Por Jorge Folena

A Constituição brasileira diz que: “As Forças Armadas (FFAA) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer deles, da lei e da ordem.” (artigo 142)

De acordo com a Constituição, as FFAA têm três missões: 1) a defesa da pátria; 2) a garantia dos poderes constitucionais e 3) a preservação da garantia da lei e da ordem (GLO), de forma excepcional.

Nesse passo, o atual Comandante do Exército, para tentar se livrar de seu “chefe”, tenta agora dizer que as FFAA são instituições de Estado e não de governo.

Ocorre que os militares se permitiram ser sequestrados por Bolsonaro em suas aventuras contra a ordem democrática, como ficou bem claro na reunião ministerial de 24 de abril de 2020, cujo registro em vídeo pode ser considerado o documento mais importante da História republicana, pois nele se apresenta escancaradamente o descaso à saúde pública, o desrespeito à ordem democrática, ao meio ambiente e à pluralidade; são tantos os descalabros mostrados que todos os que participaram daquele ato deveriam ser processados e severamente punidos.

Com efeito, se Bolsonaro logrou chegar ao poder, pode-se agradecer ao ex-Comandante do Exército, General Eduardo Villas Boas, como manifestou diversas vezes o atual ocupante da presidência da república.

Isto porque em 03 de abril de 2018, véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula (para decretação de sua liberdade, em garantia à presunção de inocência), o referido general postou em sua conta no Twitter uma gravíssima ameaça de intervenção militar, caso o Supremo Tribunal Federal concedesse o pedido do ex-presidente, indevidamente preso, que afirmou a respeito:

“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”

Durante a campanha presidencial de 2018, as FFAA colocaram-se abertamente em defesa do candidato Bolsonaro, que, no dia da sua posse, homenageou e agradeceu aos militares por sua eleição e colocou no seu governo diversos militares da ativa e da reserva em funções variadas, sem ater-se a nenhum critério verdadeiramente técnico ou de competência.

Desde a campanha eleitoral de 2018 e ao longo do governo iniciado em 2019, Bolsonaro e os militares sempre se apresentaram como um corpo único, sem disfarces. Um se valeu do outro para ampliar as suas bases de poder junto à sociedade, e, inclusive, intentaram aplicar uma “intervenção militar”, distorcendo mais uma vez o artigo 142 da Constituição Federal para golpear a democracia.

Agora que Bolsonaro fracassa em todos os sentidos e ofende até mesmo os seus comandados fardados (dos quais ele se afirma “chefe supremo”), o Comandante do Exército tenta desvincular-se da criatura que a Lava jato de Sérgio de Moro e os próprios militares forjaram, numa eleição eivada de suspeições, com o objetivo de chegar pelo voto ao poder para combater a “Nova República”.

É tarde, muito tarde para os militares! Continuarão marcados pelo estigma dos sucessivos golpes à democracia. Em relação ao último, que nos trouxe até este momento crítico para o país, o próprio Michel Temer confessou recentemente que conspirou junto com os militares para, em 2016, golpear Dilma Rousseff da Presidência da República.

Por tudo isto afirmamos que os militares jamais deveriam ter saído dos quartéis (desejo manifestado pelo atual Comandante do Exército, Pujol), devendo ter se dedicado a defender a soberania e a democracia, atribuições castrenses que não observamos em diversas passagens da História do Brasil.

Da mesma forma que a Constituição de Weimar de 1918 levou a Alemanha ao nazi-fascismo e à guerra, o erro da Constituição de 1988 foi ter permitido que os militares fossem chamados para atuar na Garantia da Lei e da Ordem, um equívoco que, entre nós, vem se repetindo desde a Constituição de 1824, como procurei esclarecer em outra oportunidade.

Lugar de militar é nos quarteis.


JORGE FOLENA – Advogado; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor e Vice-Presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros. É colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre e dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.