Por José Carlos de Assis

O grande número de ministérios criados pelo presidente Lula para administrar o país foi uma exigência política incontornável e uma resposta igualmente inevitável às pressões dos grupos identitários. Sem isso, seria impossível conciliar no governo as demandas partidárias  e dos vários setores sociais. Mas isso tem um custo: o risco de ineficácia administrativa, com a dispersão de recursos e de iniciativas governamentais.

O presidente está contornando com grande habilidade essa situação, que foi obrigado a criar por causa da forte oposição bolsonarista enfrentada nas eleições e que ele ainda enfrenta depois delas. Para isso tem estruturado conselhos com o objetivo de sugerir a integração de ações de vários ministérios com funções e interesses em áreas afins. Não é garantia de estabilidade permanente, mas é uma contribuição para ela.

Garantia mesmo de estabilidade só virá com o sucesso das políticas públicas do novo governo, que deverão ser indicadas pelos conselhos, especialmente em áreas com efeitos diretos  para as camadas mais baixas da população. A principal delas é a alimentar, já a curto prazo. O foco da campanha eleitoral de Lula foi “acabar com a fome de 33 milhões de brasileiros e brasileiras”, e se esse compromisso não for cumprido a estabilidade social e política estará comprometida.

Existem cinco ministérios ligados direta ou indiretamente à questão agrícola e alimentar. São eles Agricultura e Pecuária, Pesca e Aquicultura, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Desenvolvimento Social, Assistência, Família e Combate à Fome; e Meio Ambiente. Alguns estão concentrados na agricultura comercial, enquanto outros, de interesse social direto, são pequenos e médios agricultores, cooperativas agrícolas, MST, quilombolas etc. Seria conveniente que todos contribuíssem para o planejamento comum, mantendo, porém, suas plataformas específicas de ação.

Note-se que pequenos e médios agricultores, que têm financiamentos menores do governo em relação aos produtores de commodities exportáveis (soja, carne, milho, açúcar etc), respondem por nada menos que quase dois terços da produção alimentar do país. Quando estamos tratando de combate à fome e segurança alimentar, são eles que deveriam receber um tratamento financeiro especial, e não os grandes.

Contudo, o Plano Safra,  principal fonte de financiamento governamental para a agricultura, num total de R$ 341 bilhões para o ciclo 2022/23, destina apenas R$ 145 bilhões para a agricultura familiar (Pronaf) e R$ 53,6 bilhões para médios agricultores (Pronamp). Em contrapartida, R$ 243 bilhões são dirigidos para os demais agricultores, inclusive os grandes produtores e comercializadores de commodities. A revisão desses critérios de financiamento deveria ser uma das prioridades do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), que acaba de ser recriado por Lula.

Por outro lado, a agricultura familiar, as cooperativas e os Arranjos Produtivos Locais, essenciais para a para a produção alimentar, não precisam apenas de financiamentos em dinheiro, mas de programas integrados que respondam pelas condições de vida no meio rural. É preciso atendimento à saúde, à educação, ao saneamento básico, ao fornecimento de água e a atenção à questão climática, que por motivos óbvios tornou-se fundamental atualmente.

A esse respeito, como não existe nenhuma fórmula mágica para controlar o clima, é essencial adaptar-se a ele. O caminho para isso são as fazendas climatizadas e as fazendas verticais, que já começam a ser implantadas em várias partes do país. Se forem suficientemente financiadas e adotadas em larga escala por pequenos, médios e mesmo grandes agricultores, a estabilidade alimentar estará garantida a médio e longo prazos.

O que está acontecendo no Rio Grande do Sul, por exemplo, é um desafio a uma mudança de padrão na produção agrícola brasileira que pode ser enfrentado com aquelas modernas tecnologias rurais. O problema mais urgente que está se apresentando atualmente, sem solução aparente, é o das secas, que se prolonga por cerca de três anos e compromete perspectivas futuras especialmente dos pequenos e médios agricultores, já que os grandes têm como se defender por meio do seguro rural.

Para realizar um grande programa de fazendas climáticas e verticais no Estado, onde  os problemas de seca são recorrentes, o essencial seria ter disponibilidade de água. Levantamentos geofísicos indicariam a maior probabilidade de sua ocorrência no subsolo das cercanias de rios e lagos secos onde seriam construídas  cisternas. A eletricidade seria garantida por usinas eólicas ou fotovoltaicas, de custo relativamente baixo e fácil instalação e operação. Com essa base se teria uma infraestrutura própria para fazendas climáticas e verticais não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o país.

O MST pode ter um papel relevante nesse processo, caso se limite à agricultura familiar e cesse a ocupação de terras produtivas. É que tem membros numerosos de integrantes em busca de lugar para plantar, e esse tipo de fazendas dispensaria a necessidade de grande quantidade de terras. Além disso, tecnologias modernas de produção em teste, como o uso da internet no controle de todo o processo produtivo, eliminando intermediários, reduziria o custo e aumentaria os lucros agrícolas para agricultores individuais e para grupos sociais integrados de produtores, como cooperativas e o próprio movimento de sem terras.

O incentivo à agricultura familiar, preferencialmente às facilidades que se dão aos produtores de commodities no Brasil, resolveria não só os problemas de insegurança alimentar internos, mas faria do país um dos principais produtores agrícolas mundiais.

Se isso for feito na base de um programa integrado que, além de promover a produção de comida por meios tradicionais e tecnológicos, leve ao meio rural serviços hoje quase exclusivos das cidades, como os mencionados acima, haveria estabilidade social e política no país, sem risco de comprometer a eficácia do governo.

Mesmo porque, no caso especial do MST, este compreenderia que não há necessidade de atos extremos de invasão de terras produtivas, como o que acaba de acontecer na Bahia, sob veemente condenação de Lula.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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