Por Lincoln Penna –
Ao nos aproximarmos do primeiro quarto do século XXI uma certeza começa a nos incomodar e ao mesmo tempo a nos alertar: estamos acumulando pouco a pouco, por enquanto, perdas civilizatórias que nos faziam crer em expectativas progressivas de bem-estar da humanidade.
Essa sensação que parece ter vindo à tona ao longo dos últimos anos desse quarto de século tem a ver não apenas no que diz respeito ao cenário político tomado enquanto uma arena específica dos embates de interesses representativos das várias forças sociais na arena das tomadas de decisões especificamente de natureza política, mas em todas as áreas que conformam a vida do ser humano na Terra.
Movido por essa constatação hoje em dia expressa através do termo eventos extremos, mais aplicado às bruscas alterações ambientais, escrevi um livro no qual apresento como uma necessidade emergente para esse cenário perturbador, uma revolução, que não se prende forçosamente ao ato de assalto ao poder, mas a um processo emergencial de conscientização. Seu título é: O Século XXI, tem de ver com essa questão, o que me fez dar então o subtítulo: Na expectativa da revolução social e ambiental.
Ao produzir esse livro aponto para a urgência de se criar essa consciência da sua necessidade, pois não se trata de um projeto político no seu sentido programático e partidário, mas de uma necessidade existencial para uma civilização que se encontra doente.
Doença que não tem cura no modo de vida que temos tido e cuja evolução poderá com certeza nos conduzir a uma exaustão sem retorno a ponto de pôr fim à lógica que preside as nossas vidas. Para que se tenha noção da situação em que nos encontramos basta elencar algumas perdas civilizatórias que temos consideradas como naturais ou, o que é pior, considerá-las inerentes ao progresso alucinado de nossas vidas, como se não dependessem de nós enquanto agentes que direta ou indiretamente as têm provocado.
Sem dar um caráter de principalidade, comecemos pela lenta e progressiva destruição de nossas matas, florestas e espelhos d`água, como as bacias, rios e seus afluentes, bem como a elevação do nível dos mares provocado pelo aquecimento global. Com isso, inúmeras perdas de vida animal, vegetal têm reduzido quando não feito desaparecer várias espécies ao longo do tempo, muitas delas devidamente cadastradas e pouquíssimas em termos de quantidade recuperadas, bem abaixo da necessidade ideal.
No Brasil, onde essas perdas de nosso imenso espaço natural se acentuaram ultimamente, nos incomoda menos até do que em outros povos sabedores da importância, por exemplo, de uma Amazônia, cuja grande parte dessa reserva natural se encontra em território brasileiro ocupando, por sinal, cerca de metade de seu território nacional. Perdas também humanas, que como afetam mais as comunidades originais, os indígenas, parece que são minimizadas, numa afronta à própria humanidade, que não pode distinguir a origem de seus seres.
Há pouco ocorreu a tragédia no Rio Grande do Sul, que produziu uma comoção em todos os demais estados do país de modo a demonstrar a importância da solidariedade espontânea do povo diante do ocorrido. Todavia, em paralelo assiste-se a devastação de um bioma dos mais importantes do Brasil, o do Pantanal.
A área do Pantanal, de grande concentração hídrica, parece às autoridades e aos brasileiros em geral algo de importância menor. Afinal, não afetam a vida dos urbanos dos grandes centros e são, também em geral, registros meramente noticiados sem dar a importância que essa realidade deveria ter. Há, no entanto, vozes que têm buscado dentro de seus espaços de atuação, seja na ciência ou no jornalismo investigativo, dar conhecimento a essas situações reveladoras dos novos tempos a exigirem mudanças estruturais, mais do que apenas reparadoras.
O enfrentamento desse problema é de natureza política. Todavia, a própria política enquanto área encarregada de identificar e prover os recursos e as demandas que esse novo tempo está a impor à humanidade também se encontra padecendo de uma perda não desprezível. Ao contrário, talvez a de maior significado em comparação as demais. Trata-se da perda de credibilidade junto ao povo e, particularmente, a um eleitorado mais consciente e crítico em face da objetiva omissão de seus representantes.
Essa perda traz um indicador preocupante. Ele se manifesta sob a forma da despolitização de quem deveria valorizar os espaços de decisão política. Na verdade, deixa transparecer o desprezo do papel dos legisladores e da representação popular.
Daí, surgirem os Outsiders a convencerem o povo da ociosidade da política enquanto provedora das demandas sociais e em seu lugar dar primazia a salvadores da pátria pela via de poderes mágicos, extraordinários, autoritários, típicos das variantes fascistas bem conhecidas em nossa história recente. Não se trata de um recurso de retórica, mas de uma das muitas ameaças que nos deparamos presentemente.
Há outras manifestações dessa turbulenta etapa na qual vive a humanidade e que se retrata diariamente em nossas grandes e médias metrópoles. Elas que tinham no passado mais remoto o condão de abrigar os que buscavam refúgio seguro em termos de ocupação e proteção, são hoje em dia ocupadas por dois tipos bem representativos de uma barbárie em curso. De um lado, os excluídos de fontes de trabalho e renda, de moradia digna e de acesso à educação e saúde, para dizer o fundamental; e, de outro lado, as organizações criminosas a ocuparem crescentemente áreas urbanas e até bairros por inteiro.
Como superar esse conjunto de problemas que tem se expandido e se tornado um enorme obstáculo à promoção do sempre esperançoso bem-estar da humanidade, eis um desafio dessa e das novas gerações. Enquanto estivermos centrados nos nossos mesquinhos interesses coloquiais e corporativos estaremos empurrando as verdadeiras soluções quem sabe para quando não houver mais tempo.
Dilema que pode e deve ser equacionado antes que ele se configure como uma questão de sobrevivência dos valores civilizatórios construídos ao longo do tempo histórico.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Secretário Geral do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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