Por Lincoln Penna

Foi assim que o general Luiz Ramos, ministro-chefe da Casa Civil, referiu-se à decisão do comandante do Exército general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira ao não punir o ex-ministro da saúde, general Pazuello.

Há quem pondere que a frase do ministro da Casa Civil se fundamenta na hipótese de uma decisão condenatória da atitude política de Pazuello respingar sobre o comandante em chefe das Forças Armadas, o próprio presidente Bolsonaro, tal como reza a Constituição. Logo, ao punir o ato indisciplinar previsto no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), ambos, Pazuello e Bolsonaro seriam atingidos, ainda que um diretamente e o outro indiretamente, além deste, Bolsonaro, ter a faculdade de anular o ato do general comandante.

Mas há quem também se refira à insatisfação de Bolsonaro em ter como comandante do Exército alguém com perfil profissional e pouco afeito a tornar-se subserviente ao presidente, que ao afastar o seu antecessor, general Pujol, teve de contentar-se com o atual comandante. Logo, a punição deste serviria de pretexto para um novo afastamento. Desta vez de iniciativa do general Paulo Sérgio, que muito certamente não aceitaria uma decisão revogatória de seu ato de punição. Com isso, criaram-se expectativas das mais tensas no ambiente militar fosse qual fosse o resultado desse impasse político e militar.

A frase acima que serve de título a este artigo guarda aparentemente sentido.

Pensar numa saída que embora não resolva o panorama de tensão e afetado a credibilidade das instituições, a começar pelo Exército nacional, é uma solução conciliatória para o impasse. Só que o tempo em que vivemos demanda decisões não somente seguras como de resultados e implicações imediatas. E a decisão tomada pelo comandante do Exército, com a excessiva cautela que a situação impunha, conspira para que a crise instalada permaneça sangrando as partes envolvidas.

Nada se compara em nossa história, se quisermos encontrar embaraços dessa natureza. Invocar como se tem feito na imprensa com o caso do coronel Bizarria Mamede na crise de 1955, que resultou no contragolpe preventivo do general Henrique Teixeira Lott, diante da iminência de se impedir mediante um golpe a posse do candidato eleito à presidência da República Juscelino Kubitschek, é tão somente aludir a um caso que envolveu militares na política, mas que nada tem a ver com o atual.

A situação de Pazuello é inusitada por duas razões: ele faz parte de um governo que conta com um número expressivo de militares, o que por si só compromete os militares com os seus rumos. Logo, qualquer deslize desses militares é sempre comprometedor tendo em vista a credibilidade das Forças Armadas em geral. Além disso, trata-se de um oficial general da ativa, que resiste em solicitar sua passagem para a reserva. Esta é a segunda razão, não menos importante, pois se enquadra na configuração do RDE.

As crises militares ou tendo como protagonistas quadros militares sempre foram ações de militares que se desentenderam com governos.

Desta feita, o que acontece se dá no âmbito de um governo, que tem como marca maior justamente a presença de inúmeros militares. Assim, a começar com o contra-almirante Custódio José de Mello, que deu início à Revolta da Armada, passando pelas revoltas no seio da Escola Militar, e em seguida pelo ciclo do Tenentismo, sem falar das tentativas golpistas da década de cinquenta e do próprio golpe de 1964, todas afrontaram governos tendo os militares atuados na contramão desses governos ou sendo acionados por correntes político-partidárias e ideológicas a eles contrárias.

Agora não. É uma crise orgânica que arrasta os militares para perspectivas pouco satisfatórias, pois ou bem seus comandos adotam uma atitude proativa no sentido de dar um basta ao progressivo desgaste da corporação militar, ou acompanham o destino pouco alentador de um governo que só tem uma saída, a de se impor à revelia dos clamores populares que vem se avolumando. Daí, desde já o pronunciamento de cunho golpista do presidente Bolsonaro ao dizer que não aceitaria uma derrota nas próximas eleições previstas para o ano de 2022.

Positivamente, essa antecipação de uma ação golpista também não tem registro em nossa história plena de golpes, já que a tradição golpista é de articulações sigilosas quase silenciosas. Pensada terá de ser a oposição a este governo, a começar por deixar de lado as diferenças entre lideranças e apoiadores de candidaturas contrárias a Bolsonaro e sua tropa, atitudes que só levam à divisão.

É bom pensar na unidade de ação, quando está em jogo o destino daqueles que mais sofrem.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.