Por José Macedo

A excessiva atenção a juízes, a advogados e ao sistema de justiça, em geral, é o retrato dos dias atuais, marcado pela explosão de conflitos. Esses conflitos desembocam, inexoravelmente, no judiciário. Assim, a judicialização dos fatos da vida, em todos os segmentos da sociedade, é consequência do processo civilizatório, preferível a que se utilize do exercício arbitrário das próprias razões (fazer justiça com as próprias mãos). Essa judicialização estende-se à política, obrigando a que juízes se pronunciem e deem, muitas vezes, respostas equivocadas ou ineficazes.

No Brasil, 30% da população é pobre, 15 milhões de desempregados, 35 milhões de informais. Os conflitos aprofundam-se, naturalmente, nessa sociedade, profundamente, desigual e que é de conflitos. Assim é que, a propagada crise do sistema de Justiça decorre desse quadro adverso, cujas principais causas são exógenas. Nas prateleiras das Varas ou nos computadores dos Fóruns 114,5 milhões de processos, aguardam ser julgados. A população do Sistema Prisional é de 750.000, a maioria é de pretos, pobres e favelados (fonte: Conselho Nacional de Justiça).

5°, XXXV, da Constituição Federal – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. Inciso XXXI – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Aqui, significa a inafastabilidade do poder judiciário, quando é acionado.

A sociedade moderna não comporta uma justiça iníqua e excludente, que dê prioridade aos dotados de condições materiais, deixando de fora e desassistidos legiões de pobres e de despossuídos. Mas, milhões ficam fora e são excluídos, porque a justiça é cara e, formalmente, é complicada, obstáculos para que o pobre e o analfabeto a ela tenham acesso. Nesse contexto, a cidadania não é exercida pela maioria. Por isso, dizem: “a Justiça é dos ricos e para os ricos” e com razão. Os Juizados Especiais, Cíveis e Criminais, a princípio, especializados para o atendimento das causas de menor complexidade e para desafogar a Justiça Comum, não vem logrando êxito. Hoje, padecem dos mesmos vícios da morosidade e da lentidão dos demais processos.

O ponto de partida é a tomada de consciência, de que nossa sociedade é, estruturalmente, desigual e injusta. Apesar das inovações dispostas na Constituição, poucos são os resultados para a democratização do Sistema de Justiça.

Os direitos fundamentais, individuais e coletivos, elencados no artigo 5° de nossa Carta Magna de 1988 não chegaram a todos, impedimento para o exercício da cidadania. Qualquer análise, que verifique o insucesso da Justiça, terá de incluir a abissal desigualdade social, como obstáculo. O constituinte originário de 1988 escreveu uma Carta, moderna e revolucionária no que tange à garantia de direitos e a sua aplicação.

Nessas circunstâncias, entendo o fracasso de nossa Justiça, deixando de cumprir sua vocação, a de distribuir justiça para os que dela mais necessitem. Por isso, faz sentido o provérbio romano: “Ubi societas, ibi jus”. (Onde há sociedade, ali há justiça). Há 34 anos, minha monografia de pós-graduação teve como o titulo o “Acesso à Justiça versus Segurança”. Com conhecimento de causa, a melhora nesses quesitos, referentes ao acesso e a segurança para autores ou réus, nesse tempo, foram pífias. O acesso à Justiça não se resume ao mero direito de petição ou ao ato de distribuição do processo.

Ter acesso à Justiça significa, que ao jurisdicionado estejam dispostas as condições necessárias para o prosseguimento do feito, aduzido ao competente juízo, com a certeza de seu desfecho. Dirão alguns que é utopia, o que não importa, no meu sentir. No curso desse tempo, com a promulgação da Constituição, o cidadão toma conhecimento e discute seus direitos.

Os Constituintes de 1988, na passagem do regime ditatorial, entenderam que era o momento histórico e a Constituição era instrumento capaz de frear e de remover desequilíbrios e injustiças, endêmicos. Mas, a Justiça não tem sido eficaz, célere e efetiva. A afirmação de Rui Barbosa (1820) é uma sentença: “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”. As questões, ora abordadas, são novas e velhas, não surpreendendo aos operadores do direito e ao cidadão médio.

Nesse clima de pressão, Veio a Emenda n° 45/2004, o artigo 5° recepcionou o inciso LXXVIII – “a todos, no âmbito, judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Embora a expressão “razoável duração do processo” possa ter conceito subjetivo, foi um avanço. Contudo, é inadmissível que, uma execução de dívida ou uma ação de despejo, por sua baixa complexidade, demore mais de um ano. Essa demora favorece ao devedor, o que significa enriquecimento ilícito e sem causa, em desproveito do credor. Somos o 30° país de justiça mais lenta no mundo (fonte: banco mundial). O cipoal de recursos processuais, existentes e garantidos pelos códigos, Civil e Penal e jurisprudência é inconcebível, gera insegurança e custos.

Conheci processos com mais de 30 anos, mofando nas prateleiras das varas. Ao mesmo tempo, a história do judiciário registra fatos, que envergonham o cidadão de bem, maculam e desonram a nobre função, as sentenças parciais e de má qualidade trazem mais conflitos, descrédito e frustração. O envolvimento de juízes e desembargadores em atos de corrupção é intolerável. Recentemente, foram presos, no Estado da Bahia, desembargadores, juízes, serventuários e advogados, sob a imputação na venda de sentenças. São fatos que se repetem, desgraçadamente. Sinto-me no dever de lembrar processos da Lava-Jato. As parcialidades, as preferências políticas e ideológicas, em processos que tiveram como fórum competente a 13a. Vara Criminal de Curitiba exibem elenco de irregularidades, promiscuidades e parcialidades, objeto do pedido de nulidades no STF. As “Reformas”, Trabalhista e da Previdência, são exemplos, para que se compreenda como o Estado utiliza de seu poder para eliminar direitos sociais. Essas “Reformas” teve o objetivo de dificultar o acesso do trabalhador à Justiça, levando os conflitos oriundos da relação capital e trabalho para debaixo do tapete.

Neste momento, teci considerações e enfatizo a morosidade, a exclusão dos pobres do Sistema de Justiça, a corrupção e parcialidades de juízes e desembargadores. Por tudo isso, o Sistema de Justiça não é capaz de cumprir sua função de Estado, ou seja, solucionar litígios, distribuir justiça, de modo célere, democrático, imparcial, impedindo o enriquecimento ilícito ou sem causa.


JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.