Por Miranda Sá

“Suponhamos que o homem volte à caverna e retome o seu antigo lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofuscados, ao vir diretamente do Sol? “ (Sócrates)

A situação cavernosa que estamos vivendo com o negacionismo ocupando diretamente o poder no Palácio do Planalto, lembrou-me um artigo que escrevi no ano passado, “A Caverna”, relatando a vida dos neandertais habitando grutas; e lembrei o DNA que nos legaram, gravando no nosso subconsciente o fascínio por elas.

Esta atração pela caverna originou vários mitos nas sociedades antigas, fazendo-as cenário do surgimento de deuses em várias religiões e até o nascimento de Jesus Cristo é representado nos presépios natalinos em grutas.

Vê-se no Brasil pessoas com a mente voltada ao passado, sob a influência psíquica neandertal ou submetidos às ineptocracias que negam a Ciência, afligindo os minimamente escolarizados, porque o retorno à antiguidade não tem o romantismo do cinema.

O cinema nos mostrou no belíssimo filme “Meia Noite em Paris”, de Woody Allen, saindo da boca de Gil, um roteirista de Hollywood interpretado por Owen Wilson, a importante lembrança de como seria difícil viver no passado.

Gil, convivendo fantasticamente com a intelectualidade migrante que infestava a capital francesa nos anos 1920, conta um pesadelo que teve, sofrendo a falta de anestesia no tratamento dentário e por não haver antibióticos para combater infecções…. Isto deixou a interlocutora perplexa, pois naquela época todos ignoravam os futuros avanços da Medicina.

Triste é que ainda hoje, em pleno século 21, ocorre o anverso. Nos espantamos e nos revoltamos com o alheamento sobre o enfrentamento científico aos bacilos, bactérias e vírus transmissores de doenças. Vemos alguns cegarem para o avanço civilizatório, manifestando o desapreço pela Ciência, sem aprofundar-se no estudo ou raciocinar com a própria cabeça.

Entristece ver alguém que vivendo sob uma terrível pandemia condene a imunização biológica criando anticorpos para enfrentar a virulência…. No meu tempo de menino, a gente estudava no curso primário (equivalente hoje ao Fundamental I) a história de Pasteur salvando um menino da raiva, com a vacina que descobriu.

Os negacionistas não estudaram a História da Civilização, onde se registra o holocausto dos astecas, maias, incas, indígenas americanos, brasileiros e caribenhos, indefesos biologicamente para as enfermidades bacterianas trazidas pelos europeus.

É penoso vê-los usando as ferramentas da Internet digitando mensagens nas redes sociais, refugarem a corrida do bem pela descoberta da vacina contra a covid-19. Fazem-no, ora desconfiando da origem nacional, ora enjeitando-a por influência ideológica, ora escravizados ao fundamentalismo religioso.

Sei que não adianta argumentar com essas pessoas. São fanáticas como aquelas que na Itália fascista chamavam Mussolini de “chefe amado e provado”; na Alemanha nazista tratavam Hitler como o “pai da pátria” e na Rússia comunista, idolatravam Stálin enaltecendo-o como “guia genial dos povos”….  O fanático ama seu líder; o fanático confunde o seu líder com a Pátria; o fanático considera o seu líder um gênio.

Não creio que essa adoração seja pela cor dos olhos, que Hitler os tinha azuis; não pela pose de comando, que sobrava em Mussolini, e muito menos pelo domínio de Stálin sobre os seus partidários…. Cabe-lhes a qualidade negativa que Nietzsche definiu: – “O fanatismo é a única forma de força de vontade acessível aos fracos”.

O revoltante é quando os fanáticos se misturam com mercenários e, desta mescla, surgem “guardiões terrivelmente evangélicos” como ocorreu no Rio de Janeiro para constranger os críticos e a imprensa; e pior ainda, é saber que este esquema se expande pelo Brasil afora emergindo da ação virtual nas redes sociais para a ação direta.

Do jogo diabólico das milícias políticas do bispo-prefeito Marcelo Crivella que assistimos, chegou-me à lembrança o escritor João Ubaldo Ribeiro que escreveu: – “A humanidade é uma espécie estúpida que se mata desde as cavernas. Só que, agora, com técnicas mais eficientes”.

Verdade. A metodologia impositiva dos políticos populistas e dos aprendizes de ditador, ofusca os olhos de quem vive as trevas do extremismo. Sem a claridade solar do livre pensar, não condenam o negacionismo científico, os atentados ao meio ambiente, nem sequer veem o modelo americano do nosso Presidente, Donald Trump, dispensar a cloroquina no tratamento da covid-19…


MIRANDA SÁ – Jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.