Por Siro Darlan –

A independência judicial é um pré-requisito do estado de Direito e uma garantia fundamental de um julgamento justo.

Pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisas Judiciais (CPJ) da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em parceria com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) e a Federação Latinoamericana de Magistrados (Flam) constata que 50% dos magistrados brasileiros afirmam que já sofreram ameaça à sua vida e integridade física em virtude do exercício da função pública. Somente a Bolívia possui um índice mais elevado na América Latina, de 65%. Nos demais países, a média fica entre 30% e 40%. Apenas Chile e Equador têm níveis inferiores a 25%. Ainda conforme a pesquisa, apenas 20% dos magistrados do Brasil se sentem totalmente seguros, enquanto 15% se sentem totalmente inseguros.

No Brasil, atualmente, cerca de 200 juízes convivem com a ameaça diária em razão de seu oficio em varas criminais. A ameaça, às vezes direta, outras, de forma velada, ou terceirizada na figura de um familiar, passou a causar desconforto a quem atua no combate ao crime organizado. Com o assassinato frio da juíza da 4.ª Vara Criminal de São Gonçalo/ RJ, Patrícia Acioli, em agosto de 2011, a segurança de magistrados voltou à pauta de discussões das principais agendas do país, levando a uma reação do Executivo. A resposta às investidas pesadas das organizações criminosas veio em forma de lei. Considerada um avanço para uns, e sem efeitos práticos ou letra morta para outros, a Lei 12.694/2012, conhecida como a Lei de Segurança de Magistrados.

Somada a essa insegurança pessoal, a partir do advento da “lava-jato”, e do desmonte das garantias constitucionais através da perseguição de pessoas com o uso das leis e dos instrumentos judiciais criados como a colaboração premiada e a delação a insegurança dos juízes atinge a própria independência funcional, uma das garantias constitucionais mais caras à democracia.

Segundo a Convenção Americana sobre direitos humanos, “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

De acordo com esse mesmo Tratado de Direito Internacional, os Estados Partes comprometem-se a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso. Um Judiciário de incontestável integridade é a instituição base, essencial, para assegurar a conformidade entre a democracia e a lei. Mesmo quando todas as restantes proteções falham, ele fornece uma barreira protetora ao público contra quaisquer violações de seus direitos e liberdades garantidos pela lei.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece como fundamental o princípio de que todos têm o direito em completa igualdade a um julgamento justo e público por um tribunal independente e imparcial, na determinação de direitos e de qualquer acusação penal.

Portanto, não haverá democracia, se os juízes não tiverem independência para dizer o direito de acordo com a correta interpretação das leis e da Constituição. Nos dias de hoje, além das ameaças que sofrem os juízes em sua integridade física, diversos magistrados vem sendo perseguidos por seu modo de interpretar o direito, evitando prisões indevidas num país marcado pelo racismo estrutural, onde habitam os porões marcados pelo estado de coisa inconstitucional os pobres e predominantemente os pretos.

Uma legislação que utiliza-se do proibicionismo das drogas para perseguir, prender e matar moradores das favelas e periferias.

Helicóptero da polícia sobrevoando uma favela carioca. (Agência Brasil)

A Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos garante que todas as pessoas serão iguais perante as cortes e que na determinação de qualquer acusação criminal ou de direitos e obrigações em um processo todos terão o direito, sem nenhum adiamento injustificado, a um julgamento público e justo por um tribunal competente, independente e imparcial estabelecido pela lei.

O Professor Conrado Hübner Mendes Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade – SBPC afirmou em artigo publicado recentemente que: “Todos os réus são iguais, mas alguns réus são mais iguais do que outros. Na “Revolução dos Bichos”, os porcos se declaram “mais iguais do que outros” para demarcar sua distinção na comunidade. Na bruta vida brasileira, poderosos podem contar com o Judiciário para se fazerem mais iguais como os porcos da fábula de George Orwell. Daniel Dantas, Jacob Barata, Edmar Cid Ferreira, Salvatore Cacciola, políticos de todo o espectro e outros sócios eméritos da confraria dos habeas corpus a jato no STF demonstraram o caminho. Enquanto miseráveis dos furtos de miojo e xampu, do “gato” para ter luz no barraco ou do porte de gramas de maconha esperam meses na fila do habeas corpus, outros têm entrada na via do HC express. A fila vip nem fila é. Costuma levar horas, a depender do ministro”.

Essa forma desigual de tratamento promovido por alguns tribunais e magistrados fere de morte não apenas o devido processo legal, mas o próprio sistema democrático de distribuição da justiça. A razão por que a independência judicial é de grande importância pública é que uma sociedade livre somente existe até onde é governada pela norma legal … a regra que obriga governantes e governados, ministrada imparcialmente e tratando igualmente todos aqueles que procuram seus recursos ou contra quem seus recursos forem ministrados.

Conquanto vagamente possa ser percebida, conquanto possa ser o pensamento inarticulado, há uma aspiração nos corações de todos os homens e mulheres para a norma legal. Essa aspiração depende, para sua realização, de um competente e imparcial aplicação da lei pelos juízes. No sentido de desempenhar essa responsabilidade, é essencial que os juízes sejam, e sejam vistos, como sendo independentes. Mas as decisões modernas são tão variadas e importantes que a independência deve ser predicado de qualquer influência que possa tender, ou ser razoavelmente pensada como tendente, a um desejo de imparcialidade na decisão feita.

Prossegue o Professor Conrado Mendes: “A distribuição desigual do direito de defesa é lei sociológica tão mais infalível quanto mais desigual e institucionalmente precária a sociedade. Onde o Estado de Direito não consegue mais do que administrar vantagens e injustiças, conforme a capacidade de pagar por serviço legal, tribunais viram casas de leilão de direitos”.

É ser essencial que juízes, individual e coletivamente, respeitem e honrem o cargo com uma confiança pública e esforcem-se em realçar e manter a confiança no sistema judicial. Um juiz deve considerar ser obrigação dele ou dela não apenas observar altos padrões de conduta, mas também atuar para estabelecer, manter e defender coletivamente esses padrões. Mesmo uma ocorrência de comportamento judicial inadequado pode irreparavelmente ferir a autoridade moral da corte.

O princípio da independência do Judiciário dá o direito e exige que o Judiciário assegure que os processos judiciais serão conduzidos imparcialmente e que os direitos das partes serão respeitados. Contudo, quando magistrados são coagidos por regras infra legais que proíbem a visita de magistrados ás prisões, vedam sua livre manifestação do pensamento, tolhem o exercício da cidadania, a distribuição da justiça estará seriamente ameaçada por juízes que não exercitam sua independência funcional.

A independência judicial é um pré-requisito do estado de Direito e uma garantia fundamental de um julgamento justo. Um juiz, consequentemente, deverá apoiar e ser o exemplo da independência judicial tanto no seu aspecto individual quanto no aspecto institucional.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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