Por Jeferson Miola –

Processos de privatização são oportunidades de grandes negócios. Em regra, são negócios extremamente convenientes para grupos privados, porém ruinosos para o Estado e lesivos ao interesse público.

A privatização da CORSAN, a Companhia Riograndense de Saneamento, não foge à regra. E ainda expõe a dimensão obscura do processo, com os jogos de interesse envolvidos e as ligações indecorosas de servidores públicos com agentes privados em prol do consórcio AEGEA, que arrematou a empresa por bilhões a menos do valor que de fato vale.

Não se trata de um debate doutrinário sobre privatizações, porque há indícios de que a privatização da CORSAN é, na realidade, um caso de polícia.

Isso é o que se pode depreender do voto da conselheira do Tribunal de Contas do Estado/TCE Ana Moraes, que recomenda que a Polícia Civil apure as denúncias de graves vícios e ilegalidades no processo.

No seu voto na sessão do TCE de 20 de julho, Ana Moraes destacou que “o gestor da CORSAN, mesmo tendo acesso em tempo real aos resultados financeiros e podendo fazer as correções ainda na fase interna da licitação, permaneceu silente quanto a estes fatos”.

O governo Eduardo Leite/PSDB-MDB já conhecia pelo menos desde 15 de outubro de 2022 a realidade financeira da CORSAN. O balanço do 3º trimestre já mostrava um desempenho econômico-financeiro real da Companhia 46% superior à previsão subestimada do Banco Genial, contratado sem licitação por R$ 10,3 milhões para a modelagem da venda da estatal.

Assim mesmo, no entanto, 45 dias depois, em 29 de novembro de 2022, o governo publicou o aviso de leilão “sem as correções das projeções das modelagens para fixar o valuation e o preço de referência para a formação de lances no leilão”, afirmou Ana Moraes.

Esta atitude deliberada – e, portanto, dolosa – teve como efeito concreto a subavaliação do valor de mercado da CORSAN, subestimado em pelo menos um bilhão de reais somente em relação ao quesito “lucro líquido”, afora outras variáveis que formam o preço final.

Assim como a conselheira Moraes, o Oficial do Ministério Público do RS e acadêmico em Direito Rodrigo dos Reis também entende que a privatização da CORSAN é um caso de polícia.

Na visão dele, porém, a competência de investigação deveria ser da Polícia Federal, considerando os “sérios problemas no ágio, na valuation e possível uso de informação privilegiada, cujo potencial é de macular o mercado de capitais e a venda de ações da CORSAN, malferindo normas e princípios da Comissão de Valores Mobiliários”.

Rodrigo sustenta que as “leis que regulam a matéria, o Direito Comparado (EUA/Europa) e a jurisprudência do STJ/STF discorrem sobre exemplos/precedentes fixando a competência da Justiça Federal à investigação de insider (e insider trading) e crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira”, como é o presente caso.

O governador tucano Eduardo Leite, ao invés de anular o leilão e mandar investigar as graves denúncias apresentadas, partiu para a ofensa ao procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCE, Geraldo da Camino, à conselheira Ana Moraes e ao conselheiro Estilac Xavier.

Leite diz que a diferença bilionária do valor da CORSAN apontada pelo TCE, e que será ilegalmente e escandalosamente embolsada pela AEGEA, é “pêlo em ovo”.

A continuidade da CORSAN sob controle da AEGEA é mais uma conduta tão ou mais escandalosa quanto as gravíssimas suspeitas apontadas. A privatização da CORSAN é um caso de polícia, precisa ser anulada e investigada.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

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