Por José Carlos de Assis –
Li duas vezes a entrevista do general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo de Jair Bolsonaro, publicada na Folha de S.Paulo na quinta-feira. A primeira me causou espanto: como um general quatro estrelas do Exército, ainda na ativa, pode se expor dessa forma às farpas da oposição ao defender abertamente um golpe militar nas entrelinhas de uma entrevista em que nega a intenção do golpe militar (“não estica a corda”). A segunda me causou asco: tudo se resume a cargos para militares de alta patente no governo.
Era de se esperar que um quatro estrelas do Exército, num posto de alta responsabilidade na República, usasse o espaço de uma longuíssima entrevista para tratar dos problemas mais graves da Nação. Não, afora a ameaça velada de golpe, não houve uma única palavra em relação aos problemas de desenvolvimento econômico e social do país, notadamente os relacionados com as principais vítimas da pandemia em curso, os pobres e os marginalizados.
Boa parte da entrevista girou em torno de cargos do primeiro escalão. General pra cá, general pra lá, reserva pra cá, ativa pra lá, enfim, uma conversa de botequim militar. Não há Brasil, não há povo. A única menção a um resquício de honra foi a manifestação de intenção do general de ir para a reserva, a fim de não comprometer as Forças Armadas ativas com um governo incompetente e politicamente corrupto. Assim mesmo, para mim isso só aconteceu por inspiração da cúpula militar norte-americana em relação a outro doido, Donald Trump.
Pela conversa de Luiz Eduardo Ramos, soube que o comandante do Exército, general Pujol, foi cogitado de ir para o Governo. Isto seria o desastre geral em termos de disciplina militar. Pujol aceitou uma reforma da Previdência que dividiu os militares em duas categorias, os alta-patentes que receberam mais em dinheiro, e os baixa-patentes que não receberam nada. Foi a estrita aplicação do neoliberalismo elitista de Paulo Guedes ao sistema militar. Como resultado, criou-se um racha em potencial nas Forças Armadas.
Atribuam-se todos os defeitos ao sistema político norte-americano, mas ele certamente supera em todos os valores, no caso militar, o sistema intervencionista brasileiro. O que aconteceu com Trump deveria servir de exemplo a nossos oficiais. E isso lá não é ocasional, é um padrão. Nos anos 50, o general Mac Arthur voltou como herói na guerra da Coreia. Ousou desafiar o Presidente e foi literalmente fritado. Os Estados Unidos jamais aceitariam uma ditadura militar como forma de governo, mesmo que benigna.
No do governo, alimentei a esperança de um golpe militar benigno, que varresse dos poderes os vendilhões da Pátria e devolvesse logo o poder central aos civis em termos estritamente republicanos. Cheguei a escrever duas cartas nesse sentido ao general Pujol, sem conhecê-lo. Foi uma bela perda de tempo. Agora, com o general Ramos brigando por cargos e expondo as tripas das Forças Armadas, entendi porque não respondeu.Brasil, diante da tragédia que assomou a República com a eleição de Bolsonaro, manifestada logo nos primeiros meses.
Brizola chamou o PT de partido da boquinha, insinuando que estava exclusivamente atrás de cargos. Não é verdade. Os defeitos do partido se relacionaram com a incapacidade de promover uma reforma estrutural das instituições, deslocando o poder, de forma permanente, mais favoravelmente aos pobres. Certamente que Lula favoreceu também os pobres. Mas na primeira rajada de vento, quando seu partido perdeu o poder com Dilma, sucumbiram nada menos que as duas âncoras do sistema social, as reformas trabalhista e previdenciária.
Nada mais esclarecedor a esse respeito do que uma história contada por Marcelo Crivella a respeito de Lula. Crivella havia sido nomeado ministro da Pesca e encontrou a estrutura ministerial com centenas de pessoas, a maioria ligadas ao PT, ganhando o defeso sem direito. Procurou Dilma, que não quis tomar decisão e mandou Crivella procurar Lula. Ao saber da história, Lula perguntou: “Crivella, tem rico ganhando?” Acho que não, Presidente, Crivella respondeu. “Então deixa pra lá”, concluiu Lula.
A decisão foi moralmente correta, mas institucionalmente ilegal. O fato é que a única forma de proteger a ação pública de acusações de favorecimento de amigos, nepotismo etc é pelo concurso público para entrada, e o progresso na carreira por mérito. Isso foi adotado em lei logo no primeiro governo militar depois de 64. A ideia era ter, em cada Ministério, um grupo limitado de assessores ministeriais, e o resultante do pessoal concursado. Entretanto, já no governo Costa e Silva a lei foi derrogada na prática. Nos governos seguintes piorou.
Nada, porém, se compara ao que os militares do Governo Bolsonaro estão fazendo. Eles estão se apropriando da estrutura da República como propriedade privada. Diz-se que há mais de 3 mil militares da reservas em postos do segundo escalão do Governo. No primeiro escalão é uma situação trágica, pois oficiais generais sem qualquer nível de especialidade se tornaram ministros. O caso mais notório é o do ministro da Saúde, um general que não sabe nada do setor e que foi guindado à chefia do Ministério, em plena pandemia do coronavírus. E os civis é que são corruptos?
MAZOLA
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