Por Ricardo Cravo Albin

“Quando a pátria que temos não a temos/Perdida por silêncio e por renúncia/Até a voz do mar se torna exílio/E a luz que nos rodeia é como grades”. (Sophia de Mello Breyner, in ‘Livro Sexto’-1966).

Mesmo para os que se disponham a analisar com um mínimo de frieza a situação do Brasil nesses últimos dias, não há como evitar sentimentos que mesclam perplexidades e amargura com a convergência dos desacertos acumulados.

Dois fatores que entendo gravíssimos desabrocharam agora como flores fétidas, não bastassem os tantos dissabores paralelos da gestão pública que se põem a nossos olhos nos jornais diários.

O primeiro é o agravamento devastador da pandemia e sua consequência imediata, duplicação de mortes e saturação dos hospitais. Em resumo, vivemos o pior momento desde o início da Peste. A tragédia do Brasil está nas manchetes de jornais internacionais. Pelo menos 20 países suspenderam ou impuseram vetos específicos aos passageiros saídos daqui, por temor da propagação. Fala-se do Brasil, meu Deus, como uma ameaça sanitária. Ou seja, a maldição soprada pelo Chanceler Ernesto há meses ao se orgulhar de sermos um pária internacional se consumou. O cientista Miguel Nicodelis, professor da Duke University, não usou meios termos: – “Essa rejeição é global e provoca pavor no mundo todo.” A condução da crise pelo governo brasileiro, antes sussurrada com discrição pelas esquinas do mundo, agora virou cobrança acalorada pela comunidade científica do planeta. Sai Pazuello e entra Queiroga. Esperança?

Todos, incluindo economistas e políticos mundo afora, aconselham o isolamento do Brasil. Até mesmo Centros de Estudos Brasileiros de universidades como as de Oklahoma ou de Glasgow são melancólicos sobre o destino de nosso país, cuja reputação míngua a cada semana de descontrole da pandemia.

O Departamento de Doenças Infecciosas de Londres também nos aponta o dedo: – “Até que haja uma cobertura total de vacinas e medidas mais rigorosas de controle da população, a epidemia mal administrada representa uma ameaça global, tornando-se impositivos lockdowns, máscaras e distanciamento social”.

Embora o temor mundial seja a falta de vacinas para o Brasil, sua reconhecida intimidade em vacinações poderia imunizar até 1 milhão de pessoas/dia. Muito longe dos números pra lá de tímidos de agora. Nesse ritmo, pela imprudência do Governo não ter reservado vacinas suficientes como quase todos os países fizeram ainda em 2020, a pandemia vai abater nossa gente pelos próximos dois anos. Dois anos! Para conhecimento de todos: Os Estados Unidos anunciam seus habitantes vacinados até maio, mesmo com Trump negando em 2020 a pandemia e inventando falácias. No Reino Unido, a população estará vacinada até julho.

Enquanto isso todos já se preocupam com as variantes do vírus chegarem a vários países do mundo.  Buscam-se pelo momento vacinas para abortar a migração de novas cepas.

Os lockdowns que o Brasil repudia em promover para controlar a transmissão agora no auge, põe o Brasil como risco mundial.

Atentem: estudantes brasileiros enfrentam todos os problemas. No Reino Unido são 12 dias de quarentena em hotéis indicados, ao custo de 14 mil reais. Nos Estados Unidos muitos fazem quarentena no México. Na Europa crescem as especulações de boicote à carne e soja, por conta da política ambiental errônea.

Os círculos políticos daqui e de fora já comentam o Custo Bolsonaro. Altíssimo e temerário.

Não para aplacar, senão para aumentar o incêndio político-ético-moral em que mergulhamos nesses dias de desditas, paira agora a grande ameaça do Supremo (até tu, Brutus?): anular as milhares de condenações impostas à corrupção pela Lava Jato.

Segundo Fachin, uma coisa foi sua sentença sobre a inadequação da condenação a Lula por Curitiba. Razão porque ele a anulou remetendo o processo para o âmbito correto, o de Brasília. Outra coisa, muito diferente, é o que o duvidosíssimo Ministro Gilmar Mendes imagina produzir: a anulação de mais de mil condenações ligadas à quadrilha que dilapidou a Petrobrás, a partir da 2ª Turma decretar a suspeição do Juiz Moro. Segundo Fachin, esse risco só beneficia a “gang” que assaltou o país a não mais poder. E que foi obrigada por Moro a devolver ao Brasil a dinheirama que lhe foi subtraída. Bastaria esse exemplo pró-Brasil para que Moro não fosse mais importunado. Esses “efeitos gigantescos” de anular todas as sentenças do único brasileiro a se guiar pela máxima eterna “para descobrir o criminoso, é só seguir o caminho do dinheiro” deveria levantar a consciência do país contra essa divisão da cada vez mais difusa 2ª Turma do STF.

A enorme poeta portuguesa Sophia Breyner testemunharia a triste realidade de hoje: “Quando a pátria que temos não a temos/ Até a voz do mar se torna exílio.”


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.