Por Carlos Mariano –
Depois de mais 70 anos de jejum, o estilo premiava a Unidos da Tijuca e lançava um novo jeito de fazer Carnaval.
Em 2010, exatamente há dez anos, uma das escolas de samba mais antigas e tradicionais do nosso carnaval, a Unidos da Tijuca conquistava – depois de 74 anos, seu segundo título de campeã do carnaval carioca. O primeiro foi em 1936, nos primórdios dos desfiles. A nova conquista consagrou também Paulo Barros como carnavalesco.
Com o tema “É Segredo!” (não um enredo), a escola do Borel não só ganhava o campeonato, mas também consolidava perante a mídia, público e jurados a estética pop hollywoodiana do carnaval de Barros.
O carnavalesco começou sua carreira de artista do carnaval em 1994 na Vizinha Faladeira com o enredo “Sou rei, sou rainha na corte da Vizinha”. Com seu estilo hollywoodiano, Barros não poderia ter escolhido melhor escola para debutar, afinal, a antiga escola de samba do bairro da Saúde tem um fato marcante e inusitado na sua história: em 1939, a Vizinha Faladeira foi desclassificada da disputa do desfile de carnaval por ter apresentado um enredo sobre a Disney. Naquela época, o nacionalismo estava aflorado no mundo do samba e também na ideologia política, e não se permitia fazer enredos de temas internacionais.
Mais Paulo Barros começou a despertar mesmo o interesse das grandes escolas foi no carnaval de 2003, quando a escola de samba Paraíso do Tuiuti (onde, hoje, ele está trabalhando novamente), fez uma bela homenagem ao pintor Cândido Portinari. Com alegorias criativas e de bom gosto no uso das cores, Barros causou uma boa impressão na opinião pública e levou a escola de São Cristóvão a um honroso quarto lugar no grupo de acesso A.
Em 2004, um ano depois do bom carnaval na Tuiuti, Barros chega à Unidos da Tijuca, contratado por Fernando Horta, empresário português que por várias vezes presidiu a escola do Borel. Com ele, a Tijuca atinge outro patamar: de escola mediana passou a postulante a título. No próprio carnaval de 2004, Barros leva a Tijuca a um surpreendente vice-campeonato. Apresentando o enredo “O sonho da criação e a criação do sonho. A arte da ciência no tempo do impossível”, Paulo impactou o público e a imprensa com a alegoria “A criação da vida”, mas conhecida como alegoria do DNA. O carro vinha com várias pessoas coreografando e representando a criação da vida através dos cromossomos. Os corpos pintados com um tom de azul prateado trouxeram uma iluminação natural à pista.
A partir desse desfile, Barros começa a ser visto com outros olhos tanto pela crítica e quanto pelo mundo do samba, e passa a ser reconhecido como um carnavalesco de ponta e a ser sondado por outras escolas.
Depois de duas passagens não muito marcantes pela Unidos do Viradouro em 2007 e em 2008, e Vila Isabel em 2009, Barros volta para a Unidos da Tijuca em 2010, para triunfar com seu primeiro título como carnavalesco. “É segredo!”, como já foi dito aqui, não foi um enredo, e sim, um tema que pretendia revelar os mistérios que rondam a história da humanidade. No desfile, Paulo Barros traz para avenida uma estética calcada no ilusionismo, efeitos especiais e estrangeirismos da cultura pop. Logo de cara, na abertura do desfile da escola, ele traz a sua carta na manga para ganhar o título: a sua comissão de frente, que vem mostrando e representando os truques que os mágicos fazem nas suas apresentações.
O carnaval, já vinha desde Joãozinho Trinta, utilizando a verticalização dos carros alegóricos e o luxo e a suntuosidades das fantasias. Mas Paulo Barros queria mais: queria trazer para a pista o inesperado, a surpresa da mágica. Ou seja, levar até as últimas consequências o tal “maior espetáculo da terra”, como ficou conhecido esse carnaval exibicionista e tão bom para as coberturas de TV e para os “gringos” do carnaval turístico.
Com o objetivo de mostrar um desfile a partir da superficialidade dos poderes mágicos do ilusionismo e dos super-heróis da indústria cultural, a Unidos da Tijuca de Paulo Barros vai transformando o seu inusitado desfile em uma grande catarse pop, que vai causando empolgação, principalmente na mídia especializada que se deslumbra com a consagração e supremacia da plástica pop sobre o samba, e começa mesmo antes dos jurados, a eleger a Tijuca como virtual campeã do carnaval carioca.
Nessa catarse pop, a Unidos da Tijuca traz para a avenida uma estética hollywoodiana e desfilam na passarela do samba Batmans, Robins, Michaels Jacksons. Paulo Barros vai conseguindo arrancar aplausos, especialmente da classe média branca, que já vinha há muito tempo sendo o público dos principais setores das arquibancadas, devido ao alto preço dos ingressos inacessíveis para outras camadas da população. Essa classe média, junto com os gringos e a grande mídia, se extasia com as peripécias de Barros e o consagram.
Na quarta-feira de cinzas, quando foram abertos os envelopes, com as notas dos jurados, não deu outra: Unidos da Tijuca campeã do carnaval 2010 do grupo das principais escolas de samba do Rio de janeiro.
Vale lembrar também que Paulo Barros e a Unidos da Tijuca foram brindados com uma boa dose de sorte, pois suas grandes concorrentes não fizeram bons desfiles naquele ano. Nem a Vila Isabel, que vinha lembrando os 100 anos de Noel Rosa, conseguiu fazer um desfile suficientemente inspirador para superar o ilusionismo tijucano.
A partir dessa conquista, Paulo Barros e Tijuca criaram uma simbiose que parece difícil de desfazer. A Unidos da Tijuca ganhou outros dois títulos tendo Paulo Barros como seu artista: 2012 e 2014. Depois disso, com a saída do carnavalesco da escola do Borel, a agremiação não conseguiu fazer mais carnavais fora da forma criativa do carnavalesco. Barros saiu da escola mas, parece que seu estilo não consegue sair dela. Todos os profissionais que passam por lá tentam fazer carnavais a partir dos ensinamentos do mestre.
A coisa que me deixa muito intrigado nesse carnaval da Tijuca de 2010 é a qualidade do seu samba-enredo. Composto pelo bom trio de compositores Júlio Alves, Marcelo e Totonho, prestou-se bem ao desfile da escola. Embora, se comparado a outros sambas da longa história da Unidos da Tijuca. ele fica muito aquém. É, historicamente, um dos sambas-enredo mais fracos das escolas que foram campeãs do carnaval carioca. Claro que a culpa não é dos compositores, mas sim, da fragilidade e superficialidade do enredo, que dificulta, e muito, o brotar de uma poesia e ao mesmo tempo, de um samba de verdade. Fica tudo na superfície, no quase, no simulacro. Mas, como o enredo era o segredo, talvez aí esteja o mistério desse samba. Ter ganhado nota dez dos jurados, sendo fraco de letra e poesia, a harmonia e a bateria fizeram um truque que pareceu ser bom. Uma mágica e tanto para ilusionista nenhum botar defeito!
CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com
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