Por Kakay

“Um dia, o sol iluminará a vida. E será como uma nova na infância raiando para todos…”
–Noémia de Sousa.

O Brasil passa por um triste momento de falência moral com as sucessivas notícias dos mais diversos crimes cometidos pelo ex-presidente Bolsonaro e seu bando. Em só 7 meses depois de deixar o governo, ele já prestou 4 depoimentos à Polícia Federal sobre fatos distintos. E seu entourage cada vez mais se complica.

No caso das joias, um número cada vez maior de pessoas vai entrando na linha de investigação. As prisões começam a ser uma realidade que ronda esse grupo que envergonha a todos. Até mesmo o Exército está sendo tragado, de maneira banal, para o centro do escândalo.

Durante os 4 anos daquele governo fascista, acompanhamos o completo desmoronamento de todas as conquistas humanistas que haviam sido consolidadas ao longo de décadas de gestões civilizatórias. Era constrangedor ver que vários líderes bolsonaristas se jactavam da própria ignorância e boçalidade. Todos tinham como exemplo o então presidente da República, que se esforçava para demonstrar tudo de tosco e vulgar que uma pessoa pode atingir.

Tenho escrito muito sobre o imensurável prejuízo à imagem internacional nesse período em que o país foi elevado à condição de pária, que envergonhava a todo cidadão de bom senso. E, claro, o desmantelamento do Estado em todas as áreas fez o país andar algumas quadras para trás.

A instalação de um projeto fascista passa, necessariamente, por certa idiotização dos fanáticos. Os fermentos do governo são a mentira e a desinformação; os temperos, o ódio e a violência.

No meio de tantos desatinos, o país precisa crescer e voltar a ter estabilidade para a implementação de políticas sociais que possam tirar o país do precipício em que foi jogado. Temos a consciência que, para impedir a reeleição que consolidaria o projeto fascista de destruição de todas as conquistas civilizatórias, foi necessário fazer um leque muito amplo de apoio ao presidente Lula. Era efetivamente a luta da civilização contra a barbárie.

Para impedir a implantação definitiva do caos, foi preciso fazer um esforço conjunto com grupos políticos que, numa situação de normalidade democrática, não se sentariam à mesma mesa. Com maturidade política, o presidente Lula fez as costuras necessárias para que a democracia saísse vitoriosa das urnas.

Passado o 1º momento com a espetacular vitória, não houve sequer tempo de comemorar. Com 8 dias de governo, os fascistas tentaram um golpe de Estado para implementar no Brasil um regime de exceção. Ali, se constatou que toda a política de violência, desinformação, fake news, ódio e desagregação social visava a derrotar a democracia e instalar uma ditadura.

Não existe meio termo. Quem ousa contra o Estado democrático de direito, quer fazer valer um regime de força. As instituições brasileiras, especialmente o Judiciário, reagiram à altura e estamos conseguindo manter a institucionalidade.

O país sairá mais forte e hígido se conseguir derrotar as armadilhas criadas pela irresponsabilidade daqueles 4 anos de desgoverno. Para tanto, é preciso responsabilizar, inclusive criminalmente, todos os responsáveis pela quase destruição das nossas estruturas democráticas, sem deixar de investigar a sério quem quer que seja.

Penso, porém, que esse enfrentamento deve ser feito com absoluto respeito às normas e garantias constitucionais e com inteligência emocional para desmantelar os grupos que se apoderaram do Estado. O excesso de escândalos criminais que estão vindo à tona por parte dos bolsonaristas vai cristalizando uma sensação de que a prisão do ex-presidente é inexorável e se aproxima.

Antes todos perguntavam: onde está Queiroz? Hoje, antes mesmo de conseguir responsabilizar o Queiroz, o país aposta para saber quando será a prisão de Bolsonaro. A impressão que está tomando corpo é de que uma nuvem tóxica está se espalhando pela sociedade e os sucessivos escândalos tiram o ar e a capacidade de raciocinar com clareza. Uma venda espessa está dificultando a visão. Lembremo-nos de Pessoa, no “Livro do Desassossego”:

“Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.”

Com um país ainda dividido, com as garras do fascismo mantidas afiadas por uma parte dos brasileiros, até a divisão racista do Sul com o Nordeste é objeto de proposta dos bolsonaristas.

Penso ser necessário esgotar, com cuidado e até parcimônia, a fase de investigação dos inúmeros crimes. Sem nenhuma complacência, mas com extremo rigor na ampla defesa, na presunção de inocência, no devido processo legal.

É imperativo ampliar o rol dos crimes investigados e voltar a atenção para os que foram cometidos durante a pandemia, especialmente os que culminaram no 8 de Janeiro, o dia da infâmia. Claro, sem deixar de aprofundar nos escândalos da hora. Entretanto, sem a necessidade de prisão agora dessas autoridades, inclusive do ex-presidente, salvo se for absolutamente imprescindível.

Por tudo que acompanho, a condenação virá em mais de um processo. E aí, cumpridos os ritos, a segregação estará justificada. Porém, se vier como resultado do arrastão que move o país, antes da condenação definitiva, nós possibilitaremos um discurso desses seres escatológicos, que servirá para dividir ainda mais o país e alimentar a cadela do fascismo.

A prisão não é e nunca será a solução dos graves problemas pelos quais passa o Brasil. É necessário ter a certeza de que haverá a aplicação da lei e que os criminosos serão responsabilizados, mas sem atropelos aos direitos pelos quais sempre lutamos. Até em homenagem à nossa coerência constitucional.

Remeto-me à Sophia de Mello Breyner, no poema “O Velho Abutre”:

“O velho abutre é sábio e alisa as suas penas.
A podridão lhe agrada e seus discursos têm o dom de tornar as almas mais pequenas.”

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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