Por José Carlos de Assis

A recente entrevista ao Roda Viva de Roberto Campos Neto foi um espetáculo de mediocridade técnica e uma exibição de hipocrisia poucas vezes vistas numa tevê brasileira.

A mediocridade ficou por conta de argumentos para justificar a política monetária e os juros básicos estratosféricos de 13,75% do Banco Central. A hipocrisia se resumiu a uma frase: na sociedade, quem mais sofre com a inflação são os pobres; daí, fica implícito que “qualquer medida” para conter a inflação se justifica socialmente.

Não há dúvida de que quem mais sofre com a inflação são os pobres. Mas o presidente do BC não conseguiu provar, tecnicamente, que 13,75% ao ano de taxa básica de juros ajuda a controlar a inflação e, em consequência, favorece os pobres. Suas respostas a um conjunto de perguntas convencionais feitas por jornalistas despreparados se resumiu a um conjunto de respostas também convencionais geralmente repetidas pelos papagaios do mercado financeiro para enganar os trouxas.

Não há justificativa para essas taxas de juros porque elas não funcionam para controlar a inflação. Portanto, em lugar de ajudar os pobres, elas prejudicam os pobres e toda a sociedade, menos os ricos. Essa é uma lição aprendida em todo mundo. Juros altos cortam a produção, reduzindo a atividade produtiva, e isso se reflete na queda da oferta de bens e serviços no mercado. A consequência é menos oferta, mais inflação, perda de empregos e de renda, e finalmente queda do PIB, o que, nas condições brasileiras, pode tornar-se cavalar. No limite, exige o aumento ainda maior dos juros, de acordo com a cartilha de Campos Neto.

As discussões sobre taxas de juros havidas nos últimos dias, principalmente na imprensa alternativa, estão abrindo a caixa preta do BC. Ele está operando com conceitos de política econômica das décadas de 70 e de 80, no auge do monetarismo. Está enterrando a economia brasileira num buraco profundo que foi aberto pelas políticas de Temer e de Bolsonaro, às quais se acrescentaram travas monetárias (especialmente autonomia do BC) e fiscais para bloquear eventuais políticas progressistas.

Isso não aconteceu apenas nesse campo. A forma como se deu a privatização (fatiada) da Petrobrás e da Eletrobrás nos deixou na condição de continuarmos com o bolsonarismo sem Bolsonaro. Os “venenos” inseridos na lei de privatização da Eletrobrás custariam caro à Nação se Lula levar avante seu justificado propósito de re-estatizar a empresa segundo “as leis do mercado”. O custo seria da ordem de R$ 160 bilhões, em comparação com menos de R$ 40 bilhões arrecadados na privatização.

Lula só tem um caminho para reestatizar a Eletrobrás sem grande prejuízo para o Estado: através de um projeto de lei. É claro que isso exigirá uma desgastante negociação no Congresso. Contudo, na medida em que o presidente faça uma demonstração inequívoca de que a venda não passou de uma grande negociata para agradar alguns poucos privilegiados, talvez a maioria do Congresso entenda que é preciso reverter o roubo e dar um basta a essa patifaria.

A sociedade brasileira não foi informada pelos jornalões do verdadeiro propósito das políticas de privatização e de desestatização. O que sempre esteve por trás delas, desde o governo Fernando Henrique, foi o medo das classes dominantes de uma vitória eleitoral das esquerdas, colocando-as em situação de usar a máquina do Estado para promover políticas públicas em favor dos pobres. Temos uma elite perversa, indiferente à concentração de renda e às condições de vida das classes desfavorecidas. Elas, contudo, são o poder dominante.

A privatização nos está privando de promover o desenvolvimento econômico e social do país, já que as estatais eram esteios onde se apoiava grande parte de nossa infraestrutura. O “mercado” não nos deixa fazer uma política nacionalista para preços de derivados do petróleo, porque, desde Temer (e ainda não saímos disso), a política para os derivados está arbitrada por petrolíferas estrangeiras em nome de uma paridade de preços estabelecida numa fórmula arbitrária. Os preços da energia elétrica também estão amarrados indiretamente ao mercado financeiro.

Na verdade, a privatização, nas amplas áreas em que se deu, tornou-se um negócio em si, para ganhos espetaculares (veja a Vale do Rio Doce) de curto prazo, sem compromissos com o desenvolvimento a longo prazo do país. À primeira dificuldade os concessionários pulam fora, como está acontecendo com rodovias e portos privatizados, linhas de trens, ônibus e barcas concedidas, e outros serviços essenciais. O setor público é, então, obrigado a reassumi-los a custos astronômicos para o erário, a fim de impedir que os serviços sejam sonegados ao público.

Tudo isso reflete um processo de verdadeira rapinagem das classes dominantes e de toda a esfera política, depredadoras do Estado e da sociedade, formando todo um sistema acumpliciado com esses esquemas de dominação do Estado.

Nesse contexto, a autonomia de Roberto Campos Neto para fazer qualquer negócio, inclusive os negócios que fazem estourar a lucratividade institucional já exagerada dos ricos em relações privadas protegidas pelo poder público, é apenas mais um detalhe na degeneração do Estado sob controle das classes dominantes tradicionais.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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