Por Siro Darlan

Não é apenas o COVID 19 que maltrata os cidadãos brasileiros.

Há outras pragas impregnadas na cultura escravocrata que rouba dos irmãos negros o direito a uma cidadania plena. Não há democracia sem liberdade e igualdade A seletividade com que se aplica o direito penal nesse país demonstra que os brancos colonizadores não se conformaram com a notícia do edito da Princesa Isabel e reagem até o presente momento, oferecendo aos negros e negras a cadeia (senzala da modernidade) ou o cemitério (maios taxa de assassinados).

Em tempos de negação da ciência e de terraplanismo não é aceitável que até a Academia demonstre seu racismo estrutural de forma tão atrasada e cruel. A Nota do Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ solicitando a investigação de caso de racismo no Departamento de Ciência Política do IFCS/UFRJ é estarrecedor e constrangedor para uma das mais respeitáveis instituições de ensino do país.

O Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ vem a público se manifestar em solidariedade ao professor Wallace dos Santos de Moraes e solicitar providências da Universidade para apuração de fatos envolvendo situação de discriminação racial quanto à participação do mesmo em comissão julgadora do concurso para provimento de vaga de professor adjunto do referido Departamento regido pelo Edital UFRJ nº 953, de 20 de dezembro de 2019 MC 064.

Em reunião extraordinária do Departamento de Ciência Política da UFRJ, ocorrida no dia 11 de agosto de 2021 às 9:30h, por meio remoto (https://meet.google.com/pny-udfr-qwz), para escolha da banca examinadora do concurso para provimento de vaga de professor adjunto, foram praticadas condutas desrespeitosas em relação ao prof. Wallace de Moraes pelos professores Josué Medeiros, Thaís Aguiar (Chefe de Departamento) e Pedro Lima (Substituto eventual da Chefia), todos do Departamento de Ciência Política da UFRJ.

Consta da NOTA que na ocasião, cinco membros do Departamento indicaram o prof. Wallace para participar como membro da unidade da UFRJ na banca de seleção do certame. A escolha se deu em função deste professor possuir conhecimentos acadêmicos e formação na área do concurso. Ademais, é professor Associado II, portanto atende às exigências administrativas e acadêmicas para compor a citada banca. Todavia, nesta reunião, o prof. Josué Medeiros passou a desqualificar a personalidade do professor Wallace, alegando que o mesmo não possuía qualidades para exercer a função de membro de banca de concurso, negando sua participação. Assim, atribuiu ao professor a condição de “brigão, desequilibrado, sem condições emocionais, e que constantemente se vitimizava por ser negro”.

Depois de todos esses ataques discriminatórios, a Chefe do Departamento (prof.ª Thaís Aguiar), bem como seu substituto eventual (prof. Pedro Lima), que dirigiam a plenária, não só não tomaram nenhuma atitude de repulsa às discriminações, como fizeram questão de apoiar o professor Josué Medeiros em seus argumentos, ratificando que um membro “desequilibrado” não poderia compor a banca do concurso.

Os pronunciamentos de alguns professores em contrário a esses atos de discriminação com relação ao prof. Wallace, único negro do Departamento, não surtiram efeito e a maioria vetou sua participação na banca. Indagam os autores da NOTA: “Por que, o professor Wallace, com a qualificação exigida para tal, não foi incluído na composição dessa banca?”

É importante frisar que supostas valorações subjetivas infundadas acerca de um servidor público não podem servir de impedimento para negar sua participação em uma banca, nem permitir a propagação de injúrias e difamações no âmbito da Universidade.

O professor cumpria todos os requisitos acadêmicos para tal, isto é, atendia às exigências do certame. Ainda assim, seu nome foi preterido para a composição da banca e o Departamento de Ciência Política deliberou por aprovar uma comissão julgadora composta por nomes inteiramente externos à UFRJ.

Professor Wallace de Moraes, o único docente negro do Departamento, com competência para exercício da atividade, sofreu além disso, ataques pessoais desferidos pelo professor Josué Medeiros. Este professor questionou a capacidade psicológica de Wallace e apresentou como justificativa à interdição de seu nome a alegação de que Wallace se “vitimizava” por ser negro, fazendo referência pejorativa a importantes debates levantados pelo professor sobre o racismo estrutural no Brasil.

Argumentos desqualificadores e as tentativas de frear a voz de quem se coloca na luta contra o racismo – como a vivida pelo professor Wallace de Moraes – embora frequentemente silenciados por quem sofre essas agressões, são corriqueiros nas Instituições de Ensino Superior, vitimando docentes, funcionários terceirizados, técnico-administrativos e discentes. Já foi o tempo do silêncio. É preciso dar um basta. Não ficaremos mais calados.

Quando se tem em mente que o racismo estrutural, agravado na sua manifestação institucional, ao se tomar conhecimento de qualquer situação de discriminação, a autoridade pública deve atuar no sentido de averiguar a realidade dos fatos com os mecanismos administrativos existentes e aplicáveis para tanto e imediatamente adotar atitudes adequadas contra quem foi o causador dessa situação. Nesse sentido, o Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ, diante da evidência de RACISMO e DESQUALIFICAÇÃO pessoal do professor Wallace de Moraes, torna indispensável a presente manifestação em sua defesa e de todos os demais docentes negras e negros, que são atingidos indiretamente pelo acontecimento.

Fazemos isso a partir de valores de colaboração, solidariedade, reconhecimento e respeito às diferenças. Em defesa da vida, da dignidade e de direitos arduamente conquistados, irrenunciáveis e inegociáveis por uma sociedade livre do racismo que tem nos afetado moral, emocional, física, cultural, política e economicamente.

Dessa forma, sendo implementadas condutas específicas pelo docente que foi alijado na situação ocorrida no Departamento de Ciência Política do IFCS/UFRJ, vem este Coletivo se solidarizar com o mesmo e também requerer que sejam implementadas as devidas condutas investigativas e de verificação pela Administração Superior da UFRJ, bem como pela Direção do IFCS/UFRJ, para que seja levantada a realidade dos fatos ocorridos e, em sendo verificados os fatos apontados aqui como RACISMO e/ou DISCRIMINAÇÃO/DESQUALIFICAÇÃO, que possam ser tomadas as medida legais e administrativas cabíveis para a punição dos autores do fato, dentro das regras que balizam a vida acadêmica da UFRJ. Importa, por fim, destacar que a Resolução Consuni 15/2020 estabelece a necessária recomendação quanto à diversidade de raça e gênero em comissões julgadoras de concursos.

As mudanças históricas e sociais no aspecto do RACISMO ESTRUTURAL e INSTITUCIONAL precisam ser objeto de adequada verificação, pois a extirpação dessas condutas deletérias de racismo não se faz apenas com denúncias ou com repúdio moral ao crime de racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas efetivas, implementação de políticas públicas eficazes e da adoção de práticas antirracistas que estejam presentes em todos os aspectos das relações de poder que existam na estrutura da Universidade.

Portanto, nós, Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ, conclamamos os mais diversos segmentos da UFRJ a reafirmarem o compromisso com a resistência e a luta antirracista, pois não somos e não seremos coniventes com posturas que ferem os direitos da pessoa humana, que ferem a nossa Constituição, o Estatuto do Servidor Público, fomentando-se práticas que fogem ao interesse público, ao respeito à diversidade, à pluralidade, mantendo-se práticas que têm produzido assimetrias e desrespeitos aos mais sublimes preceitos de igualdade, respeito e convívio urbano no interior da nossa Instituição. Não aceitaremos! Seguimos enfrentando as opressões que produzem desigualdades que atingem diretamente nossas existências.

A Tribuna de Imprensa Livre, fiel a seu compromisso democrático com os seus leitores e amigos presta sua solidariedade ao Professor Wallace de Morais e ao Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ e pede que os fatos sejam apurados e aplicada a Justiça.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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