Por Lincoln Penna

A conjuntura neste mês de agosto apresenta um quadro de ruptura política em seu mais amplo aspecto. Desde a ruptura de tratos convencionais marcados pela velha e surrada conciliação até a ruptura política e institucional.

No que diz respeito à eterna conciliação, parece que ela caminha para o seu desfecho, em virtude de o confronto entre os poderes apontar para uma situação inconciliável. Assim e diante da atitude assumida por Bolsonaro em relação ao STF, em especial, a quem cabe observar o cumprimento da Constituição, violada constantemente pelo poder executivo, não há meio termo. Logo, a possibilidade de se lançar mão da superação mediante o uso da velha prática conciliatória se encontra em fase terminal. Daí, a decisão do presidente da Corte máxima, em cancelar o encontro entre os poderes da República, até então agendado anteriormente. É um marco.

Já existe configurada potencialmente uma ampla frente determinada a pôr fim à malfadada governança de um capitão da reserva tresloucado, cuja vocação para exterminar os seus adversários encontrou na pandemia a demonstração mais eloqüente do quanto ele é capaz para fazer valer as suas taras genocidas. Usou o contra argumento dos que defendiam as medidas de proteção ao vírus, que se espraiou pelo país para colocar em funcionamento a sua lógica perversa. Esta consiste em se opor ao bom senso sistematicamente, alucinadamente, sem jamais apoiar-se na ciência.

Esse desatino tem percorrido todo o mandato de um governo e não desgoverno, posto que este sugere a existência de uma falha de coordenação pelo fato de não possuir um projeto definido. Ora, o atual tem buscado implantar o “eterno retorno”, isto é, à volta ao passado, de modo a considerar como período glorioso a ditadura militar sustentada pelos meios empresariais e financeiros da época. Mas, que foi fundamentalmente caracterizada pelo desprezo da democracia e marcada pela repressão sistemática às vozes de oposição.

Tirante os grupos entregues ao fanatismo crônico em relação ao presidente em transe acelerado, em todas as esferas que conformam a denominada opinião pública já se chegou a definir-se o quanto é trágica a situação do país, representada por esse governo do caos e da franca hostilidade ao Estado Democrático de Direito. Sublinho em maiúscula sua designação para ressaltar a importância de se fortalecer a barreira ao nível dos poderes da República para impedir a ação de desmonte das instituições.

Este é o único programa de governo existente na cabeça de seu titular.

Está na hora de se demarcar em definitivo a fronteira entre os que se apoiam nos marcos da Constituição, a possibilitar ir mais adiante do que se foi, e os que querem destruí-la através da afronta direta e, por outros meios, a revisão inspirada numa perspectiva regressiva. E um exemplo bem significativo é o desejo do chamado voto impresso. E mais: que os votos sejam apurados e auditados nas seções eleitorais, Ou seja, de mais fácil manipulação. É não somente uma ação regressiva como a articulação de um golpe continuísta com desdobramentos imprevisíveis quanto ao futuro da nação.

Acreditar que a justiça em seus diversos foros seja capaz de colocar um freio a mais grave crise desde a transição à democracia é desconhecer ou minimizar a força popular. Esta uma vez mobilizada e devidamente consciente de seu papel num momento tão decisivo para o país tem tudo para se converter no principal obstáculo à aventura presidencial. A superação desse quadro nacional é urgente para a retomada dos grandes projetos estruturantes para o desenvolvimento nacional.

É, por conseguinte, hora de uma união de todas as forças visando à normalidade democrática. Cada qual ocupar-se a discutir eventuais e até visíveis diferenças nessa hora é postergar uma ação emergencial. Se a persistência da pandemia ainda inibe as manifestações de rua ou pelo menos as tornam mais contidas, há que demonstrar de alguma forma a insatisfação crescente de vários segmentos sociais formados por opositores desde o início, críticos pontuais que chegaram à conclusão de que não é mais possível manter-se fiel a essa presidência e os desiludidos, que precisam ser amparados nesse movimento cívico e patriótico, porque equívocos todos cometem.

Essa Frente Patriótica deve assim designar-se em oposição à farsa dos que desfilam com os símbolos nacionais na mais hipócrita atitude, uma vez que destituídos de amor ao próximo e movido pelo fanatismo. Essa demonstração de sujeição ao “mito” que os conduz lembra momentos da história que a humanidade rejeita.

Portanto, estejamos prontos para o confronto que nos interessa. O confronto pela superação dos nossos males de origem e da volta da esperança, mas com um lembrete: a esperança não cai do céu. Ela precisa ser construída.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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