (10 para cada mil nascidos vivos, no primeiro ano de vida), em 4 anos.
Claro que não fiz isso sozinho, merecendo lembrar do trabalho de meu colega de secretariado no governo Brizola, Eduardo Costa, da pasta da Saúde.
Prestes Filho: Hoje, com 75 anos, você está otimista com o Brasil?
Salomão: No curto prazo, não. Com esse louco desvairado na presidência, o Brasil corre riscos imensos: na diplomacia; no meio ambiente; na ciência e tecnologia, nas finanças públicas e, mais grave, na sua soberania. Mas, a longo prazo, as próximas gerações poderão realizar os sonhos dos homens e mulheres da minha geração, dos anteriores à esta minha geração e de algumas das gerações seguintes, que não se contaminaram com a ideia de ir embora do Brasil e adotar outras pátrias. Aliás, escrevi um livro que pretendo lançar no começo de 2021: “O Brasil e o Futuro”.
Procuro mostrar o que precisamos fazer, como Nação, para sair de três décadas de estagnação e de mediocridade, para entrar num período de grandes realizações e nos tornarmos uma grande potência. Não potência militar, cheia de arsenais de ogivas nucleares para explodir a humanidade. Mas potência pelo aproveitamento racional dos nossos recursos naturais, inclusive da riqueza imensurável da Amazônia explorada de forma ambientalmente sustentável. Dos nossos recursos hídricos, edafoclimáticos, minerais, petróleo e gás… mas, sobretudo, daquilo que temos de mais valioso, que é a nossa gente. O antropólogo Darcy Ribeiro chegou a dizer que somos um povo novo, com uma mistura diferente do resto do mundo, com um potencial cultural imenso, uma vontade de trabalhar espetacular e grande capacidade de buscar a felicidade – uma nova civilização nos trópicos do Sul. Ele não viu este sonho acontecer. Eu, apesar de ter assistido o Brasil se tornar credor do Fundo Monetário Internacional (FMI), de quem vivíamos mendigando empréstimos, nas décadas de 1960, 1970 e 1980; de ter assistido nos tornarmos autossuficientes em petróleo e gás; de termos debelado uma inflação galopante etc…
Não assistirei a explosão do Brasil como potência mundial da criatividade, da fraternidade, do amor e não das armas e da violência, que todos estamos experimentando. Meus netos e bisnetos vão contribuir para isso, tenho certeza! E isso já faz me sentir realizado.
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Cineasta, formado na antiga União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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