Por Luiz Carlos Prestes Filho

Em entrevista exclusiva para o jornal Tribuna da Imprensa Livre o engenheiro, diretor da Escola de Políticas Públicas e Gestão Governamental (IUPERJ) da Universidade Cândido Mendes (UCAM) e ex-deputado federal, Luiz Alfredo Salomão, oferece um amplo panorama sobre a situação política e econômica brasileira.

Luiz Carlos Prestes Filho: Na sua opinião, qual foi o impacto da Convid 19 para o mundo, Brasil e, especificamente, para o Estado do Rio de Janeiro?

Luiz Alfredo Salomão: Acho que devemos tratar dos “vários” impactos do COVID 19 no mundo: sanitário, ambiental, econômico e político, entre outros (mudança cultural, solidariedade social, repercussão política de longo prazo etc.). Seria muito extenso e pretensioso falar dos impactos para o mundo, porque a diversidade de situações levaria a um conjunto não-enumerável de casos. Vou me restringir ao Brasil e ao Estado do Rio de Janeiro. No caso do Brasil, ficou comprovada, de um lado, a incapacidade do atual Presidente da República de governar um país complexo como o nosso, com um sistema de comunicação diversificado e poderoso, porque constituído de oligopólios muito fortes. Por outro lado, ficou demonstrada a indispensabilidade do Estado para atuar em emergências, destacando-se o papel do SUS que, apesar de maltratado pela falta de verbas, salvou milhares de vítimas da doença, graças à dedicação heroica de seus profissionais de saúde. A distribuição do chamado Auxílio Emergencial, apesar das falhas clamorosas, só foi possível porque havia um banco estatal com capacidade e estrutura para administrar um sistema de pagamentos de mais de 50 milhões de pessoas. Enfim, o Estado mostrou-se essencial. Porém, por incapacidade administrativa e política do governo federal, o Estado se mostrou inteiramente desarticulado, com cada governante, estadual, municipal e o federal remando numa direção diferente e provocando o caos. O elevado número de infectados e de mortos é resultado desta desarticulação. No caso do Estado Rio de Janeiro a situação é ainda mais grave porque se instalou uma quadrilha na área pública da Saúde. Não só tentaram desviar recursos públicos, com fraudes em licitações, como não montaram a infraestrutura de emergência necessária para socorrer a população. Só um impeachment resolve o caso do Estado do Rio de Janeiro. No município da Capital, onde acontece a chamada “tempestade perfeita” (péssimos governos nos 3 níveis: federal, estadual e municipal), o quadro não foi tão dramático, com o alcaide carioca se saindo razoavelmente bem, até o momento de promover a liberalização das restrições. Aparentemente foi sôfrego em liberar as atividades restritas para agradar ao Governo Federal… Vamos ver quanto isso vai custar em matéria de contaminação da população. Os impactos financeiros são terríveis em função da queda da arrecadação, de uma queda na produção esperada da ordem de 10% do PIB e, pelo lado oposto, um aumento acentuado nas despesas extraordinárias na Saúde. O mais gritante, porém, foram as dimensões da desigualdade social no Brasil… Rasgou-se a fantasia e surgiu, nua e crua, a realidade social da nossa população mais sofrida. Agora as pessoas sabem que 60 milhões de pessoas não tem água tratada em casa e que 120 milhões não têm serviços de esgotos sanitários…

Prestes Filho: Como experiente legislador, deputado federal constituinte, você tinha alguma previsão para a situação que se apresentou?

Salomão: Eu não tinha não. Acho que ninguém imaginou que isto pudesse acontecer em pleno Século XXI… Mas o pior é que ficou claro que isto pode se reproduzir no futuro de forma igualmente imprevisível. Eu li recentemente o livro de James Lovelock, um sábio inglês de mais de 100 anos de idade. Ele fala de cataclismas que poderiam acontecer em breve: um choque de um grande meteorito com a terra, o surgimento de uma nova pandemia, e eu acrescentaria alterações violentas no comportamento da Terra, seu núcleo, sua crosta etc… e se os homens teriam capacidade de se prevenir destas ocorrências excepcionais? O COVID 19, pelo visto, vamos dominar em breve, com novas vacinas e novas terapias. Mas e os próximos vírus, bactérias e fungos que sairão do controle por fatores ambientais ou outros? Ninguém tem capacidade de prever isto.

Prestes Filho: Quais são os principais aspectos positivos que você identificou durante a pandemia?

Salomão: A manifestação de alteridade de muitos seres humanos, que demonstraram ser capazes de se solidarizar com os mais humildes. É verdade que muitas empresas procuraram melhorar suas imagens junto ao público, e fazem marketing através de doações. Não importa, antes disso elas não se importavam de viver numa nação tão injusta. Tomara que tais hábitos se tornem permanentes e corriqueiros e que a população valorize as marcas que cuidam do meio ambiente, da redução da desigualdade, que consentem o racismo, o sexismo e outros preconceitos.

Prestes Filho: Quais são os principais aspectos negativos da pandemia?

Salomão: Primeiro, as vítimas fatais. Perdi minha sogra, que já era uma senhora de idade avançada. Mas você não se conforma com o seu desaparecimento por causa de um vírus que circula livremente por todo o Brasil. Depois, a perda de milhões de empregos e a falta de alternativas para gerar renda de grande parte da população mais humilde. As imposições de mudanças sociais de comportamento, consumo, etc. Eu acho que são negativas, mas podem ter algum resultado benéfico também. Ficou evidenciado que o consumo desenfreado é desnecessário e tende a esgotar os recursos naturais do planeta.

Prestes Filho: As mudanças no campo da saúde e educação vão demorar para acontecer?

Salomão: O homem é um animal muito habilidoso. Já estão ocorrendo mudanças no campo da saúde e da Educação que vão ficar mesmo depois de passar a crise. A Educação à distância está avançando no Brasil como nunca antes. As pessoas vão se cuidar mais, melhorando a atenção para a saúde. Os governos vão se dar conta de que não podem fazer ajuste fiscal às custas dos riscos para a saúde da população. Tem que investir em Saúde e Educação para ser reconhecido como bom governante. Não adianta só prometer ou cuidar de questões pouco relevantes como desta baboseira de Escola Sem Partido.

Prestes Filho: O neoliberalismo sempre apostou no Estado pequeno. Durante a pandemia verificamos que sem o Estado grande não teríamos como resolver questões básicas. Seria o fracasso do neoliberalismo?

Salomão: O neoliberalismo nunca teve chance de sucesso, portanto, não posso falar de fracasso de algo que sempre esteve fadado ao insucesso. Isto é uma ideologia dos ricos e poderosos para se tornarem mais ricos e poderosos. O problema é que uma casta média aproveita para ganhar dinheiro escrevendo, fazendo discurso e pregando as ideias neoliberais, que são ridículas para quem conhece a realidade, que lida com a população no concreto. Ficar fazendo raciocínios econômicos teóricos apenas com números, sem as pessoas de carne e osso, é uma atividade anti-humana. Cada dia aumenta minha ojeriza por esta gente, neoliberal.

Prestes Filho: As forças progressistas tem História no Brasil. Porque não conseguem se articular para viabilizar um programa em defesa dos interesses e dos movimentos populares?

Salomão: Ah isso é muito complicado. No momento, temos as vaidades e os personalismos atrapalhando esta articulação. Mas me parece inevitável que ela vá acontecer se este governo permanecer errando com a frequência e a profundidade como vinha fazendo até o final de junho. Ele não se aguenta.

Prestes Filho: O mundo vai mudar após a pandemia da Covd 19, o Rio vai mudar. Quais serão as principais mudanças que você prevê na área de políticas públicas?

Salomão: O que posso dizer, resumidamente, é que as mudanças em curso na economia e na sociedade, em função da Transformação Digital, mas não apenas dela, com fortes impactos no Mundo do Trabalho, vão provocar uma hecatombe na política. Menos postos de trabalho tal qual os conhecemos hoje (relações trabalhistas convencionais e estáveis, com os salários mensais e benefícios sociais atuais, jornada fixa, sindicatos etc.), tudo isso tende a mudar drasticamente. O chamado “trabalho em casa” vai se consolidar, modificando os espaços arquitetônicos das empresas, o deslocamento diário casa-trabalho-casa etc. Então, é preciso estar atento aos governantes municipais que vão ser escolhidos em outubro e novembro próximos. É preciso escolher gente que tenha a cabeça aberta para as muitas mutações sociais (e políticas) que vão ocorrer. Espero que dentre elas venha também uma desmoralização desta DIREITA ODIENDA e INTOLERANTE, cheia de preconceitos e visões malucas: negacionistas, terraplanistas, criacionistas. Gente que não acredita na Ciência e usa a Bíblia, um livro escrito há cerca de 2000 anos, não se conhecendo o(s) autor(es), para fundamentar suas ideias absurdas. Antigamente eu era tolerante com o direito de crença… cada um teria o direito de ter a que bem entendesse. Hoje, já acho que tem de capitular como praticantes de crimes alguns destes aloprados.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).