Por Ruy Castro –
Antes e depois de Astrud Gilberto, só dois artistas brasileiros fizeram sucesso de verdade nos EUA: Carmen Miranda e Sergio Mendes. Por de verdade entendam-se discos aos milhões, presença em programas de TV e sua adoção pelos americanos como se eles fossem um deles.
Claro que, em termos de adoção pelos profissionais da música —produtores, arranjadores, maestros, instrumentistas, cantores —, ninguém chegou perto de Tom Jobim. Para nós, aqui, tanto faz: se um brasileiro estoura nos EUA, não pode ser perdoado.
FOI PIONEIRA – Astrud, que morreu na Filadélfia nesta terça (6), aos 83 anos, cometeu o crime de fazer com que os americanos se apaixonassem por ela. Mas, se o Brasil nunca entendeu o porquê disso, o primeiro a se atordoar foi Creed Taylor, produtor do LP “Getz/Gilberto” contendo o “The Girl from Ipanema” por Astrud.
O disco, com João Gilberto e Stan Getz, foi gravado em março de 1963. Taylor, sem saber o que fazer com ele, engavetou-o até abril de 1964, quando decidiu enfim soltar a faixa de Astrud como um single.
Para sua surpresa, os EUA se atiraram a ele, abrindo o caminho para o LP, o Top 5, a disputa com os Beatles, os Grammys e a eternidade.
RITMO MORNO E SENSUAL – Como explicar? Uma teoria é a de que os EUA viviam tempos difíceis, com o assassinato de Kennedy, em novembro de 1963, e o envio dos primeiros soldados para uma guerra sem sentido no Vietnã.
De repente, uma garota de corpo dourado caminhou por uma praia chamada Ipanema —Ipa what?—, ao som de um ritmo morno e sensual. Era um novo Shangri-La, e Astrud foi identificada com essa garota.
Depois disso vieram muitos outros discos. Hoje, quando sentem saudade dos anos 60, os americanos mais velhos citam Astrud. Nós é que nunca assimilamos o seu sucesso. No apogeu, Astrud vinha ao Rio para ver a família e passeava por Ipanema sem ser reconhecida. Em seu único show de verdade no Brasil, em 1966, foi vaiada.
RUY CASTRO é jornalista e escritor, colunista da Folha, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
Publicado inicialmente no jornal Folha de SP. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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