Por Lincoln Penna

“A paz é um bem que supera qualquer barreira, porque é um bem de toda a humanidade.” (Papa Francisco).

Tem sido evocada a necessidade da paz nas áreas sob conflitos armados, inclusive nos centros urbanos que assistem o crescimento de ações comandadas por organizações criminosas, como se o aceno da paz fosse o bastante. Só que a paz sem justiça social tem voo curto. Representa tão somente uma paralisação que costuma realimentar o conflito sem eliminar suas causas. Este raciocínio se aplica aos povos que buscam os seus legítimos direitos impedidos de serem concretizados os sonhos acalentados há anos. Claro que estou a refletir sobre os acontecimentos que vêm infelicitando os corações e mentes mais sensíveis das pessoas conectadas com o que se passa na Faixa de Gaza, bem como na escalada da intolerância que se alastra e nos fazem reféns de um panorama, cujos desdobramentos são imprevisíveis.

Nesta quadra da humanidade plena de interesses subalternos porque mirando única e exclusivamente os objetivos estratégicos, econômicos e financeiros de modo a secundarizar os povos e suas reivindicações básicas, qualquer medida que se venha a tomar partindo dos interesses dos estados mais influentes e poderosos será mero engodo, haja vista o que acontece no Conselho de Segurança da ONU, no qual as resoluções passam ao largo do fundamental, qual seja o reconhecimento tardio da criação definitiva de um estado da Palestina. Tardio porque já decorreu mais de sete décadas, desde a criação do estado de Israel sem que a mesma resolução incluísse, como era previsto, a criação também do estado da Palestina.

As decisões emanadas desse organismo, quase octogenário e já distante de nossa realidade, quaisquer que sejam será sempre letra morta, uma vez que as partes envolvidas não serão contempladas. De um lado, o dos que lutam pela implantação de um estado para chamá-lo de seu, ou seja, os palestinos; e, de outro, a de um estado como Israel decidido a responder a um ataque cruel, sem dúvida, porém marcado pela ira dos injustiçados, cujo método sendo condenado não pode justificar os atos virulentos contra uma população indefesa em nome de um direito de resposta, algo inusitado em se tratando de um debate em um fórum internacional como temos assistido.

Ao prevalecer a intolerância expressa inclusive no seleto clube do Conselho de Segurança e, mais do que isto, a insensatez diante de tantas vidas subtraídas em nome da irracionalidade, dentre elas o incrível número de crianças mortas, feridas e que tem a infância violada, tudo em nome da fúria de um governo, cuja história de seu povo vivenciou os horrores do holocausto mais se assemelha a um conto de terror. Esta determinação de levar à ferro e fogo ao que seus autores denominam de direito de defesa é uma inversão para tentar justificar os ataques indiscriminados sobre uma densa população vulnerável e totalmente desprotegida uma vez que o Hamas, por outro lado, não cogitou sequer em assegurar a proteção possível em face de uma operação que sabidamente seria objeto de retaliação por parte da máquina de guerra israelense.

Alcançar a paz de forma a impedir que tantas vítimas se somem as que já sofreram a brutalidade dos ataques contra os seres humanos submetidos ao capricho de líderes descompromissados com a vida de seus semelhantes e a própria sorte de seus cidadãos passou a ser uma missão de todos os que prezam essa combinação da justiça com a paz, sem o que não será possível apostar em soluções determinadas unicamente pela força das armas. A paz para que possa se tornar permanente precisa ser uma paz humanitária, ou seja, capaz de sustar todas as ameaças que tornem insegura a vida dos seres humanos não importa as suas origens, etnias e culturas.

A invocação da paz só tem sentido se ela atender minimamente os pleitos possíveis e justos das demandas em questão, sempre submetidos a decisões que busquem construir um consenso pactuado.

Fora isso, a insanidade toma conta de ambos os lados, uns pelo aumento da injustiça a eles imposta, e outros pela obsessão de se sentirem alvos de ações persecutórias. A paz verdadeira não se resume a imposições unilaterais, senão através de uma negociação construtiva e que mire um horizonte seguro para a paz concertada. A ideia de que eventuais vencedores tendem a monitorar uma paz resultante de uma operação destrutiva pelo emprego da violência é um ledo engano. Nenhuma paz assim alcançada pela força prospera mediante a força unicamente. A história tem vários exemplos.

A paz que intitulo de soberana é justamente aquela que se consolida com base na sabedoria das partes envolvidas, de modo a garantir a perpetuação do progressivo desarmamento, que contemple não apenas o abandono do emprego das armas de destruição do inimigo e de seus recursos fundamentais, mas sobretudo o que implica na aceitação do outro. Esta coexistência é que assegura a sobrevivência da humanidade cada vez mais fragilizada em virtude da escalada armamentista.

Seja de que lado cada um possa ter em face de um conflito é tarefa de quem deseja uma humanidade fraterna e igualitária o papel de disseminador da paz soberana, o único caminho que vejo para remover os grossos interesses da indústria de guerra, principalmente na crise crônica que a tal economia de mercado, nome fantasia do capitalismo hoje em dia, está conhecendo. Recorrem à guerra como expediente de escape para encontrar uma saída dessa crise inerente ao modo de vida que nos tem imposto faz tempo. Modo este que agride a natureza e produz os eventos extremos, ou extraordinários, que em pouco tempo passarão a ser ordinários para a humanidade.

Vale lembrar que o sentido de antropoceno deve ser substituído pelo capitoloceno, o que significa que não é o ser humano que conspira contra o equilíbrio ecológico, mas o modo de produção capitalista que responde pela situação em que se encontra a atmosfera cada vez mais afetada em sua essência pela ganância do grande capital.

Por fim, o conceito de antropoceno atribuído à  ação predatória do ser humano em sua relação com a natureza está sendo hoje em dia substituído pelo de capitoloceno, isto é, pela responsabilização do modo de produção capitalista, responsável pela rápida destruição dos bens da natureza em função da busca incessante do lucro a todo custo.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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