Por Lincoln Penna –

Estas primeiras décadas do século XXI têm-nos revelado o que somos como sociedade historicamente constituída.

Sua essência foi durante muito tempo mascarada de modo a ocultar uma cultura política que remonta às origens de nossa formação nacional. De cunho escravocrata, jamais superado ao longo de sua existência, reacionária e acrescida de um alto grau de intolerância é por isso mesmo arredia a mudanças de sorte a remover esses entulhos autoritários.

A recorrência de episódios racistas em nosso cotidiano parece ter destampado de vez o sistema macabro que gestou uma relação de classe e de etnias profundamente hostil a uma convivência compartilhada. Têm-nos assustado o grau de violência, em grande parte gratuita, seja de caráter machista a fazer presente o feminicídio de cada dia ou derivada da rejeição ao outro que pensa e vive diferentemente de seus conterrâneos, cujo vocábulo significa junto com, absolutamente impróprio em face da atitude de desprezo que se acentua no seio de nossas relações sociais.

O país triste, o país cordial ou os vários epítetos que têm sido atribuídos à sociedade brasileira estão distantes de uma realidade nua e crua que se desvela a todo instante. Saídos das sombras que escondiam o nosso verdadeiro ser, removidos os excessos que contrariavam a visão idílica do brasileiro do andar mais alto de nosso edifício social, deparamo-nos presentemente com o desafio de enfrentar o nosso passado que teima em não dar vez à modernidade, entendida como uma abertura ao convívio com os diferentes não importa suas origens.

No Morro da Providência surgiu a primeira favela do Brasil, criada em 1897 por combatentes da Guerra de Canudos que voltaram ao Rio de Janeiro para conseguir a casa que o estado tinha prometido como recompensa pela atuação na revolta. (Arquivo Nacional)

A grande ameaça que paira sobre todos nós consiste na conjugação dessas características de nossa cultura política na qual sobressaem o racismo, a intolerância e o cultivo da violência como meio de resolução de conflitos. A resultante dessa triste comunhão, que em parte é também absorvida pelas classes populares, é a desintegração do sentimento de pertencimento a uma nação. E essa ameaça não exclui a solução que sobreleva o autoritarismo, a nos levar para o totalitarismo de conteúdo fascista.

Afinal, foi com certas similitudes que os países saídos das derrotas na guerra conheceram o esgarçamento de seus tecidos nacionais. Foi na Alemanha e na Itália no imediato pós-guerra de 1914-1918, que emergiu com força a solução totalitária do fascismo. Poucos à época acreditavam que esses movimentos povoados de chauvinismo exacerbado fossem chegar onde chegaram, não apenas à tomada do poder, mas a paralisia de um povo anestesiado pela alternativa expressa pelos seus líderes.

O Brasil que nos orgulha como cidadãos não está no culto de nossa bandeira nacional, até porque os nossos antepassados parecem ter se envergonhado em acrescentar a palavra amor como princípio ao lema positivista estampado, cuja ordem representaria o meio e o progresso o fim desejado. Se a bandeira é um símbolo nacional ele o é como representação do que nos irmana como seres pertencentes a uma nação. Mas é a saga de um povo que deve merecer orgulho de nossos compatriotas, uma vez que ele tem resistido a toda sorte de adversidade e ainda assim se mantem esperançoso de que dias melhores virão.

Bandeira do Brasil
O Dia da Bandeira é comemorado em 19 de novembro por ela ter sido instituída neste dia, em 1889. (Creative Commons)

A partir de um olhar prospectivo é possível dizer que neste século teremos a oportunidade de saldarmos as nossas dívidas sociais, ambientais e de natureza civilizatória, caso contrário a humanidade tenderá a entrar no mais obscuro túnel de sua trajetória. As decisões para que tenhamos consciência e determinação para evitar maiores catástrofes de todo tipo precisam ser tomadas desde já. E no Brasil essa emergência passa pela adoção de mudanças estruturais, que só uma revolução que elimine o nosso renitente passado poderá nos conduzir a real reconstrução desejada pelos que têm amor pelo povo e não se deixe subjugar por falsos mitos.

Nos encontros internacionais duas palavras têm sido evitadas quando alguns líderes chamam atenção para as decisões necessárias diante dos problemas ambientais cada vez mais preocupantes, juntamente com os que são representados pelos conflitos entre nações em várias partes do mundo. Estas palavras são: revolução e povo. Não é possível operar grandes transformações ao nível de nossas consciências sem que tenhamos claro a necessidade de se promover um processo revolucionário.

E para que isso aconteça é indispensável a participação do povo. Do contrário, é uma cilada, uma vez que as classes dominantes das nações mais ricas não manifestam tal desejo, e nem podem em razão dos grossos interesses que se encontram em jogo. Para falar honestamente sobre como chegarmos ao próximo século, uma vez que nos é impossível prever o próximo milênio, a mentalidade com a qual convivemos hoje é incompatível com a racionalidade que requer decisões revolucionárias.

Sem estas, qualquer decisão cai na burocracia das tratativas sem fim.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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