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EDITORIAL – Falsos messias e os estelionatários do caos
Editorial

EDITORIAL – Falsos messias e os estelionatários do caos

O que está acontecendo em São Paulo é um fenômeno grave, complexo e, não por acaso, está chamando a atenção de todo o Brasil, num processo eleitoral que não tem despertado, até aqui, maiores interesses na população pelo Brasil afora. Esta carta vai evitar repercutir nomes das figuras mais ou menos quentes em atuação na principal cidade do Brasil e procurar entender o fenômeno psicossocial que está por detrás do processo extremamente ameaçador da virtude democrática.

Para mim o que está acontecendo é a inevitável consequência de havermos substituído a política pelo ódio, e sua outra face, a paixão, no centro do debate no país.

O papel histórico das forças progressistas, e mais especificamente da esquerda, nem sempre foi o de controlar o poder. Aliás, quase nunca foi. Ainda assim é ao movimento de contestação ao “status quo”, e às denúncias das injustiças derivadas do egoísmo turbo capitalista, que a humanidade deve seus avanços maiores, ao longo do tempo, em direção a uma sociedade menos desigual.

As duas últimas décadas do século XX e estas duas primeiras décadas do século XXI marcaram o colapso desta dialética. A inteligência da luta de classes como motor da história, e as tensões da guerra fria no território europeu, marcaram o esforço sincrético que sociais-democratas e socialistas democráticos (entre nós foram os trabalhistas) fizeram, na busca de uma improvável conciliação entre a promessa generosa da igualdade oferecida na retórica comunista e a promessa igualmente encantadora e utópica da liberdade pelos liberais capitalistas.

O traço comum entre as duas correntes tem sido a aceitação da propriedade privada dos meios de produção, o liberalismo político com suas instituições, definitivamente vitoriosas, seja no pluralismo das organizações políticas, na liberdade de expressão e de sindicalização, ou no direito ao sufrágio universal, para mencionar as mais importantes.

Mas o compromisso de uns e de outros, neste esforço, era promover o estado de bem-estar social – o welfare state – através de estados nacionais fortes capazes de tributar o poder econômico de forma muito progressiva, e de redistribuir o produto desta arrecadação no financiamento da superação das desigualdades fatalmente produzidas pelo capitalismo em sua versão solta.

Funcionou relativamente bem! Por esta estratégia se produziram as maiores manchas de equidade na humanidade. Isso até surgir um produto industrial tão sofisticado quanto os do Atlântico Norte, vindo em volumes crescentes da Ásia, só que com uma institucionalidade diferente, pois, sem o compromisso social-democrata do welfare state, estes centros produtores asiáticos estavam desobrigados de grandes tributações e rígidas obrigações trabalhistas, o que lhes garantia melhor competitividade.

Esta novidade, mais o fim explícito do imperialismo colonial que gerava muitas riquezas para nações europeias (Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Bélgica, especialmente) levaram os europeus a perder a capacidade de competirem em terceiros mercados e, crescentemente, em seus próprios mercados domésticos.

Nasce, pragmaticamente, a perversão neoliberal. Se, como óbvio na realidade europeia, era o custo do estado a razão clara da perda de sua capacidade de competir, a resposta óbvia (embora tosca e impraticável) seria a redução do estado a uma dimensão mínima, desentranhando-o de qualquer “intromissão” no domínio econômico, ambiente em que “só o mercado sabe se comportar devidamente”.

À miséria residual da obra social-democrata, o neoliberalismo propôs a edição de políticas sociais compensatórias. Se eu fosse, neste contexto, um lorde inglês eu não teria tido nenhuma dificuldade de compreender, seja o problema, seja a solução, mesmo que esta se revelasse apressada e inconsequente, além, repito, de impraticável.

Acontece que sou da classe média brasileira e nunca pude concordar com este rumo, nem para eles, muito menos para nós. O problema deles nem de longe é o nosso, a solução para nós nem remotamente passa pelo receituário deles.

Mas Lula e o PT, o maior líder e a maior organização da esquerda brasileira, aderiram com casca e tudo a este receituário, em troca de serem aceitos pelo baronato brasileiro: o neoliberalismo como rendição ideológica.

Fizeram e fazem de conta que o Bolsa Família não nasceu do consenso de Washington, na lista de providências a serem unificadas pela humanidade naquilo que Fukuyama, um precário intelectual da moda, teve a coragem de chamar de “fim da história”.

Ou seja, dado que o colapso da União Soviética e a simbólica queda do muro de Berlim, demonstrariam a “virtude” das instituições do Atlântico Norte, ao “resto” da humanidade só restaria imitar estas instituições.

Que grande baboseira esta, logo nos ensinou a China!

Enorme equívoco, digo eu, amante mal correspondido deste país do Atlântico Sul, onde se dá a maior concentração de renda do mundo!

A partir desta deserção histórica, o Brasil passou a consolidar agravantes terríveis à concepção hegemônica neoliberal. Duas são mortais para nossa ideia de sermos uma nação, e não um grande acampamento, onde o crime organizado dá as cartas e não só no narcotráfico, nas facções ou milícias, mas especialmente numa classe impune de barões que subornou o poder político e confraterniza com um judiciário… esquisito, digamos assim.

São elas: o rentismo e a corrupção como linguagem central e não incidental da casta política, especialmente na relação completamente apodrecida entre a presidência da republica e as maiorias parlamentares ante a convivência de um judiciário… esquisito.

Fossemos ao menos neoliberais mesmo, vejam a tragédia, não seria o setor financeiro brasileiro organizado por Lula e pelo PT como um cartel em que, sem concorrência, 83% de todas as transações financeiras são controladas por apenas CINCO bancos! Esta era a quantidade de bancos que só o estado do Ceará tinha, quando Itamar Franco era o Presidente, para que se tenha um exemplo do que estou querendo dizer.

Sem concorrência, a economia paga os piores juros do mundo!

Este é o pano de fundo, ninguém duvide, da degradação da política entre nós. A democracia brasileira fracassou como resposta aos dramas da realidade popular. Quem for, ou meramente parecer ser, o mais anti “tudo isto que está aí”, vai ter crescente audiência popular.

Se estas reflexões iniciais não forem suficientes para entendermos a grande encruzilhada histórica em que o lulopetismo nos meteu, pensemos um pouco mais.

Direitos humanos, apoio à diversidade, meio ambiente, direitos trabalhistas, prestígio aos sindicatos, reforma agrária, direito à moradia, feminismo, combate ao preconceito e ao racismo, defesa do estado laico, distribuição de renda, tributação progressiva dos grandes patrimônios e rendas, democratização da mídia, apoio à cultura popular não comercial, ressocialização de condenados, e, acima de tudo, a promoção do desenvolvimento e da soberania nacionais pelo apoio central a uma indústria nacional, e a uma ciência e tecnologia nossas são temas cuja centralidade e pedagogia foram falseados, abandonados ou relegados à periferia do poder real por Lula, pelo PT e seus puxadinhos.

No lugar, surgiu um festival oportunista e sem nenhuma credibilidade, de bajulações aos antivalores que combatemos historicamente no mundo e na história.

Bajular o mercado financeiro e a cleptocracia instalada na política ocupam mais de 3/5 das energias de Lula, de Haddad, e do centro do governo, enquanto patéticas figuras adjetivas fazem turismo no estrangeiro, com dinheiro alheio, falando das falsas maravilhas do governo Lula em questões trágicas tipo meio ambiente, populações indígenas, população carcerária, igualdade racial, por exemplo.

Ao mesmo tempo, Lula e o PT desenvolvem estratégias para bajular a deformação eleitoral da respeitável comunidade evangélica ao invés de entendê-la e respeitá-la.

Não demonstram a evidência de que nossa ordem constitucional tem base histórica na doutrina social da igreja e que, portanto, o cristianismo está na base de nossa organização política.

Não lutam para provar que o estado é laico para proteger a liberdade de todos e de cada um de adorar a Deus da forma como sua fé lhe orientar, bem como para garantir o livre direito de quem não consiga ter fé.

Estas tarefas indispensáveis a um militante progressista foram substituídas, entre nós, pela picaretagem da propaganda petista, mentirosa como tudo o que passaram a fazer de uns tempos para cá.

Enfim, arremato. O lado mais picareta da sociedade reacionária brasileira já viu que nossa democracia formal é frágil e pode ser manipulada por dentro de suas próprias linguagens e instituições.

Pior, sabe que, no coração do povo, a democracia é um fracasso profundo!

Pior, sabe que democracia é regime de cidadão e que nossa cidadania está completamente fragilizada pela desinformação, pela manipulação, por ódios e paixões estimulados profissionalmente pela “polarização”. Enquanto isso, vão se produzindo efeitos colaterais igualmente graves. Pois: censurar, perseguir e violar o devido processo legal para “defender a democracia” só acaba de enterrá-la de vez!

E assim se escancara as portas para os falsos messias e os estelionatários do caos.

Autor: Ciro Ferreira Gomes, advogado, professor universitário e político brasileiro, filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), do qual é vice-presidente, também é membro do Conselho consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

DANIEL MAZOLA – Jornalista profissional (MTb 23.957/RJ); Editor-chefe do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Consultor de Imprensa da Revista Eletrônica OAB/RJ e do Centro de Documentação e Pesquisa da Seccional; Membro Titular do PEN Clube – única instituição internacional de escritores e jornalistas no Brasil; Pós-graduado, especializado em Jornalismo Sindical; Apresentador do programa TRIBUNA NA TV (TVC-Rio); Ex-presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Conselheiro Efetivo da ABI (2004/2017); Foi vice-presidente de Divulgação do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (2010/2013). 

SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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