Por Geraldo Pereira

Quando Getúlio Vargas deu o golpe em 1937, fechando a Câmara e o Senado, antes já havia encarcerado os parlamentares que tiveram a coragem de protestar contra a ameaça à democracia, com o governo empastelando os jornais, prendendo jornalistas, estudantes e sindicalistas, fechando as entidades, que não rezavam pela sua cartilha, como a ANL – Aliança Nacional Libertadora.

Abguar Bastos, João Mangabeira, Domingos Velasco, Otávio da Silveira e Café Filho, foram as cinco vozes, corajosas vozes, erguidas na Câmara dos Deputados, contra o Golpe. No Senado a única voz foi a do paraense Abel Chermont. Vivíamos a ditadura, estávamos prestes a viver a Segunda Grande Guerra Mundial, o nazismo alemão, comandado por Adolfo Hitler, ameaçava incendiar o mundo.

Mais tarde, adolescente, no Recife, acompanhava o desenrolar das batalhas da Guerra pelo rádio. O Brasil não havia mandado a FEB – Força Expedicionária Brasileira, para os campos de batalha.

Em 1945, com a redemocratização do país, logo após as eleições de dois de dezembro, e o término da Segunda Grande Guerra Mundial, com a derrota dos exércitos nazistas de Hitler, fascistas de Musoline e do Império Japonês, chegou-me às mãos um exemplar do livro “Prestes e a revolução social”, editado pela Calvino, eu já tinha lido ‘A vida de Luís Carlos Prestes’, de autoria de Jorge Amado. A obra de Abguar deu-me conhecimento mais profundo de Prestes e dos problemas do Brasil. Abguar me ganhou com o seu livro.

Em São Paulo o conheci, ele era executivo do Colégio Alfredo Pucca e presidente da ABDE – Associação Brasileira de Escritores, cuja sede ficava na Rua Conselheiro Crispiniano, e era de propriedade de Caio Prado Júnior. O movimento na ABDE era grande, em todos os fins de tarde. Numa época de ‘vacas magras’, junto com o sergipano Clóvis Meira, morávamos na sede da Entidade, em troca lhe prestávamos algum trabalho. Ficamos amigos do peito, irmãos, camaradas, o ideal socialista nos unia. Fazíamos a correspondência, despachava no correio, cobrava as mensalidades, daqueles associados, principalmente dos que estavam em atraso. O vereador Jânio Quadros era o campeão, como ele nos enrolava!

Foi Clóvis Meira, que me apresentou ao Abguar, que grande honra conhecer o deputado corajoso, que ergueu a sua voz, quando o Getúlio deu o Golpe em 1937. Conheci o autor de ‘Prestes e a Revolução Social’, falei-lhe do seu livro, o tinha lido no Recife, falei com certo conhecimento, e lamentei tê-lo deixado lá. De imediato, Abguar, disse-me: “Aparece lá em casa, vou presenteá-lo com um exemplar.” No outro dia, eu estava em sua casa, um apartamento simples, modesto, nas Rua dos Andradas, apresento-me à esposa, vi os filhos do casal. Era julho de 1952, a dedicatória do livro não me permite engano.

Abguar Bastos prestou depoimento a Geraldo Pereira (esq.) em sua residência

Na ABDE desfilava sempre o poeta Rossine Camargo Guarnieri, Afonso Schimidt, Eduardo Sucupira, a poetisa Antonieta Dias de Moraes e Silva, Gracita Miranda, Rômulo Argentiere, Jorge Rizzini, Paulo Dantas, Walter Sampaio, mais tarde Aluíysio, seu irmão, Arthur Neves, mais alguns nomes que a memória não me ajuda, quem dava as caras também por lá, eram os comunistas, o arquiteto Vilanova Artigas, os médicos José Fernandes, João Belline Burza, o advogado Rivadávia, o jornalista Jaime Martins, muito educado, sua dedicação à causa socialista me causava admiração.

Abguar, era um intelectual sempre solicitado, fazendo palestras, debatendo problemas de São Paulo e do Brasil. Participando ativamente dos movimentos nacionalistas, foi o grande orador, do comício em que as forças populares elegeram Lino de Mattos e Wladimir Toledo Piza, prefeito e vice de São Paulo.

Sacudiu a multidão no Vale do Anhangabaú, com o discurso tendo como terma ‘A panela vazia’. Mais tarde elegeu-se Deputado Federal.

Quando Jorge Amado regressou à Pátria, depois de alguns anos na Europa exilado, a ABDE o homenageou com um jantar no Clube Homs, na Avenida Paulista, o trabalho de Abguar para o êxito total dessa homenagem, foi admirável.

Fomos esperar Jorge e Zélia, que estavam vindo do Rio de Janeiro de ônibus, mais de cem pessoas na Avenida Ipiranga, próximo à São João. Era lá o ponto final da Viação Cometa.

Os anos passam Abguar sempre o mesmo, socialista convicto, participante ativo, das lutas em defesa das boas causas. O vejo na luta contra a guerra da Coreia, a guerra do Vietnam, em defesa do ‘Movimento da Paz’ contra a guerra. Falando nos comícios, fazendo palestras e conferencias. Uma cultura a serviço da Pátria!

Há pouco, lembrei-me que tomei o depoimento de Abguar, em sua casa na Alameda Santos. A fita da filmagem procurei por mais de vinte anos, dava como perdida, encontrei-a, recentemente, graças a um profissional amigo, competentíssimo, recuperei-a, acabo de vê-la. Dois assuntos se fizeram presentes Literatura e Política. Assuntos que abordaremos brevemente, a fim de resgatar a memória de um idealista, de um grande intelectual, sempre sintonizado com a defesa da sua Pátria e do seu povo. Esse depoimento data de 31 de dezembro de 1993.

Abguar foi deputado em 1934, eleito pelo seu Estado natal, o Pará, e em 1956 pelo Estado de São Paulo. Nessa eleição participei ativamente. Como parlamentar Abguar ganhou projeção Nacional, foi o criador da Frente Parlamentar Nacionalista, composta de 121 parlamentares.

Abguar Bastos, uma saudade merecida!


GERALDO PEREIRA é jornalista especializado em história política e sindical do Brasil, atuando por mais de 60 anos nos principais veículos de comunicação do país, ex-presidente do Conselho Fiscal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Colunista do jornal Tribunada Imprensa Livre.