Por Lincoln Penna

Amanhã será um lindo dia
Da mais louca alegria
Que se possa imaginar
(Amanhã, de Guilherme Arantes)

Se o mês de agosto costuma reservar crises políticas, pelo menos desde o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, a atingir sempre nesse mês governos como o de Juscelino, Jânio, Jango e Collor, o agosto deste ano apresenta uma crise requentada e de conteúdo muito mais profundo, pois não envolve unicamente governos. Atinge a nossa autoestima como povo e a nossa soberania como nação.

O que enfrentamos nessa crise maior e mais aguda desperta o desejo de superação provocada por tantas desesperanças. Em grande parte, causadas pelos incômodos de uma eleição malfadada que fez vitoriosa uma candidatura do ódio, aliada a pandemia que não nos deixa viver plenamente, e tem nos levado a pensar num amanhã que nos liberte das seguidas frustrações.

A disposição para a superação desses males que nos atormentam requer que tenhamos esperanças renovadas. E que elas sejam construídas e permanentemente alimentadas pela devoção à vida, de modo a cultivarmos a crença de um futuro como possibilidade real, só alcançado se o idealizamos conjuntamente.

Para isso é preciso que compreendamos que quando se sonha junto estamos a compartilhar sentimentos, cuja força da vontade coletiva os torne realizáveis, mesmo que existam forças que a eles se oponham. Mas, essa utopia no sentido de um vir a ser pressupõe o cultivo dessa vontade conjunta. Ninguém é feliz só, desacompanhado. Ao contrário, a verdadeira felicidade se dá quando estamos juntos a alguém com quem dividimos o prazer da vida.

As adversidades devem nos revitalizar ao invés de nos resignar diante das dificuldades. Para enfrentá-la não basta identificar sua presença e os seus males, mas somar esforços para que reunamos a indignação somada à determinação de se conquistar um cenário que a todos possa dignificar nossa existência. Vítimas da cultura persecutória e odiosa de quem nos atormentam, devemos adotar a solidariedade cúmplice, aquela que nos fortalece a cada um e a todos ao mesmo tempo.

É um ato de devoção para amparar os que mais sofrem com situações de penúria, abandono e desapreço dos poderosos de plantão. Sim porque eles serão varridos como excrescência.

Temos atravessado tempos de dor e desilusão, de tristezas e sofreguidão; contudo, esmorecer não é a melhor atitude. Ela não somente nos deixa mais abalados e indiferentes à própria sorte, como realimenta uma situação que nos conduz a que dias piores poderão vir. Nada é mais edificante e construtivo do que a luta por uma vida melhor. Afinal, o ser humano se fez pelas conquistas de modo a incorporar avanços e melhorias para si e os seus semelhantes. Esta história precisa continuar. E vai continuar na certeza de que fomos feitos para vencer tudo que nos oprime, e quando isso acontece temos exemplos dignificantes de como foi possível dar a volta por cima.

Um projeto de país conjuntamente concebido é possível e necessário. Mas, no momento, antes disso, temos uma tarefa que ganhou prioridade, e por isso mesmo é inadiável. Trata-se da remoção dos entulhos do passado e do presente. Este representado pelos que ludibriaram o povo e se apoderaram momentaneamente do poder. Seu objetivo consiste em por abaixo as pequenas, porém importantes conquistas obtidas quando do retorno das liberdades democráticas, agora sob pressão indisfarçável.

Não será este atual governo a instrumentar o poder e banalizar o trabalho humano para prover interesses exclusivos dos que o exploram, que nos fará ceder diante de ameaças e atitudes insanas. Um sistema opressor como o capitalismo tem sido responsável pelas desigualdades sociais que para seu livre curso serve os atuais governantes. Regredimos o bastante para não permitirmos mais retrocessos. A subserviência e a opressão precisam ser barradas enquanto é tempo.

Na luta pela restauração de nossa dignidade como povo, se não buscarmos a plenitude da vida em toda a sua extensão, nada adiantará. Demos passos pequenos até aqui, mas foram muito poucos diante do caminho a percorrer, de maneira a contemplar as nossas justas demandas que precisam ser alcançadas. Agora o que vale é chegarmos à plenitude de nossos desejos. Estamos fartos de arranjos que não têm levado senão a manterem-se intocáveis as estruturas anacrônicas que só interessam aos poderosos. Ou como finaliza a letra de Guilherme Arantes:

Amanhã, mesmo que uns não queiram
Será de outros que esperam
Ver o dia raiar
Amanhã ódios aplacados
Temores abrandados
Será pleno, será pleno

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


Tribuna recomenda!