Desigualdade social caiu, mas foi porque a renda do trabalho recuou ainda mais – por Pedro do Coutto
Por Pedro do Coutto –
O IBGE divulgou na tarde de quinta-feira que a desigualdade social no Brasil, em matéria de salários, diminuiu em 2022 com base em dados da Pesquisa Nacional por Domicílios. Mas, a explicação verdadeira sobre o fenômeno, que enganosamente à primeira vista parece positivo, deve-se, e o próprio Instituto reconhece, ao pagamento do Bolsa Família na escala de R$600 por pessoa inscrita no programa.
Alessandra Brito, pesquisadora do IBGE – excelente reportagem de Carolina Nalin, O Globo desta sexta-feira, acentua que apesar da diminuição, a desigualdade social no Brasil é muito alta. O rendimento médio dos 50% que se encontram no campo da pobreza, é de R$ 537 por pessoa, o que representa praticamente, na minha opinião, R$ 1500 mensalmente por família. Muito pouco.
REAJUSTE – Além desse aspecto, deve-se considerar, digo, o fato de o salário mínimo, pela lei em vigor no país, ter sido reajustado pela inflação do IBGE. Ao contrário dos demais salários que perderam para os índices inflacionários ao longo do governo Bolsonaro.
Carolina Nalin lembra que com o avanço da informalidade (emprego sem carteira assinada), o rendimento gerado pelo trabalho que em 2021 era de R$ 2.715 desceu para R$ 2.659. Houve um aumento de empregados com carteira assinada, mas os salários pagos são menores. Alessandra Brito, analista do próprio IBGE, assinala esse aspecto. Na Folha de S. Paulo, a matéria sobre desigualdade de renda é de Leonardo Vieceli e a análise muito boa de Fernando Canzian explica que teoricamente a desigualdade diminuiu porque o Bolsa Família subiu de R$ 400 para R$ 600.
Assim, o panorama social brasileiro ficou restrito a uma injeção de renda originária de um benefício pago pela União, e não pela evolução da atividade econômica, como seria de fundamental importância. Sobre a questão do emprego, como assinalo sempre, não se deve considerar somente o aumento do acesso ao mercado de trabalho em determinado período. A comparação entre emprego e desemprego, para ser completa, tem que assinalar o número de demissões no mesmo período pesquisado.
REDUÇÃO DOS SALÁRIOS – Isso porque o número de demitidos, em qualquer período, não será nunca igual a zero. O avanço do mercado de trabalho tem que resultar da subtração do total de novos postos pela parcela dos postos perdidos. Além disso, existe a questão dos salários, uma vez que eles vêm baixando, como é do conhecimento geral.
O avanço do salário mínimo, como costuma destacar com razão o presidente Lula, não é suficiente para assegurar um avanço social concreto, pois é preciso levar em conta os que ganham acima do salário mínimo. E se o salário mínimo sobe mais que os demais salários, dentro de algum espaço de tempo aumentará no país a percentagem dos que ganham apenas o piso legal.
DESIGUALDADE – Sobre a questão da desigualdade ter diminuído, é importante o artigo de Flávia Oliveira no espaço que ocupa às sextas-feiras no O Globo. Ontem, ela focalizou o tema e destacou um ponto fundamental: a desigualdade não foi uma consequência do avanço da renda produzida, pois trata-se de renda transferida (pelo governo). As famílias estão mais dependentes da renda assistencial. O Bolsa Família precisa se articular com políticas de emprego para que a queda das desigualdades seja sustentável.
Vale levar em conta, ressalto, que a transferência de renda pela via assistencial tem origem nos próprios recursos financeiros do governo. Não há, assim, transferência do capital para o trabalho.
CRÍTICA – Numa entrevista de grande importância política a Mônica Bergamo, Folha de S.Paulo de ontem, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, João Pedro Stedile, critica o presidente Lula por um cuidado que considera excessivo na questão da reforma agrária reivindicada pelo MST. Stedile argumenta que a pressão vai aumentar e que o governo está “meio medroso” em relação ao processo.
O MST, reportagem de Luisa Marzullo e Gabriel Sabóia, O Globo, vai enfrentar a CPI instalada pelo Congresso para investigar as raízes e objetivos do movimento. A questão da reforma agrária atingiu o seu clímax na sucessão presidencial de 1960, vencida por Jânio Quadros. Tornou-se um dos principais motivos da queda do presidente João Goulart.
ORDEM DO DIA – É impressionante como em 63 anos o problema continua na ordem do dia. As condições tecnológicas mudaram muito nesse período. A produção rural depende de implementos modernos e meios de produção mais sofisticados. Não adianta invadir por invadir. Deve haver uma distribuição de terras para produzir.
Lembro que em 1963, o sociólogo Guerreiro Ramos, suplente da bancada do PTB, e que havia assumido o mandato na Câmara, colocou a questão com bastante objetividade. Afirmou que tanto os latifundiários quanto os sem-terra, e todos os envolvidos na questão agrária, deveriam apresentar suas sugestões e participar do debate. A ideia foi seguida pelo ministro João Pinheiro Neto, mas não encontrou eco por parte do governo Goulart. Era o caminho para uma solução que até hoje não houve.
ELETROBRAS – O presidente Lula da Silva – matéria de Alice Cravo e Paula Ferreira, O Globo – voltou a atacar fortemente a sombria privatização da Eletrobras que criou uma contradição impressionante e absurda. A União possui 42% das ações e seu voto na assembleia da holding pesa apenas 10%.
Em pronunciamento na quinta-feira em Salvador, no lançamento do Plano Plurianual do governo, Lula classificou a privatização da Eletrobras de “crime de lesa pátria”, sobretudo porque enquanto empresas privadas podem adquirir ações pelo valor do dia na Bovespa, a União, para fazer isso, tem que pagar três vezes mais a cotação. Uma desigualdade incompreensível e que esconde um desejo de assegurar um negócio desvantajoso para o Tesouro Nacional.
Inclusive, revela Lucas Bombana, em matéria na Folha de S. Paulo, para facilitar o afastamento do governo federal do comando da empresa, a privatização comandada pelo atual presidente da holding, Wilson Ferreira Júnior, lançou a ideia de que trabalhadores, tanto estatais quanto particulares, pudessem usar o Fundo de Garantia para adquirir ações.
INVESTIMENTOS – Foram investidos nessa forma de compra R$ 6 bilhões em ações, manobra que reduziu a maioria acionária do governo no capital da empresa. O sistema de pulverização do capital proporcionou que a União perdesse a maioria dos votos do poder de decisão. Assim, grupos minoritários se uniram para eleger os dirigentes.
Ocorre que a queda do valor das ações da Eletrobras na escala de 14% este ano está representando um prejuízo para os investidores da ordem de R$ 830 milhões. Além disso, os que mobilizaram recursos do FGTS já transferiram R$ 1 bilhão para os fundos mútuos de privatização.
Há uma tendência de os compradores com recursos do FGTS venderem os papéis que assumiram. Daí porque o dispositivo tenta bloquear a sua compra pelo governo Lula da Silva. O presidente da República, além de contestar dispositivos da lei de privatização aprovada pelo Congresso, disse em Salvador que pretende questionar a própria privatização da empresa. “Os diretores elevaram os seus vencimentos mensais de R$ 60 mil para R$ 360 mil. E o valor atribuído à holding, de R$ 37 bilhões, é simplesmente ridículo”, afirmou.
TORRES – O ministro Alexandre de Moraes revogou a prisão preventiva de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro e secretário de Segurança de Brasília por uma semana. A decisão de Moraes inclui o uso de tornozeleira eletrônica, entrega de passaportes, impedimento de sair de Brasília e também de atuar nas redes sociais da internet.
A revogação da medida preventiva é motivo de preocupação para o ex-presidente Jair Bolsonaro, para o coronel Mauro Cid, para os invasores e depredadores de Brasília e para os que preparavam a explosão de uma bomba no aeroporto da capital. Torres, a meu ver, tornou-se um personagem de Hitchcock: “O homem que sabia demais”.
PEDRO DO COUTTO é jornalista.
Enviado por André Cardoso – Rio de Janeiro (RJ). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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