Por Carlos Mariano

Era longo o jejum sem títulos da Imperatriz Leopoldinense, tendo nesse caminho o drama de um rebaixamento ocorrido em 2019, cujo o enredo era “Me dá um dinheiro aí!”.

Aliás, dinheiro nunca faltou para a Imperatriz desde que Luiz Pacheco Drummond – o Luizinho, como era conhecido o contraventor do jogo do bicho – foi convidado pela direção da escola, no final da década de 1970, para ser o mecenas do carnaval da Verde e Branco. Luizinho faleceu aos 80 anos em 1 de julho de 2020, mas ainda pôde assistir o desfile impecável da sua escola na Série Ouro (Grupo de Acesso), reeditando o imortal enredo de 1981, “O Teu Cabelo Não Nega – Só Dá Lalá!” em homenagem ao grande artista do carnaval Lamartine Babo. Com o enredo, a escola ganhou seu primeiro título sozinha de campeã do carnaval carioca (em 1980, ela dividiu o título com Beija-Flor e a Portela). Fez à época uma apresentação de gala e em grande estilo a realeza de Ramos, praticamente, despedia-se do seu patrono.

O bicheiro, quando jovem folião, era torcedor declarado do Império Serrano. Mas, quando foi apresentado à escola da Serrinha para prestar os seus serviços digamos… “empresariais” como banqueiro do jogo do bicho, recebeu um não da corte imperial. Debandou, então, para as praias de Ramos e acabou acertando sua entrada numa outra verde e branco que era afilhada de batismo do Império Serrano. Assim, a Imperatriz passou a ser a nova paixão do bicheiro. A escola também era ideal para realizar seu projeto de “empreendedorismo” nas escolas de samba, uma meta a ser cumprida a partir da década de 1970. Não é à toa que a Beija-Flor com Anísio Abraão David, Mocidade Independente de Padre Miguel com o Dr. Castor de Andrade e a Imperatriz Leopoldinense com Seu Luizinho (foto abaixo) vão reinar nesse período no carnaval carioca como grandes vencedoras de títulos.

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Quem, como eu, assistiu das arquibancadas da Sapucaí o desfile da Imperatriz em 2020 na Série Ouro, sentiu uma nostalgia que trouxe ao desfile mais brilho e emoção. Naquele momento passaria para a história a reedição do maior desfile da escola e o encontro de gerações de dois grandes carnavalescos do carnaval carioca: o saudoso Arlindo Rodrigues, autor do enredo original de 1981, que o patrono tirou a peso de ouro da concorrente Mocidade (escola do seu rival nos negócios da banca, Castor de Andrade), com a ousadia e inteligência da nova geração de carnavalescos Leandro Vieira (que à época dirigia o barracão da Mangueira no Grupo Especial e o da Imperatriz no Acesso). Com o desfile, a Imperatriz mostrava para as suas coirmãs do Acesso, que ali estava uma escola de samba diferente das demais, que carregava no seu pavilhão, não só o símbolo da Coroa Real, mas a cultura heráldica das grandes nobrezas, que revelava a Imperatriz como uma escola mítica desde sua fundação em 6 de março de 1959. Certamente, algo para se orgulhar. Meses depois, Seu Luizinho morreria.

A história da Imperatriz remonta os idos de 1950. O bairro de Ramos tinha a fama e tradição de ter várias agremiações em seu carnaval. Dentre elas, os clubes carnavalescos, como Endiabrados de Ramos, e vários blocos, como o Sai Como Pode, Paixão de Ramos e o famosíssimo Recreio de Ramos. No fim dos anos de 1950, o intelectual Amaury Jório se desligou da galera do Recreio para criar a escola de samba Imperatriz Leopoldinense. Jório, na sua vivencia no Recreio de Ramos, conviveu com a nata da música brasileira que frequentava as dependências do bloco, entre eles Villa-Lobos, Heitor dos Prazeres e Pixinguinha. Essa convivência, sem dúvida, forjou o caráter da recém-escola de samba e faria dela uma agremiação carnavalesca diferenciada, principalmente no seu conteúdo de enredos, sempre com um viés da cultura e de brasilidade.

A Imperatriz foi a escola de samba pioneira no final de 1960 a criar um Departamento Cultural responsável por confeccionar seus enredos. A partir daí, a escola de Ramos vai afirmar identidade modernista da escola, pensando o Brasil não mais a partir da história dos grandes vultos, como faziam Portela, Império Serrano e Mangueira, mas sim, a partir de narrativas que trouxesse um olhar para o povo brasileiro e sua participação na construção de uma identidade nacional com base na cultura popular. Enredos como “Brasil, Flor Amorosa de Três Raças” (1969) ’’Oropa, França e Bahia” (1970), “Barra de Ouro, Barra de Rio, Barra de Saia” (1971) e o antológico “Martim Cererê” (1972) consagraram a Imperatriz Leopoldinense com uma escola correta, meticulosa, pesquisadora e sempre popular. “Martim Cererê” consagrou Zé Catimba como um dos maiores compositores da história do samba-enredo. Zé Catimba é o apelido de José Ignácio dos Santos Filho: paraibano, filho de um violeiro repentista que veio para o Rio de Janeiro ainda garoto, como muitos nordestinos na década de 1950. Aos 16 anos participou da fundação da Imperatriz, passou por muitos segmentos da escola, inclusive na direção com Seu Luizinho. Mas, foi na condição de grande compositor que Catimba escreveu seu nome na corte Leopoldinense. Catimba deixou sua assinatura em vários sambas clássicos da escola: “O Teu Cabelo Não Nega” (1981), e “Estrela Dalva” (1987), além do já citado, “Martim Cererê” (1972).

Quando na última segunda-feira de Carnaval, 19 de fevereiro, a Imperatriz entrou na Marquês de Sapucaí para defender o enredo assinado por Leandro Vieira (foto abaixo) “O Aperreio do Cabra que o Excomungado Tratou Com Má-Querença e o Santíssimo Não Deu Guarida”, a Imperatriz estava trazendo todo o seu legado: o modernismo dos seus enredos, o Departamento Cultural e claro, Zé Catimba e o povo nordestino.

Saiba quem é Leandro Vieira, o carnavalesco campeão com o desfile da Imperatriz - Carnaval - Extra Online

Leandro Vieira, ao colocar na avenida – em forma de poesia, cordel e samba a história mítica de um dos personagens mais controversos da nossa história social, Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938), conhecido em toda a parte do mundo como “Lampião”, ele puxou o fio da saga da própria Imperatriz e de seus enredos culturais que falam do Brasil e sua brasilidade a partir da cultura e narrativa do seu povo. Depois de ter sido rejeitado no inferno e no céu, Lampião é eternizado nos corações e mentes do povo nordestino, que o carrega até hoje no repente, no cordel, na luta por melhores dias e, principalmente, no sorriso, alegria e o talento de Zé Catimba, maior compositor da escola e a cara da Imperatriz.

Viva o Nordeste, a Imperatriz Leopoldinense e sua história.

CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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