Por José Carlos de Assis

Thomas Friedman, um dos colunistas mais importantes do mundo, escrevendo no New York Times, transmitiu a opinião de três grandes cientistas norte-americanos, Dr. John P. A. Ioannidis, epidemiologista e co-diretor do Centro de Inovação em Meta-Pesquisa de Stanford, Dr. Steven Woolf, diretor emérito do Centro sobre a Sociedade e Saúde da Universidade de Virgínia, e dr. David Katz, diretor do Centro de Prevenção e Pesquisa da Universidade de Yale, com os três cientistas convergindo num ponto: medidas de prevenção efetivas contra o vírus não são necessariamente medidas de confinamento e de isolamento social.

Citei essas três cientistas estrangeiros assim como poderia ter citado autoridades médicas brasileiras, cujas opiniões técnicas usei em igual número de artigos sobre a pandemia, questionando sua classificação exagerada. Entre os três cientistas brasileiros, destaco o Dr. Beny Schmidt, professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo e chefe do Laboratório de Patologia Neuromuscular, cujo vídeo, que fiz questão de distribuir (com os dois outros), foi achincalhado como fake news pela Folha de S. Paulo, de forma absolutamente irresponsável. Se o tivessem escutado em inglês, talvez pudessem tê-lo respeitado.

A opinião de Schmidt, brevemente, é que o coronavírus é muito menos agressivo do que se pensa. Obviamente que, entre os infectados, há muitos casos de morte. Entretanto, há pessoas morrendo todos os dias. E como faltam equipamentos de diagnóstico e de autópsia, as mortes são atribuídas equivocadamente ao coronavírus, enquanto se devem a outros fatores mórbidos. Além disso, como é grande a pressão sobre a rede hospitalar oriunda da efetiva propaganda de pandemia entre a população, o que seria pouco mais que uma gripe se torna uma aparente epidemia em larga escala, justificando a fragilidade de parte da população.

Então pode-se perguntar porque o mundo inteiro se deixou levar por esse fetiche. Não sou cientista na área médica, mas sou um cientista político. E a ciência política trata justamente de questões relacionadas com as grandes massas. No meu entender, o que houve foi uma combinação de mobilização segundo o “princípio de autoridade” com o elemento social mais mundano do “medo”. Em primeiro lugar, o disparador do “princípio de autoridade” foi a disseminação nas elites e classes dominantes mundiais do medo de o coronavírus chegar até eles, o que exigia meios preventivos drásticos.

A reação imediata foi blindar das ameaças de morte as classes altas e as elites, usando o “princípio de autoridade”: era preciso convencer as massas, a curto prazo, a tomar remédios preventivos, mesmo quando não se sabia exatamente qual era a razão ou a terapia. A consequência involuntário foi apavorar a população com o grande medo da pandemia, mesmo quando não existissem seus sinais. Como nem tudo é inútil, as medidas higiênicas acabariam sendo muito bem vindas, como é o caso da lavagem sistemática das mãos, o cuidado com a coriza e sintomas de gripe, e outras situações, inclusive de febre.

No Rio, e creio que também em outras cidades brasileiras e mundiais, o direito de ir e vir , no nosso caso uma das cláusulas pétreas da Constituição, foi e está sendo violado sem contemplação pelas autoridades públicas. Além disso, ninguém explica claramente por que numa determinada hora pode-se tolerar o vírus num grupo, e em outro não. Também não fica claro por que os restaurantes e bares devem ficar fechados e não a totalidade dos supermercados, já que o vírus não deve “enxergar” espaços de restrição específicos, indicados por sua função social ou comercial, e supostamente de caráter social.

Entretanto, de onde veio o alarme de pandemia que assustou todo mundo? Como a maioria se lembra, ocorreu no início do ano. No meu entender, foi fruto do exagero dos dirigentes da OMS, pressionados pela alta burocracia interna em torno de seu principal dirigente, cercado de preconceitos científicos e políticos. É que, sendo oriundo de um país muito pobre e de limitados recursos científicos, o diretor-geral da OMS entrou em pânico diante do surto epidêmico, temendo seu alastramento mundial. Diante disso decretou a pandemia, que se alastrou pelo mundo seguindo o que chamo de “princípio de autoridade”.

O que é o “princípio de autoridade”, aplicado sobretudo à imprensa? É o principal sintoma de decadência da mídia brasileira, e que um antigo chefe meu, no tempo em que a “Folha de S. Paulo” era um jornal sério, chamava também de imprensa “disse que”. Nesse jornalismo decadente, não existe investigação. O que chamam de jornalismo investigativo é uma piada. A notícia se resume ao que a autoridade diz – policial, promotor, juiz etc -, com foros de verdade. Vimos isso na Lava Jato: foi a maior aplicação do “princípio de autoridade” de que resultou a destruição de reputações, sobretudo nos testemunhos contra Lula.

Quando não existe imprensa independente e realmente investigativa, o “princípio de autoridade” comanda o processo midiático. Tudo o que o secretário-geral da OMS diz é tomado como verdade, pelo simples fato de ter sido dito por uma autoridade pública. A opinião acadêmica alternativa, bem fundamentada, é tida como fake news, como aconteceu com o dr. Beny Schmidt , insultado por pessoas sem qualquer qualificação médica consistente no campo da infectologia. Aliás, a Folha de S. Paulo dedicou um espaço específico para denunciar fake news no caso do vírus, o que seria bom, se fosse feito com competência.

O “princípio de autoridade” é complementado pelo “princípio do medo”. A declaração de pandemia tem um efeito devastador sobre a psiquê das pessoas. A partir do momento em que uma autoridade “ameaça com a morte”, como está acontecendo com populações inteiras, é óbvio que o pânico se espalha. Mortes que ocorreriam de qualquer forma são tomadas como causadas pelo coronavírus, medicamentos que só servem para outras doenças são objeto de corridas nas farmácias, e uma medida tão inócua quanto o confinamento, condenada por autoridades médicas de renome como os indicados acima, acaba sendo sacralizada.

Como acabar com essa praga absurda, diante dos dois princípios acima? Acho que é muito difícil. Muita gente vai morrer sem coronavírus pensando que teve a doença, e muito diagnóstico será feito, de forma improvisada, supondo sua presença, quando era resultante de doenças diferentes, mal diagnosticadas e portanto mal curadas. Como corrigir essa situação? Sou economista e doutor em Engenharia de Produção, não sou cientista da área de saúde. Minhas certezas vêm da velha mídia, atuando como intermediária de especialistas. E de um profundo pesar em relação àqueles que estão sendo confinados em casa sem qualquer razão.

Devo confessar que tive um longo momento de reflexão antes de escrever esse artigo. Basicamente, por razões políticas, que é meu campo. Um grande número de personalidades acadêmicas e científicas assumiu posição em relação ao confinamento, confirmando-a com sua credibilidade. Outros, em menor número, como os mencionados acima, assumiram posição contrária, também com credibilidade. Não é possível que os dois grupos tenham razão. Escolhi meu lado, exercendo minha posição de mídia, como referido acima. Aqueles que são contra o confinamento me pareceram mais confiáveis.

Nesses ínterim, ouvi lamentos de empregadas domésticas, trabalhadores em construção, babás e autônomos, mães solteiras, todos não sabendo como irão trabalhar amanhã e angustiados com o retardamento nos pagamentos prometidos pelo governo, sem saber até quando isso vai durar. E o que falar de dezenas de milhares de garçons de restaurantes fechados? Evidentemente, é uma medida discricionária, pois o patrão se vira com empréstimos bancários que o generoso Paulo Guedes lhes promete oferecer a prazo curto, com ajuda do Banco Central. Já os trabalhadores tem de se virar com pequenas esmolas.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.