Por Siro Darlan

Hoje, dia em que morreu uma alegria do povo Paulo Gustavo, que nos fazia rir para curar nossas almas violentadas pelo ódio e pelo sofrimento, o Brasil amanheceu mais triste, mas até ao morrer ele nos ajuda a pensar sobre nossa responsabilidade com o mais de 400 mil mortos por essa pandemia de negligências e nos deixa de herança seu sorriso que ameniza nossa dor. Com a pandemia busquei tirar proveito da ociosidade forçada pelo escritório do ódio que me afastou das funções para evitar minha incômoda presença para as artimanhas do mal.

Esse ócio criativo me fez descobrir que além de um pé na Mãe África, meu outro pé ficou na ancestralidade dos indígenas Potiguaras, que fala a língua Tupi e ocupa desde sempre o norte do Estado da Paraíba, onde nasci. Guardo, portanto em meu DNA, não apenas essa grande responsabilidade com as expressões culturais tradicionais (o ritual do toré, a língua tupi, as pinturas corporais, etc.), como a obrigação de lutar pela defesa de meu povo e da preservação do meio ambiente e das matas naturais que aqui estavam quando meu povo foi invadido pelos europeus.

Lembro que as forças conservadoras e reacionárias que hoje governam o Brasil, sempre estiveram presentes nos momentos históricos mais tristes, violentos e marcantes de nossa história, desde a invasão portuguesa, passando por mais de 300 anos de escravidão do povo africano, passando pelas rebeliões militares ao longo dos séculos, chegando à ditadura militar, após várias tentativas de quebra da regularidade institucional, até os tempos presentes quando vivemos em estado de coisas inconstitucionais com a derrubada de uma presidenta eleita, a derrubada do estado de direito com um juiz à soldo das autoridades estrangeiras interessadas em quebrar a economia brasileira.

O Presidente Getúlio Vargas em sua Carta Testamento, saiu da vida para a História fazendo essa denúncia: “Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes”.

Senti a presença dessa “forças”, que Leonel Brizola chamava de “forças ocultas internacionais” no processo que estou sofrendo nesse momento. Ao decidir como determinam as Leis e a Constituição, não deixando presos aqueles que a lei não acoberta contrariei muitos interesses do capital do ódio. Foi preciso inventar uma “delação” comprada e articulada pela polícia federal e o Ministério Público raivoso para me afastarem das funções após 40 anos de serviços prestados.

Também incomodei essas “forças” Presidente Vargas.

Prossegue Vargas: “Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social.” Hoje Vargas, eles também me silenciaram, mas não tanto quanto a você, a pena continua solta, mas seus direitos trabalhistas, suas conquistas sociais foram dadas na bandeja, como a cabeça de São João Batista, para as elites econômicas e o capital internacional. Destruíram os empregos, a sua Petrobrás, a Eletrobrás, o pré-sal que o Lula queria destinar à saúde e à educação, está nas mãos deles.

Dia 5 de maio é o Dia Internacional da Língua Portuguesa, e essa peça é uma das mais nobres do idioma lusitano: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado”.

Além de desamparado sem o seu “Pai”, Getúlio está sendo assassinado pela incúria de governantes negacionistas que se aliaram ao Corona e não ao povo sofrido de Vidas Secas.

Prosseguiu o inesquecível líder trabalhista: “Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação”. Essa profecia está sendo cumprida, a cada sofrimento impingido ao povo humilde e trabalhador seu nome é lembra e homenageado com saudades.

E conclui sua corajosa carta de despedida: “Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”. (Rio de Janeiro, 23/08/54 – Getúlio Vargas).

Honramos esse testamento, meu caro Getúlio Vargas, seguindo seu exemplo de compromisso com os pobres, com a minorias, com os donos dessa terra, os indígenas sempre dizimados pelas armas empunhadas pelos invasores europeus e aqueles que trocam os livros pelas armas.

Também sofri uma “morte de reputação” conduzida pela mesma mídia golpista que te acionou o tiro fatal, mas prossigo fiel à tua carta testamentária acreditando ainda ter muito a fazer contra as forção inquisitoriais que usam de falsidades e mentiras para macular o manta da Deusa Themis e a credibilidade na justiça.


SIRO DARLAN –  Juiz de Segundo Grau do TJRJ, Mestre em Saúde Pública e Direitos Humanos, membro da Associação Juízes para a Democracia, conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo, conselheiro efetivo da Associação Brasileira de Imprensa, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.