Por Pedro do Coutto –

Com o despacho do ministro Alexandre de Moraes na tarde de sábado, aceitando a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que em consequência teve a sua prisão relaxada, o confronto no panorama político do país se deslocou, colocando de um lado o ex-presidente Jair Bolsonaro e de outro o seu ex-ajudante de ordens, que assumiu várias posições e tomou diversas decisões.

Os fatos são conhecidos. A responsabilidade verdadeira pelas execuções deles será uma consequência da delação aceita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, relator do inquérito. No O Globo, a reportagem é de Mariana Muniz, Eduardo Gonçalves, Vitória Abel, Dimitrius Dantas e Lauriberto Pompeu. Na Folha de S. Paulo, de Julia Chaib, Constança Rezende e Matheus Teixeira, edições deste domingo. Na mesma edição, Matheus Teixeira, informa que os bolsonaristas estão preparando uma estratégia de defesa contra a abertura da nova frente política surgida na área militar.

CONFISSÕES – A delação refere-se às confissões de Mauro Cid à Polícia Federal. Na edição de O Globo, no contexto da decisão de Alexandre de Moraes, o procurador-geral, Augusto Aras, afirma não aceitar a delação conduzida pela PF. Mas esse pronunciamento é tardio, já que a delação à Polícia Federal foi aceita pelo ministro Alexandre de Moraes e é elogiada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino. As palavras de Aras, portanto, perdem qualquer efeito e apenas acentuam, penso, o processo de sua substituição no cargo pelo presidente Lula da Silva.

A semana começa com uma nova frente de combate que está passando a ser composta também por ex-bolsonaristas, como nitidamente é o caso do tenente-coronel Mauro Cid e de seu pai, o general da reserva Mauro César Cid.  A divisão tende a se aprofundar e deixar o ex-presidente da República numa situação bastante crítica na qual se incluem além dos presentes recebidos, e mandados serem devolvidos pelo Tribunal de Contas da União, à falsificação de cartões de vacinas e o episódio dramático de 8 de janeiro.

CONFLITO – Todos esses aspectos virão à tona certamente com maior intensidade nos novos depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, que passou a ser uma peça chave no conflito entre o projeto de golpe contra a democracia e as violações legais sucessivas de Jair Bolsonaro.

Descortina-se um novo panorama de um conflito que ameaçava estender-se no tempo, mas que agora tem a sua distância encurtada entre as versões do governo que acabou em dezembro de 2022 e as revelações sumamente importantes de Mauro Cid em 2023. O bolsonarismo está sendo atingido por uma grave crise, tanto ética quanto moral, deixando claro que o ex-presidente  por suas ações revelou não respeitar limites legais capazes de impedi-lo em suas insólitas manifestações.

LEITURA – Muito bom e oportuno o artigo de Miriam Leitão, O Globo deste domingo, destacando a importância cultural do sucesso da Bienal do Livro realizada no RioCentro, quando inclusive ela lançou a sua obra mais recente sobre a importância da Amazônia, tanto no plano nacional quanto no panorama universal. Foi uma afirmação de força da linguagem escrita numa época em que muitos a julgavam ultrapassada pela fantástica rede de informação da internet.

Mas uma coisa não atrapalha a outra. Na história da humanidade, a fotografia foi um avanço extraordinário, mas não ultrapassou a revolução de Gutenberg. Entre ambas, a separação é de quase quatrocentos anos. Menor é a distância entre o cinema e a fotografia, algo em cerca de 65 anos. O cinema não acabou com o teatro. A internet não abalou o cinema. Pelo contrário, ampliou o seu acesso através das telas, sobretudo as mais modernas. Pode-se argumentar que a frequência aos cinemas diminui com a internet, mas não a produção dos filmes dentro da dimensão em que o cinema é a arte do comportamento humano.

ADIÇÃO – A sequência dos progressos da humanidade inclui e baseia-se muito mais na adição do que na substituição. A linguagem escrita é eterna sobretudo porque não há em sua apreciação uma sensação de fuga do que é exposto pelas imagens. Isso de um lado. De outro, a absorção do conhecimento, da lógica e da interpretação é fundamentalmente proporcionado pelo texto escrito.

Certas expressões que funcionam como chaves para a rota do conhecimento e de uma nova análise dos fatos passados encontram-se nas linhas das linguagens através das quais os seres humanos se comunicam e podem modernizar os seus pensamentos. A linguagem escrita não foge da percepção. Miriam Leitão tem razão. O seu próprio livro sobre a Amazônia é um exemplo. A explicação exige a palavra escrita como definiu Ruy Castro em seu belo discurso de posse na ABL.

PEDRO DO COUTTO é jornalista.

Enviado por André Cardoso – Rio de Janeiro (RJ). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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