Por José Carlos de Assis –

O Ocidente pode parar com a guerra na Ucrânia de forma imediata.

Basta um acordo entre França, Alemanha e Itália para pararem de enviar armas para Kiev e desse modo forçá-la a ir para a mesa de negociações com os russos. É que, sem as armas europeias, a OTAN fica parcialmente imobilizada nos seus esforços para manter a guerra. Diante disso, a Ucrânia não poderia continuar com o que o que o chanceler russo Sergey Lavrov chama de “guerra por procuração” dos EUA contra a Rússia.

Isso só seria possível, porém, mediante um acordo prévio com Moscou no sentido de que também ela fosse levada à mesa de negociações. Não seria tão difícil assim se o preço a pagar pela suspensão dos bombardeios fosse a suspensão também das sanções ocidentais contra a Rússia, levando à formalização de um tratado de segurança mútua com o compromisso perpétuo de que nem ela nem a Ucrânia usem seus territórios como base de ataques bélicos ou virtuais uma à outra.

Nesse contexto, a palavra final sobre o fim da guerra caberia aos americanos. Eles poderiam continuar fornecendo armas a Kiev a despeito da retirada dos europeus de uma posição de vanguarda no conflito. Entretanto, seria um desastre para eles próprios. Teriam de continuar despejando bilhões de dólares para sustentar a guerra no Norte da Europa a despeito de uma rejeição crescente por parte do povo europeu, sacrificado por suas consequências econômicas e sociais, sem termo à vista.

Além disso, o Tesouro americano está combalido. Se mantiver, como fez durante a guerra do Vietnã, o financiamento aos gastos bélicos na Ucrânia pela simples emissão monetária sem lastro no aumento da produção, continuará havendo forte tendência inflacionária dentro do próprio país e de desvalorização do dólar fora. Os chineses, em consequência, progressivamente terão de retirar de aplicações no exterior, sobretudo nos EUA, cerca de 3,2 trilhões de dólares que têm em reservas!

As relações financeiras internacionais ficariam abaladas e desequilibradas. E a transição de hegemonia econômica mundial dos EUA para a China, já iniciada devido à força produtiva chinesa, seria acelerada. Washington não teria para onde correr. O povo americano sofreria consequências brutais, em termos de aumento da inflação, devida a uma guerra que não é dele, mas de um presidente-palhaço irresponsável que inventou o conflito por conta de sua obsessão em entrar para a OTAN.

Claro, com a retirada da França, da Alemanha e da Itália do financiamento a Kiev, a OTAN explode. O mundo voltará ao ponto que Mikhail Gorbachev, ao aceitar a dissolução do Pacto de Varsóvia, pretendia que as relações internacionais fossem conduzidas de 1999 em diante. Foi traído por George Bush. O presidente americano, que acrescentou a seu pretensioso discurso sobre o fim da URSS que os EUA haviam “vencido” a Guerra Fria, omitiu cinicamente a contribuição russa ao processo de paz.

Entretanto, a explosão da OTAN é um imperativo para a salvação do Ocidente e do mundo. A Europa Ocidental está esmagada por três crises: a guerra no Norte, a crise social migratória e a crise das mudanças climáticas. É só sobre a primeira que ela tem ainda algum grau de controle no momento, caso retire seu apoio militar à Ucrânia. Sobre as outras poderia ter algum controle, porém de forma restrita, só a médio ou longo prazos. E isso depende de decisões econômicas imediatas e responsáveis.

A principal está no campo econômico. Em artigo anterior, apontei que o desafio planetário hoje consiste em substituir a guerra pela paz, baseada esta em relações econômicas e comerciais justas entre os povos. Para isso, pretende-se construir, no Brasil, uma feira permanente de comércio, negócios e serviços da América Latina, denominada LatinRio, que se sugere venha a se constituir como franquia a ser replicada na forma do Cinturão de Comércio Internacional do BRICS e fora desse bloco.

Esse Cinturão, acoplado à iniciativa chinesa do Cinturão e Rota, tem potencial para se tornar o mais poderoso instrumento de desenvolvimento econômico mundial em nossa era. Nessa condição, estabelecerá um caminho para a Europa Ocidental enfrentar o desafio do monstruoso legado do colonialismo, as correntes migratórias que hoje entopem os espaços habitacionais urbanos principalmente da França, da Alemanha e da Itália – justamente os países que têm a chave para explodir a OTAN.

É que as migrações de africanos e asiáticos, hoje, para a Europa se devem às condições miseráveis de povos anteriormente colonizados pelas antigas metrópoles europeias. A Europa lhes deve uma compensação pela humilhação política e pelos processos de extrema exploração econômica a que foram expostos secularmente. Sem ela, terão de conviver com as consequências do legado de fome que deixaram para trás depois do fim forçado do colonialismo após a Segunda Guerra Mundial.

Portanto, uma solução recíproca para o problema migratório da Europa pressupõe o desenvolvimento econômico e social dos povos anteriormente colonizados. Com condições econômicas e sociais dignas, nos países de origem, não há pressão migratória para fora deles. Portanto, que a Europa substitua suas ações de guerra para iniciativas de paz. E que comece justamente pondo fim a sua intervenção deletéria na guerra da Ucrânia, promovendo iniciativas pacíficas com Lula, Xi Jinping e o Papa.

Lula e Xi Jinping. (Ricardo Stuckert/PR)

O terceiro desafio, este planetário, tem que ser enfrentado também com fortes instrumentos econômicos. Trata-se das mudanças climáticas. Isso não será possível sem os processos de conversão energética e de combate à poluição, e custará muito dinheiro. Os países pobres e em desenvolvimento terão de ser auxiliados com esse objetivo, porque não têm recursos próprios para atacá-los integralmente. A responsabilidade principal é dos ricos, que, se não reagirem, afundarão juntos com o mundo.

Um esforço científico concentrado, e uma aliança empresarial responsável, em escala mundial, deverão liderar a conversão para energias limpas e renováveis da indústria do petróleo, da indústria automobilística, da siderurgia e de outros processos industriais e de serviços com forte emissão de CO2. É fundamental que, acima da retórica, instrumentos de coerção econômica sejam utilizados para assegurar que os objetivos de combate às mudanças climáticas estabelecidos pela ONU sejam cumpridos.

Igualmente nesse caso o Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, ampliado para o mundo, pode desempenhar uma função extremamente importante. As feiras permanentes nele previstas deverão difundir as tecnologias e as práticas contra a poluição favoráveis a ações preventivas que venham a influir, dessas e de outras formas, na desaceleração das mudanças climáticas. Isso será o lastro objetivo da responsabilidade subjetiva em busca de um mundo com menos riscos para a Humanidade.

Convém insistir, porém, que nada disso é possível sem a suspensão imediata da guerra na Ucrânia, e sem um acordo de paz estável entre o Kremlin e Kiev.

Aqui também vale a pena repetir algo em que tem insistido o presidente chinês Xi Jinping, e replicado várias vezes pelo presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva: o mundo não deve voltar à política de blocos. É perigoso demais numa era de armas nucleares e de destruição em massa. E é o momento, enfim, de assegurar a paz perpétua de Kant!

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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