Por Luiz Carlos Prestes Filho

Recentemente, conversei com o amigo Antônio Pedro que em novembro de 2020 comemorou 80 anos de vida e 60 de realizações artísticas! Animado, o querido ator do teatro, do cinema e da televisão bradou, como se jovem fosse: “Nas artes tudo muda de uma hora para outra. Não adianta reclamar, saudosismo aqui é bobeira. Depois, estamos em plena revolução científica e tecnológica. Temos que saber enfrentar com competência, inteligência e serenidade essa gangue canalha que está desmontando as instituições culturais do Brasil.

Amir Haddad, Fábio Porchat e Antônio Pedro

Antônio Pedro foi secretário de cultura da cidade do Rio de Janeiro (1986/1988), no governo Roberto Saturnino Braga, quando ampliou a participação dos movimentos populares na gestão pública. Ombro a ombro, com o diretor e dramaturgo Amir Haddad, realizou ações nas ruas e praças. Durante o papo o amigo relembrou da aproximação que realizamos juntos com a Rússia (ex-União Soviética), quando batalhamos pela assinatura do Acordo de Cidades Irmãs entre Rio de Janeiro e São Petersburgo (antiga Leningrado): “Temos que saber pensar grande, olhar os horizontes da cultura. Como eu poderia me recusar em estabelecer um canal de comunicação com aquela cidade maravilhosa? Trazer para perto o Museu de Arte Hermitage, o balé do Teatro Marinskii e o brilho dos palácios de uma Grande Nação. Foi uma experiência incrível receber aqui no Rio de Janeiro a então vice-prefeita, Valentina Matvienko, hoje senadora e presidente do Conselho da Federação Russa, e o então jovem tradutor russo/português, Igor Sechin, hoje presidente da Rosneft – um dos homens mais influentes do mundo. Na época a Valentina foi fundamental para que a assinatura do acordo de geminação fosse um êxito”.

Antônio Pedro, secretário de cultura do Rio de Janeiro, Amir Haddad, diretor da SEC, Valentina Matvienko, vice prefeita de Leningrado, Luiz Carlos Prestes Filho e Igor Sechin, tradutor. Ao fundo o Palácio de Inverno dos Tsares em São Petersburgo

“Este instituto legal, que ainda tem validade, pode e deve ser aproveitado pelo prefeito Eduardo Paes. Mas é meu dever reconhecer que a ideia foi sua Luiz Carlos, eu desempenhei o papel do executivo.”

O prefeito do Rio de Janeiro, Roberto Saturnino Braga reunido com o prefeito de Leningrado, Rodirev, ao seu lado Luiz Carlos Prestes Filho

O carioca da gema, Antônio Pedro Borges de Oliveira, nasceu no Rio de Janeiro, filho de família quatrocentona por parte de mãe, Edith Borges de Oliveira, que gostava de destacar que era parente distante do arquiteto Oscar Niemeyer. O pai, Fábio de Oliveira, era médico fisiologista e diretor de uma companhia de seguros do governo – Equitativa:

Passei a infância em Ipanema, quando o bairro ainda era um areal, subúrbio da zona sul. Nossas ruas eram de terra, tinha muito barro e terrenos baldios. O único prédio que existia era o da nossa família, de onde dava para ver a praia de Ipanema e a de Copacabana simultaneamente. Depois muitos outros prédios subiram e acabaram com a paisagem da minha infância.

Seus primeiros passos nas artes foram em 1960, quando acompanhou a atriz Camila Amado nos ensaios da peça “Um Elefante no Caos” de autoria do Millôr Fernandes, no Teatro da Praça: “O Gilson Amado, pai da Camilinha que tinha 22 anos, não deixava ela ir sozinha, sempre enviava a babá junto. Isso deixava ela constrangida. Eu estava com 20 anos, já tinha cara de responsável, a amiga me convidou, eu fui autorizado a substituir a babá. No início fiquei ali batendo papo com o João Bethencourt que dirigia, até que um dos figurantes faltou e ele me perguntou se eu poderia substituir. Disse que daria até uma graninha, um cachêzinho. Eu topei. Vamos nessa! Eu que tocava trompete consegui me destacar nos ensaios. Tanto que o Fábio Sabag, que fazia o teatrinho Trol da TV Tupi, um programa para crianças e adultos patrocinado pela fábrica de brinquedos Trol, me convidou também. Eu fui. Terminou que estreei na televisão antes da peça do Millôr entrar em cartaz. No cinema minha carreira começou mais tarde. Sinceramente, hoje nem me lembro do primeiro filme. Mas foi sempre assim, no meio de uma produção começava outra, depois outra, depois outra, nunca parei. Durante a década de 1970 filmei muito! Trabalhei pra cacete, me droguei pra cacete… por isso tem filmes nos quais vejo a minha imagem, está lá o meu nome. Mas eu mesmo não me lembro de ter feito! As vezes eram produções que duravam um dia ou uma noite, eu fazia isso completamente doido. Curioso que, apesar das filmagens durarem pouco, eram papéis de relevância, por isso estranho eu não lembrar de ter feito.

José Wilker, Antônio Pedro e Paulo Betti em ‘Casa da Mãe Joana’

O amigo conta que para sua formação foi importante trabalhar em São Paulo, no espetáculo “Roda Viva”, de autoria do Chico Buarque. Recorda quando o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiu o teatro e quebrou tudo! Levou umas porradas! Para ele foi fundamental estabelecer uma parceria profissional com os atores Beth Faria, Claudio Marzo e com o Apicius, o Roberto Marinho Azevedo: “Em São Paulo fui assistente de direção. Depois, trabalhei no ‘Teatro Oficina’ do José Celso Martinez Corrêa. Participei da montagem da peça ‘Galileu Galilei’ de Bertold Brecht. Em 1970 dirigi o ‘Beijo no Asfalto’ de Nelson Rodrigues. Depois, completamente envolvido com o Augusto Boal, viajei para a França, onde, com a peça ‘Arena Conta Zumbi’, fizemos apresentações no Teatro Jornal. Foram anos incríveis! Mas tem muito mais e mais… daria um livro gigantesco.”

Antônio Pedro volta para o Rio somente oito anos depois, em 1973: “Eu passei o ano agitado de 1968 em São Paulo. No meio de greves e de atividades de mobilização do movimento estudantil. Participei de assembleias, eu quase não dormia. O que era normal… eu me drogava mesmo! Mas sempre trabalhando muito como ator no teatro. Pois, o teatro é a arte do ator. Para mim, no teatro, o diretor, a cena, o figurino, a iluminação e o texto, servem ao ator. O fenômeno teatro acontece porque o artista no palco e o público na plateia interagem. Repito: o teatro é a arte do ator. O cinema é a arte do diretor que dirige a câmera, é ele que vai entrar em contato com o espectador. Ou seja, o teatro é a arte imediata, não tem intermediário entre o artista e o seu público. Todas as outras artes são mediatas. É assim nas artes plásticas, na literatura e na televisão. No teatro é direto, por isso para mim foi importante aquele mergulho.”

Antônio Pedro em dois momentos, com os amigos Fábio Sabag e Fernanda Montenegro

Ele volta a falar de política cultural ao relembrar os anos quando foi secretário municipal de cultura do Rio de Janeiro: “Foi um momento desafiador de um lado e decepcionante por outro. Aprendi muito com o serviço público, sobre orçamento, de ser ordenador de despesa. Mas tenho que reconhecer que de tudo o que me propus a fazer, aconteceu mesmo 10%. Mas foi divertido, o que aconteceu, aconteceu de verdade. Depois, todas as minhas contas foram aprovadas, nunca tive qualquer ato que desabonasse minha responsabilidade para com o dinheiro do povo. A burocracia brasileira desconfia da idoneidade de seus cidadãos. Então, sempre existe uma vigilância idiota que impede das pessoas trabalharem e não impede a roubalheira, como estamos hoje percebendo. Isso vem da legislação criada para prender negros! Porque ela foi feita para prender por motivos fúteis, leis criadas após a proclamação da República como a Lei da Vadiagem e tantas outras que impediam o livre exercício de cultos afro-brasileiros. Imagine que consideravam o candomblé e a umbanda atividades que promoviam falcatruas. Em fim, temos ainda uma legislação colonial a serviço da elite branca. Por tanto, para trabalhar na gestão pública é preciso estomago e vocação. Essa vocação eu não tenho.”

Elenco da “Escolinha do Professor Raimundo” na década de 1990. Na primeira fileira: Cláudia Jimenez (Dona Cacilda), Tássia Camargo (Marina da Glória), Antônio Pedro (Bicalho), Castrinho (Geraldo), Grande Otelo (Eustáquio), Stella Freitas (Cândida) e Brandão Filho (Sandoval Quaresma); na segunda, Zezé Macedo (Dona Bela), Rogério Cardoso (Rolando Lero), Walter D’ávilla (Baltazar da Rocha), Antônio Carlos Pires (Jesilino Barbacena), Orlando Drummond (Seu Peru) e Lug de Paula (Seu Boneco); na terceira fileira, Nizo Neto (Senhor Ptolomeu), Sérgio Mallandro (Mallandro), Mário Tupinambá (Bertoldo Brecha), Marcos Plonka (Samuel Blaustein), Jaime Filho (Suppapau Uaçu) e Olney Cazarré (João Bacurinho)

Quando lembra da época em que foi secretário de cultura da cidade de Volta Redonda (1989-1992), o amigo volta a reconhecer que não conseguiu executar completamente o que planejou. Por outro lado, o que realizou, foi destruído pelos governos que sucederam: “Executei uma política cultural, naquela cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro, com colaboradores sensacionais como o artista Rubens Gerchmam e o escultor Ítalo Moriconi. Nas oficinas que eles coordenaram o primeiro realizou um painel metálico multicolorido e o segundo uma escultura-fonte que valorizava a denominação da cidade. Tudo com a matéria prima da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) – o aço. Obras na época fixadas na Praça Brasil, que foram destruídas pela administração que chegou depois. O Geraldinho Carneiro e o Francis Hime coordenaram uma oficina com poetas e músicos locais, que resultou numa cantata; os dramaturgos Caique Botcay e o Bráulio Pedroso escreveram uma peça sobre Volta Redonda. O Tarso de Castro coordenou a oficina de jornalismo, que resultou num tabloide que teve a honra de ser rasgado na Câmara de Vereadores. Os políticos locais consideraram o conteúdo um insulto às autoridades. Mas, amigo Luiz Carlos, não posso deixar de reconhecer a importância da sua participação na minha administração em Volta Redonda. Você, com sua equipe, foi fundamental para viabilizar os trabalhos com o manuseio dos recursos públicos que tínhamos. Você, também, foi show!

Hugo Carvana e Antônio Pedro (Foto: Fábio Marconi)

As artistas, Alice Borges de Oliveira, filha com Yvette Borges de Oliveira, e Ana Magdalena de Oliveira, filha com Margot Baird, hoje tem o irmão caçula, Fábio Borges de Oliveira, filho com Andrea Bordadagua: “Estou sim feliz e realizado em família. A Andrea é hoje a minha querida e grande companheira. Claro que ao completar 80 anos, vejo que muitos se foram, mas é o preço que se paga por continuar vivendo. Sinto muita falta do amigo-irmão Hugo Carvana, ele era aquele com quem eu conseguia passar horas, até mesmo dias, entre piadas e histórias engraçadas. Era um festival de besteira, quando ele ria muito de mim… e eu adoro que riem de mim! Como o Carvana nunca encontrei mais ninguém!

No sentido horário: os filhos Fabio (15), Alice (54) e Ana (50)

Desejo, Antônio Pedro, que você continue sendo essa alegria de ser humano por muitos e muitos anos!


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Cineasta, formado em Direção de Filmes Documentários para Televisão e Cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).