Por Pedro Augusto Pinho

O septuagenário cientista social (USP), articulista de “O Estado de S. Paulo”, Celso Ming, ex-parceiro de Luís Nassif, trouxe na quinta-feira, 23 de dezembro de 2021, uma falácia para os leitores deste quase sesquicentenário jornal: petróleo com prazo de validade.

Seus primeiros argumentos são pífios e se tivesse lido os artigos divulgados pela Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET não cometeria erro tamanho.

Os leilões para novas áreas de exploração de petróleo, senhor Ming, foram o fracasso estampado em manchete pela imprensa escrita e apregoado na televisiva por um motivo muito simples e demonstrável: apenas a Petrobrás detém tecnologia de exploração e de produção em águas ultra profundas. Nenhuma petroleira ofereceria lance para jogar dinheiro fora. A expectativa daquelas empresas era a presença da Petrobrás, assumindo as operações e solucionando os problemas, ficando elas no aguardo dos lucros certos para retirar sua parte da sociedade. Tendo a Petrobrás sido impedida de participar, o leilão falhou.

Mas seria exigir muito destas empresas e da própria licitante, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, reconhecerem o motivo daquele revés; foi mais fácil atribuir às incertezas ambientais, está na moda. Já o leilão seguinte, Campos de Atapu e Sépia, onde a única dificuldade, a tecnologia de produção, a Petrobrás já resolvera e a existência de petróleo (óleo e gás) está assegurada, os dois campos encontraram licitantes.

E por que tão poucos?

E é aí que o comentarista se perde em apanhados de vacuidades, desvãos solipsísmicos, ou puro desconhecimento dos meandros da energia.

Comecemos do início. Desde a década de 1980, com as desregulações financeiras, culminado com o Consenso de Washington, em 1989, o mundo se viu tomado pelas finanças. Elas subvertem a noção do ganho pela produção, logo pelo trabalho, logo com uso indispensável da energia, pela pura e simples especulação, forma conhecida desde o primórdio capitalista, o mercantilismo, com as companhias das índias orientais inglesa e holandesa, quando se criaram os bancos centrais em Amsterdã (1609) e Inglaterra (1694) e o templo do jogo, a Bolsa de Paris (1724).

Este retrocesso, com as tecnologias da informação, já conhecidas desde a década de 1920, aprofundadas com Claude Shannon (1948) e Norbert Wiener (1948), explode com as finanças do século XXI, onde têm presença marcante os capitais marginais, das drogas, dos contrabandos de tudo, inclusive pessoas e órgãos humanos, da prostituição e corrupções, que estão até assustando o último grande império nacional, os Estados Unidos da América (EUA), como o próprio Estadão apontou em editorial (página A17) em 17/12/2021, “O PCC na mira dos EUA”.

Ora, comentarista de economia, se não está suportado na produção e no consumo, o capital não precisa de energia, não é mesmo? Basta se mover no sentido da contínua e crescente concentração de renda, que é disfarçada denominando milionários aqueles que têm efetivamente milhões e não os bilhões necessários para ingresso neste seleto clube no atual milênio. E observe que a concentração de renda ocorreu nos primeiros anos deste milênio na contramão da demografia. Nos 12 primeiros anos, a população mundial cresceu um bilhão de pessoas, no entanto o Produto Interno Bruto mundial vem apresentando pífios crescimentos, alguns anos de decréscimos e ainda não se recuperou da “crise” 2008/2010.

Uma economia que dispensa aumento de produção e cresce na especulação só pode ter baixa demanda de energia. E é exatamente o que nos mostra a tradicional “bp Statistical Review of World Energy”, de 2021: entre 2009 e 2019, o crescimento do consumo de energia foi 1,9%, e, apenas de 2019 para 2020, já caíram 4,2%, situando-se em 91 trilhões de barris de óleo equivalente. Especificamente o petróleo (óleo e gás), neste período, teve a redução de 6,2%, substituído pela hidroeletricidade e por esta imensa área coberta pela designação “renovável”, que abarca os biocombustíveis, o vento, as marés e a ultra dispersa energia solar. Mas, ainda assim, 56%, ou seja, a maioria do consumo de energia no planeta vem somente do petróleo.

Nas condições hodiernas os reservatórios de petróleo conhecidos podem suportar o consumo por pouco mais de 40 anos. Mas não seria de esperar que o comentarista pudesse avaliar este significado e associá-lo à atuação das petroleiras privadas.

De um reservatório de petróleo se extrai um percentual do petróleo que é denominado fator de recuperação. No Brasil, em 1970, o fator de recuperação dos campos brasileiros estava em menos de 30%. No entanto a Petrobrás investia nas tecnologias de recuperação, quer em seus laboratórios regionais, quer no Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação Leopoldo Américo Miguez de Mello – CENPES, quer enviando seus geólogos e engenheiros para cursos e estágios no exterior. Com a descoberta do pré-sal, que tem reservatórios mais prolíficos, o fator está hoje próximo a 70%, ou seja, foi como se descobrisse outro tanto de petróleo quanto o já produzido. E tem mais, a Petrobrás detém a mais avançada tecnologia de exploração e produção entre as petroleiras estatais e privadas, e com o desenvolvimento da tecnologia de exploração, outros “pré-sal” poderão surgir, aumentando em muito, não apenas no Brasil, mas em áreas de pouca ou nenhuma pesquisa como existem na África, no Pacífico e na Sibéria, a quantidade de petróleo no mundo. Ouso afirmar, com a experiência profissional de mais de um quarto de século somente na área do petróleo, que o mundo ainda estará usufruindo da energia dos combustíveis fósseis por mais de um século.

Talvez Celso Ming estivesse querendo fazer eco aos poucos letrados em energia Paulo Guedes e Hamilton Mourão. Muito diferentes do ex-presidente Ernesto Geisel.

Mas há uma consequência para o “mercado” desta financeirização da vida econômica. As empresas petroleiras, como de resto todas aquelas que têm suas ações majoritariamente em mãos de especuladores, hoje denominados “gestores de ativos”, cortam investimentos produtivos e vendem ativos para inflar dividendos, assim como tomam dívidas para recomprar suas próprias ações, valorizá-las e recompensar com elevados bônus seus executivos, com sérios riscos para o futuro dessas empresas privadas.

Para não me alongar apenas dois exemplos. Daquela que já foi a maior empresa do mundo e, obviamente, do setor petróleo, a antiga Standard Oil of New Jersey (SONJ), atualmente ExxonMobil Corporation, incorporada em 1999; tem 28,75% de suas ações em mãos de fundos de investimentos, que tem em significativa parcela o controle de The Vanguard Group (o segundo maior do mundo, com quase 10 trilhões de dólares estadunidenses em ativos), que também é o maior investidor institucional com 24,59% das ações. Outro importante acionista, com 5,96% do capital, é o State Street Global Advisors.

Outra estadunidense, onde também The Vanguard Group tem significativa participação, desmentindo a competitividade da privatização, é a Chevron, fundada no Texas, em 1879, por Peter Chevron. Os fundos onde predominam os controlados pelo The Vanguard Group e State Street Global Advisors (SSgA) detêm 33,96% das ações. Os principais investidores institucionais, totalizando 32,26% do capital, são: The Vanguard Group (7,96%), SSgA (7,25%), BlackRock (4,56%), Geode Capital, Berkshire Hathaway etc.

Outra importante petroleira que vem se assenhoreando dos ativos da Petrobrás e prometendo transformar um monopólio estatal brasileiro em monopólio privado neerlandês é a Shell, que pertence ao De Nederlandsche Bank com 39,22%, ao BlackRock com 7,14% e The Capital Group com 4,99%. É importante notar que o BlackRock é o maior gestor de ativos do mundo, com um patrimônio superior a 10 trilhões de dólares estadunidenses, controla direta e indiretamente empresas de diversos segmentos e influi nas políticas econômicas de muitos governos. Não é apenas um setor que se “privatiza” hoje, é a própria economia que sai do controle do Estado, onde se encontram todos os poderes que passam a sofrer assédio e suborno destes gigantes financeiros.

Por conseguinte senhor comentarista, quem está com prazo de validade é nosso País ao se meter nesta armadilha das privatizações, das alienações indiscriminadas de ativos brasileiros para empresas que têm seus controles em capitais crescentemente marginais.

Atenção brasileiros, patriotas, que desejam ter um passaporte nacional e não de apátrida, pois deixarão assim de ter um lugar que os acolha. Privatizar no mundo controlado pelas finanças faz mal aos países.

PEDRO AUGUSTO PINHO é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), avô e administrador aposentado.

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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.