Por Jeferson Miola

Em 27 de setembro, 5 dias antes do primeiro turno, recebi uma mensagem via WhatsApp de um contato inexistente na agenda telefônica.

O texto alertava que “o Brasil está correndo um sério risco de mergulhar num precipício profundo, de consequências inimagináveis” e que “não é justo que permitamos deixar para nossos filhos e netos o nosso país imerso na sanha comuno-petista”.

O remetente relembrou o total de abstenções, votos brancos e nulos da eleição de 2018 e exortou seus destinatários a fazerem “um esforço hercúleo, no sentido de convencer parentes e amigos ainda indecisos, no sentido de optarem pelo voto verde-amarelo”. Sim, “voto verde-amarelo”, seja lá o que isso significa.

Antes de finalizar o texto com um “ALEA JACTA EST!” em caixa alta, o mensageiro conclamou para a guerra suja contra Lula nas redes sociais: “temos que fazer uma poderosa divulgação de todas as matérias que dispomos contra o ex-presidiário, colocando na rede, repetidamente e de forma consistente, todo o material disponível de propaganda contra o adversário político”.

Em 4 de outubro, o desconhecido remetente enviou nova mensagem. Desta vez, um vídeo de Roberto Jefferson. Na peça, Jefferson reclama da prisão domiciliar e do “silêncio imposto pelo Xandão”, referindo-se ao ministro do STF Alexandre de Moraes.

Na gravação com som de parada militar ao fundo, Jefferson critica as abstenções de 2 de outubro: “40 milhões lavaram as mãos, entregaram uma vitória de primeiro turno ao satanista, ao abortista, ao gayzista, ao pedófilo, ao embriagado, ao viciado, ao corrupto, o Luladrão”.

Após assistir o vídeo, decidi entabular um diálogo com o remetente desconhecido:

– “Opa, que tal? Quem é?”, perguntei.

– “Sou brasileiro e o meu partido é o BRASIL, VERDE AMARELO! ABRS!”, respondeu o contato desconhecido acentuando a parte “patriótica” do texto em caixa alta.

Pelo tom, logo desconfiei tratar-se de um militar bolsonarista. E dos fanáticos. Só faltou ele gritar “SELVA!”.

Então voltei a perguntar:

– “E este patriota tem nome?”.

– “Coronel ♦♦♦♦♦♦♦♦ do EB, com mta honra!”, respondeu-me ele, se identificando pelo próprio nome [ocultado]. Decidi, então, seguir o inusitado diálogo com o “coronel do ZAP”.

– “Salve Coronel, segue na ativa?”, indaguei.

– “Na ativa, com amor a Pátria e amor ao nosso querido Brasil ! Creio que devemos nos conhecer, senão eu não teria o seu telefone! Moro em ♦♦♦♦♦♦♦ e ♦♦♦♦♦ !”, respondeu ele, complementando em seguida: “Já estou na Reserva!”.

Após intercâmbio de mensagens em que ele espontaneamente descreveu algumas rotinas pessoais, exibiu-se com a marca do carro [Audi], comentou os vários negócios a que se dedica e, inclusive, sobre os empregos dos filhos, o coronel então se despediu: “Ok! Prazer pelo papo, valeu! Sou tb. consrutor de casas aqui, em ♦♦♦♦♦♦, disponha e abrs!”.

Antes que ele abandonasse a conversa, escrevi-lhe: “Aproveito para lhe perguntar se é fato que a candidatura do atual presidente foi definida pelo Alto Comando do Exército ainda em 2014”. E complementei: “conheço um vídeo de novembro de 2014 com o capitão lançando a candidatura para 2018 na AMAN”.

O coronel respondeu em seguida:

– “Desconheço total e tenho certeza absoluta que o Alto Cmdo do EB, jamais faria tal definição! As FFAA são apolíticas!”. [sic]

Insisti sobre o assunto e citei a participação de comandantes militares na campanha de 2018 do Bolsonaro, ao que o coronel respondeu:

– “Ilustre, só militar da Reserva pode fazer campanha política.!”.

Respondi-lhe então:

– “Eu também pensava que os militares da ativa fossem profissionais e legalistas e não se envolvessem em política, mas não é o que acontece com parte deles”.

E continuei:

– “Conforme lhe comentei, recebi inúmeras informações sobre esta participação indevida na política. O general Luiz Ramos, por exemplo, confessou na Câmara ter atuado na campanha do presidente em 2018. Vou lhe repassar o vídeo em que ele comete um ato falho – a partir do momento 1h e 42 minuto 👇👇” [e enviei o vídeo do depoimento do ministro-general Luiz Ramos na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, em que ele confessa participação na campanha do Bolsonaro em 2018 sendo, ao mesmo tempo, comandante militar do Sudeste, o que é absolutamente ilegal].

“Nem vou comentar sobre o tweet do general Villas Bôas de 2018, que em países sérios causaria a destituição do cargo e, também, a demissão do serviço público”, continuei, recebendo aquela que foi a última manifestação do coronel: “Tudo bem, abrs.!”.

Continuei então a tentativa de diálogo, que se transformou em monólogo, porque o coronel bolsonarista não respondeu a mais nenhuma indagação minha:

– “O Sr. poderia confirmar se minha percepção sobre a declaração do general Luiz Ramos é improcedente? Considero legítimo e oportuno, como um cidadão correto que paga os impostos que sustentam as Forças Armadas e vê atônito compra de viagra a preços superfaturados além de cervejas, picanhas e outras mordomias, saber por que os comandos militares estão fazendo tudo isso que estão fazendo com nosso país. Em nenhum país do mundo as Forças Armadas se intrometem em eleições, só aqui no Brasil avacalhado e achincalhado”, escrevi.

E finalizei a tentativa de interação com o coronel comentando minha impressão sobre o vídeo do Roberto Jefferson disseminado por ele:

“Me surpreende que oficiais graduados das FA do nosso país apreciem e propaguem conteúdos disparatados da realidade e proferidos de modo rancoroso por personagem tão vil. Pobre país o nosso. Este pesadelo tem de passar”.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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