Por José Carlos de Assis e Paulo Lindesay

A pretexto de controlar o novo corona vírus, o Governo autorizará redução de jornada de trabalho e de salários por medida provisória. Há muito tempo em que está querendo isso, mas agora encontrou a oportunidade ideal de levar adiante o chamado “plano mais Brasil para banqueiro”, tendo em vista o pânico que as próprias autoridades de saúde no Brasil, e algumas do mundo, espalharam no meio da população. Contudo, se formos adotar medidas realmente eficiências, o mais adequado seria reduzir a jornada de trabalho sem reduzir o salário, o que nos colocaria na trilha civilizatória.

Conforme dizem algumas almas generosas e otimistas, depois dessa alegada pandemia o mundo poderá ser outro conforme a fórmula do príncipe de Lampeduza: muda-se tudo para que tudo fique no mesmo lugar. Ao lado da redução da jornada de trabalho, proposta e assumida pelo atual governo, a qual, segundo ele, resultaria na criação e manutenção de milhões de empregos, seria o caso de aplicação do teletrabalho e do ensino a distância para ensino básico, universitário e até ensino especial, já autorizados, pelo decreto 9057/2017, do governo Temer. Com esse decreto as escolas podem se associarem a qualquer setor, inclusive a bancos e até as grandes corporações. O bilionário, Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do país aposta agora suas fichas na área de ensino, a parti de 2017.

Por que então não mudar o mundo para valer? Redução da carga horária e preservação dos salários, isso sempre foi um item da pauta de reivindicação dos trabalhadores. O resultado disso seria uma tremenda transformação do mercado de trabalho com preservação e mesmo expansão da renda salarial consolidada e a abertura de mais postos de trabalho.

Pela proposta do governo, outra Medida Provisória, a 922/2020, que altera a lei 8745/94, do contrato temporário, amplia a contratação temporária, para quase todas as áreas dos serviços públicos, acabando com o pedágio entre processos seletivos, o que possibilitará renovação de contrato em algumas áreas, chegando até 8 anos, transformando a contratação temporária em regra, substituindo os concursos públicos, acabando com a necessidade de publicizar os processos seletivos em diário oficial, o que possibilitará a escolha mais seletivas das vagas e o aumento das fraudes, identificará as carreiras consideradas obsoletas no serviço público, as quais poderão ser substituídas por contratados temporários, mais baratos para administração e mais eficientes na visão dessa administração. O teletrabalho ajudará muito nessa identificação, afirma-se. Ele não é para quem quer, mas só para as carreiras e cargos consideradas mais qualificados na visão da mesma administração.

Note-se que, num contexto de luta nacional contra o vírus, aproveitando o ambiente de solidariedade e solidariedade suscitado pelo clima geral, as mudanças estruturais no mercado de trabalho jamais poderão ser confundida com precarização das condições de trabalho ou redução de salário. Entretanto, o governo segue caminho oposto. Aproveita a oportunidade para escravizar o trabalhador, usando um momento de generosidade induzida pela imprensa, a qual, por sua vez, não tem nenhum espírito crítico em relação à situação.

A política de saúde, se houver honestidade oficial, tem que ser profundamente alterada. O governo deve rever imediatamente as iniciativas de precarização do SUS – Sistema Único de Saúde, algo que se vinha fazendo a pretexto de cortar o orçamento e enquadrar as despesas públicas nos limites estreitos da emenda 95. Paulo Guedes falou em ampliar o orçamento e manter a Emenda 95. Isso é contraditório. De qualquer forma, a sociedade não tolerará fetiches orçamentários para cortar despesas sociais essenciais e emergenciais.

Temos que reconhecer que dos mais de 5570 municípios brasileiros, menos de 10% ou 545, tem leitos de UTIs que podem ser disponibilizado para o SUS. Isso reflete a virtual ausência de investimentos na rede pública de saúde no interior do país. Uma reverão desse quadro é fundamental. E assim como foi dito em relação a pessoal, os investimentos são fundamentais. Dinheiro para o investimento existe: como temos sustado em relação a orçamento, entendemos que, numa situação de profunda recessão como a que estamos vivendo, o Estado não tem limite de gasto financeiro até esgotar-se sua capacidade produtiva.

Se as autoridades do governo Bolsonaro querem realmente ajudar o povo brasileiro a passar por essa epidemia sem maiores sequelas e sacrifícios, recorra às políticas de finanças funcionais para superar os gargalos do financiamento do setor público na escala necessária para financiar os investimentos com saúde e com a retomada da economia. Outra alternativa é suspender o pagamento da dívida pública até a realização de uma completa auditoria, em cumprimento ao Art. 26 ADCT, conforme propõe a Auditoria da Dívida há anos, sem resposta concreta do governo.

É um escândalo que um país com as necessidades existentes de investimentos e gastos públicos nos serviços públicos de saúde, de educação e de segurança, essenciais para a população, estejam sendo comprimidos na escala imposta por Paulo Guedes e seus antecessores do governo Temer. De fato, os números oficiais do governo, no orçamento aprovado e sancionado na Lei Orçamentária Anual – LOA/2020, prevê o pagamento do serviço da dívida pública em R$ 1,599 trilhão, dos quais R$ 408 bilhões de juros e R$ 1,191 trilhão de amortizações. Se não houver um enfrentamento do governo ao sistema financeiro em relação a essa parte do orçamento, não haverá política de saúde, saneamento, educação e etc, suficiente no Brasil para enfrentar a falta de estrutura dos serviços públicos no Brasil.

Em lugar de encarar suas responsabilidades, o ministro Paulo Guedes, atuando como um agente plenipotenciário de Jair Bolsonaro, propõe medida provisória para cortar salários dos trabalhadores de CLT. Fala a esse respeito que servidores públicos têm que dar sua cota de sacrifício, aceitando redução salarial. Além disso, propõe desonerar os empresários sob argumento de preservar emprego, o que não é verdade, já que pós-reforma trabalhista grande parte dos contratos de trabalho passaram a ser intermitente, esses trabalhadores recebem por horas ou dias trabalhados, além da grande massa que trabalham por conta própria. É um acinte ao povo que está sendo estrangulado em confinamentos e feito prisioneiro de um sistema de transportes paralisado.

O que estamos vendo é uma conspiração contra o povo. As medidas de restrição vão sendo tomadas sem fundamentação clara. Ignoram-se manifestações por vídeos de grandes cientistas brasileiros. Aproveitando essa confusão, chega-se ao cúmulo em que o presidente da Câmara anuncia que está articulando PEC emergencial para reduzir o salário dos servidores do executivo, judiciário e legislativo. Como contrapartida, Paulo Guedes conseguiu uma medida provisória de gasto orçamentário em aberto, do tamanho de seu apetite por recursos públicos comprovado no assalto a caixas de fundos de pensão segundo processos que correm no Rio.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS, Economista, doutor em Engenharia de Produção

PAULO LINDESAY, Especialista em Dívida Pública – Coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã RJ