Por Carlos Mariano –
Quarenta anos do título do Império Serrano.
No dia 22 de fevereiro completou 40 anos do último título conquistado pelo glorioso Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano. Para relembrar esse momento mágico da escola da Serrinha, foi lançado na mesma data, no Madureira Shopping, o documentário dirigido por Emerson Pereira “Bumbum Paticumbum Prugurundum”. Nele, o documentarista resgata, principalmente, para as novas gerações, a saga heroica que foi esse desfile da Verde Branco – coisa muito rara de acontecer nos dias de hoje, até porque, são outros tempos…
Para começar, em 1982, não existia ainda a Praça da Apoteose, embora os desfiles já fossem realizados na Avenida Marquês de Sapucaí, mas no esquema do monta e desmonta arquibancada de madeira. Esse esquema terminou em 1984, com a célebre obra do governador Leonel Brizola, com sua apoteose triunfal e arquibancadas de cimento: a passarela Darcy Ribeiro.
Outro fato curioso desse carnaval, que hoje não se tem mais, é que as doze e principais escolas de samba que compunham o chamado Grupo 1A, desfilaram todas entre o domingo e a segunda-feira gorda de carnaval. Resultado disso foi um desfile com muitos percalços, sendo muito cansativo e com vários problemas de atraso e invasões de pista. Para fechar o quadro inusitado desse carnaval-raiz, o Império Serrano, vinha de uma colocação desastrosa no carnaval anterior. Tivera sido última colocada e só não foi rebaixada para o Grupo de Acesso, graças a uma daquelas viradas de mesa espetaculares que, até hoje, infelizmente, existem no mundo do samba carioca.
Além do trauma do carnaval anterior, o Império vivia mais uma daquelas crises internas que marcaram sua história. A escola vivia um desalento dentro da agremiação: ninguém queria assumir a responsabilidade de dirigir uma escola em crise política, dividida e endividada.
Mas, quis o destino que um imperiano apaixonado pela bandeira Verde e Branco e com dinheiro no bolso, aceitasse o desafio de administrar mais uma crise e botar a Serrinha nos trilhos novamente. O ilustre é Jamil Salomão Maruff, carinhosamente chamado de cheiroso.
Filho de árabe com brasileira, Maruff já era ligado à escola e tinha uma vida empresarial estável no ramo de pescado. Isso lhe credenciou a ser escolhido o presidente da Império para o carnaval de 1982.
Superada a crise política, o Império foi para a pista com um enredo que, a princípio, se chamava “Onze, Candelária e Sapecaí”, que tinha como objetivo contar a história do carnaval a partir do surgimento do samba de sambar do Estácio, criado pela negritude marginalizada da pequena África e da criação das próprias escolas de samba, a partir da Deixa Falar – primeira escola de samba criada no Brasil, cujo Estácio de Sá é sua herdeira. Esse enredo foi sugerido por ninguém nada menos do que o gênio salgueirense Fernando Pamplona: artista que fez enorme sucesso como carnavalesco do seu amado Salgueiro, a Academia do Samba, na década de 1960. Aliás, Pamplona chegou a ser convidado por Jamil Cheiroso para ser o carnavalesco do Império para aquele carnaval, mas por razões óbvias, por ser um salgueirense apaixonado, agradeceu a honra do convite, mas não aceitou o desafio. Para não deixar na mão a tradicional escola de samba que ele tinha muito carinho e respeito, Pamplona indicou duas ex-alunas suas da Escola de Belas Artes para tocarem o enredo sugerido por ele.
A dupla, hoje consagrada, é Rosa Magalhães e Lícia Lacerda.
Superado mais esse obstáculo, começa a feitura do carnaval imperiano de 1982, a jovem Rosa, já mostrando uma personalidade fora do comum, que a transformaria em uma das maiores carnavalescas da história do carnaval carioca, sugere logo de cara a troca do nome do enredo indicado por Pamplona para a onomatopeia “Bum Bum Paticumbum Prugurundum”. O argumento da jovem artista era que essa onomatopeia definia bem melhor a proposta da história do enredo, pois foi criada pelo fantástico Ismael Silva, grande expoente da turma de sambistas do Estácio, quando revolucionaram o carnaval carioca, inventando uma nova tradição carnavalesca. A negritude da pequena África afirmava que o samba não seria mais dançado parado, mas com deslocamentos. Isto é, que deveria ser o novo samba carioca e das escolas de samba.
Definido o nome do enredo, restava a composição do samba que acabou, depois da disputa, ficando sob a responsabilidade da recente dupla: Aluísio Machado e Beto Sem Braço, apelido de Laudemir Casemiro. Os dois, embora fossem imperianos, estavam afastados da escola de Madureira e disputando samba sem êxito na minha querida Unidos de Vila Isabel.
Beto começou a trilhar o caminho do samba como diretor de bateria no final da década de 1960, mas se afastou da escola nos meados de 1970. Aluísio também estava afastado da ala dos compositores do Império desde 1972, ano do último campeonato do Império com “Alô, alô, taí Carmem Miranda”. Aluísio saiu do Império naquele ano em solidariedade ao considerado maior compositor de samba-enredo da história do carnaval brasileiro, Silas de Oliveira que, em 1972, perdeu a disputa para o fraquíssimo samba do trio Heitor Achiles, Wilson Diabo e Maneco. Silas foi derrotado de 5 a 0 na grande final. Tal episódio encerrou praticamente a brilhante carreira do mestre que morreria naquele mesmo ano, vítima de ataque cardíaco.
Em 1982, à convite do amigo Jamil Cheiroso, Aluísio e Beto estavam juntos na ala de compositores do Império e como as outras parcerias já estavam fechadas, acabaram formando dupla e compuseram um dos grandes sambas da escola.
A começar pelo “Bumbum Paticumbum Prugurundum”, o samba da dupla foi um capítulo à parte nessa conquista imperiana.
Bem antes de explodir na avenida numa ensolarada manhã de segunda-feira, o samba do Império já era desde o final do ano de 1981, disparado a canção entre os samba-enredos mais executada daquele ano nas rádios do Brasil inteiro. O disco com todos os samba-enredos até tinham boas músicas, mas, foram meio que apagados pelo samba dos bambas da Serrinha e o refrão onomatopeico empolgante, defendido por Rosa.
No dia do desfile, a massa imperiana foi conduzida à pista pelo samba já vencedor da novata parceria Aluísio Machado e Beto Sem Braço que, diga-se de passagem, tornou-se uma espécie de John Lennon e Paul McCartney do samba-enredo pois, a exemplo da famosíssima dupla britânica do rock, eram bem diferentes um do outro e tiveram uma convivência difícil. Apesar disso, também como os ingleses, fizeram canções que os imortalizaram.
Neste ano em que se completa 40 anos dessa conquista heroica e histórica do Império Serrano, é bom lembrar que apesar da falta de dinheiro e da crise política, o velho Império Serrano, que nasceu da luta do povo preto, ligado ao sindicato da estiva, superou-se e mostrou na época que quando uma escola tem um belo samba e o povão do seu lado, não há luxo que segura a força do samba no pé.
Como dizia a genial manchete do Jornal O Dia na quarta feira de cinzas de 1982: “Deu Bumbum na cabeça!”
CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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